Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Já poucos têm a
coragem de chamar ajuda aos empréstimos da troika. Estes empréstimos
significaram apenas uma nova dívida que serviu para pagar encargos e parte da
dívida velha, tornando-a ainda maior. Foram presentes envenenados. A
"ajuda" consubstanciou-se em brutal austeridade que deixou os
portugueses mais pobres e em piores condições, até para poderem vir a pagar a
dívida.
No fim de 2007
cerca de 70% da dívida pública portuguesa era detida por bancos e outros
credores não residentes, isto é, externos. Em meados de 2012 os credores
externos detinham já apenas cerca de 20%. Entretanto a dívida aos credores
oficiais (Fundos da União Europeia, FMI e BCE) passou de zero para cerca de
40%. Isto significa, tão-somente, que quem nos "ajudou" se tornou no
principal credor.
Então,
emprestaram-nos o dinheiro para quê? Para que os credores privados externos se
libertassem de títulos da dívida pública portuguesa que lhes queimavam as mãos.
O que desta
"ajuda", deste "resgate", ficará na história é simples:
Portugal endividou-se junto das instituições europeias para pagar aos grandes
bancos e fundos de investimento europeus. Para que estes não sofressem perdas,
a União Europeia (UE) obrigou os cidadãos europeus, e os portugueses em
concreto, a endividarem-se.
Estas políticas não
fazem sentido, nem para Portugal, nem para os outros países da UE. Mas
mostram-nos quem manda: o grande poder financeiro e a "potência"
europeia, a Alemanha, cuja política e peso económico são hoje perigosamente
determinantes no espaço europeu.
Costuma dizer-se
que quem paga manda. Aqui a verdade é um pouco diferente: quem manda recebe. E
esta exploração é-nos todos os dias justificada por tecnocratas vendidos, por
políticos de pacotilha, sem palavra, sem ética, enfatuados quase ignorantes,
gerados e alimentados pelos encantos (com chorudas contrapartidas) da podre e
venenosa cartilha neoliberal.
O país não
precisava desta "ajuda" e o povo português não merecia este
empobrecimento forçado. Somos um país com história e um povo abnegado,
trabalhador, capaz de construir, mobilizado coletivamente, extraordinárias
mudanças e transformações como fez em 1383-1385, ou com a Revolução de Abril de
1974.
O país não precisa
que se institucionalize a crise e muito menos se condenem gerações a uma vida
de pobreza, sem horizontes de progresso e modernidade.
Somos europeus por
natureza e por opção, mas não precisamos e não queremos esta Europa dualista,
antissolidária e de humilhação, em que a Alemanha impõe o que entende ser do
seu interesse e dos seus aliados próximos, mesmo que isso represente
declarações de guerra, mais ou menos expressas, a povos e países de quem muito
beneficiaram.
Portugal não merece
o "Memorando" a que está sujeito, nem as "avaliações" da
troika cujos objetivos são apenas os de criar condições para prosseguirem, pelo
maior tempo possível, as políticas de roubo organizado a que nos submeteram. Há
muito que estão provadas as desadequações e a injustiça do fundamental das
medidas definidas ou executadas em nome do Memorando, e que é uma evidência a
necessidade de uma renegociação da dívida, no que diz respeito, nomeadamente, a
montantes, condições, prazos e juros a pagar.
Os portugueses não
merecem que prossigam políticas de imposição de salários cada vez mais baixos,
quando existe uma consciência coletiva, partilhada também por grande parte dos
empresários, quanto à melhoria do poder de compra e à atualização do salário
mínimo nacional.
O país não merece
que face ao apodrecimento do Governo, alguns "institucionalistas" de
Direita assustem o povo com o perigo da crise política que resultaria da
demissão do Governo, quando a continuação do Governo em funções é a efetiva
crise. O Governo sofre de septicemia, não tem cura através do ato de lancetar o
abcesso Relvas.
Hoje, como em
1383-1385, grande parte dos "fidalgos", dos "líderes" e dos
detentores do poder, estão do lado de "Castela" e não com o povo
português. Os que estão com os interesses e anseios dos portugueses - e ainda
há bastantes - têm de procurar, com "velhas" e novas forças e
projetos, assumir a construção de um novo rumo e mobilização coletiva. Os
portugueses merecem e vão encontrar futuro.
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