quarta-feira, 22 de maio de 2013

A CRISE DA UNIÃO EUROPEIA



Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

1 A crise económica, todos sabemos, iniciou-se na América com a falência do banco Lehman Brothers, ainda no tempo de Bush. Foi consequência da globalização desregulada e da ideologia neoliberal que sobrepôs ao poder dos Estados os mercados usurários, as offshores e o dinheiro pelo dinheiro, sem regras éticas. Ignora as pessoas, que não contam, mesmo quando morrem de fome.

Na altura, 2007/2009, tive ocasião de escrever uns livros Um Mundo em Mudança, O Elogio da Política, Em Luta por Um Mundo Melhor e No Centro do Furacão, em que manifestei o risco de contágio do neoliberalismo, para o euro e a própria União Europeia.

O presidente Ronald Reagan e a primeira-ministra britânica Margareth Thatcher foram os campeões dessa desastrosa política neoliberal, que o pseudo trabalhista Tony Blair continuou, com as consequências negativas conhecidas.

Como era inevitável, dada a ligação profunda entre a América e a Europa, o neoliberalismo americano contagiou a União Europeia, em especial a da Zona Euro, com uma moeda então mais forte do que o dólar. Assim, começou a crise da União, na Zona Euro, tendo como líder na Alemanha a chanceler Angela Merkel, vinda da Alemanha de Leste, onde foi - sabe-se agora - militante comunista, apesar de luterana. Depois da queda do Muro de Berlim revelou-se contrária à unidade alemã, para a qual os Estados europeus contribuíram. E Portugal também.

O primeiro Estado a ser atingido pela crise do euro foi, como se sabe, a Grécia, berço da nossa civilização, que, por isso, além do mais, devia ter sido, desde o primeiro dia, melhor tratada. Mas não foi. A chanceler alemã, então aliada aos liberais, ultraconservadores, como ainda está, embora se diga democrata-cristã, reagiu, como os mercados queriam. A Grécia - onde os bancos alemães contavam muito - foi andando de mal a pior, até conseguir o suficiente para pagar os enormes juros que a troika lhe exigia. Enquanto os Estados ditos periféricos, da Zona Euro, deixados ou não sem apoio financeiro - e quebrando os princípios fundamentais da solidariedade e da igualdade - foram entrando em crise, progressivamente. Primeiro a Irlanda, depois Portugal, a Espanha, a que se seguiu a Itália (a terceira economia europeia), Chipre, a recente e surpreendente explosão da Holanda e agora a França.

Tudo por causa da política criminosa da austeridade, imposta pela Alemanha e seguida pela Comissão Europeia, de que é presidente Durão Barroso (com sucessivas e graves mudanças de opinião) e, com maior discrição, pelo presidente do Banco Central Europeu, o italiano Mário Draghi, e o FMI, que tem mudado várias vezes de opinião.

A austeridade, como está hoje provadíssimo, só favorece os mercados usurários e os que neles mandam. Mas arrasa os Estados e os respetivos Povos. E não são só os Estados ditos periféricos ou do Sul, como se disse, antes de tempo. Vide a Holanda, a França - e a Alemanha, os dois fundadores da CEE, hoje União Europeia. A Alemanha era evidente, como alguns prémios Nobel da economia preveniram. Como Joseph Stiglitz e Paul Krugman, entre vários outros.

Agora a Alemanha está cada vez mais a dar sinais de dificuldades, porque perdeu, com a austeridade, muitas exportações para os Estados europeus, donde vinham quase cinquenta por cento das receitas. Vai entrar, por isso, se a política de austeridade continua, ela própria em recessão, com as consequências negativas daí resultantes.

A opinião pública europeia começou, assim, a compreender que é preciso - e urgente - mudar de política e dos políticos atuais, que se têm revelado incompetentes. Os partidos no poder na União são quase todos ultraconservadores, incapazes de compreender a situação atual. A verdade é que os partidos que construíram a União Europeia - os socialistas, social-democratas ou trabalhistas e os democrata-cristãos - com algumas exceções, como a França e agora a Itália (com o excelente Presidente Giorgio Napolitano, reeleito apesar da sua idade, e o seu atual primeiro-ministro, Enrico Letta), que abertamente se declaram contra a austeridade e pôr de novo os Estados a controlar os mercados, e não o contrário.

Por isso, as populações de todos os países europeus se manifestam ruidosamente contra as troikas, os mercados, os pseudopolíticos e os Governos empenhados na austeridade.

Note-se que os Estados Sociais, obra do pós-guerra, a Democracia, tal como a concebíamos e os Estados de Direito, todos estão a ser postos em causa e a reclamar uma mudança de política profunda, quanto antes. O dilema é simples: ou se luta contra o desemprego, a pobreza generalizada, a recessão, e se garante o Estado Social, em todas as suas vertentes, enquanto é tempo, ou a União Europeia cai no abismo. O que seria uma tragédia para a América (cujo único aliado fiel é a União Europeia) e mesmo para os grandes do mundo: China, Rússia, Japão, Brasil, Índia, México e alguns outros.

Tenho esperança que isso não aconteça, porque o mundo - e o bom senso - não quer, seguramente, que a União Europeia, o projeto político mais original e benéfico para as populações que já houve, desapareça, com o perigo maior de se envolver num novo conflito mundial. Seria um regresso civilizacional inaceitável que nos faria recuar mais de um século. Haja bom senso e coragem.

2 Quanto a Portugal, o primeiro-ministro do atual Governo e sobretudo o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, é quem manda, são partidários fanáticos do neoliberalismo e, portanto, fiéis às políticas de austeridade. A troika funciona para o nosso ministro das Finanças como um super-Governo perante o qual os atuais dirigentes portugueses obedecem com total subserviência. Contudo, a esmagadora maioria dos portugueses está desesperada e é totalmente hostil ao Governo. Muitos de-sempregados emigram (como, de resto, o primeiro-ministro aconselhou fazer às melhores cabeças) e manifestam-se nas ruas e salas de conferência, ruidosa e criticamente, contra o Governo. É certo que o Governo está paralisado, não sabe o que fazer e os ministros não se entendem entre si. Não podem sair à rua sem serem vaiados. Não têm, nem nunca tiveram, uma ideia coerente do que fazer e do que esperam vir a fazer. Mas estão agarrados ao poder - não se demitem apesar da hostilidade geral - haja o que houver. Por medo do que lhes possa acontecer?

A verdade é que este Governo moribundo, com o líder do outro partido da Coligação, Portas, a ameaçar demitir-se, o que fazia cair o Governo, continua a arruinar o País, a vender tudo o que pode de importante, por qualquer preço, sem que diga ao País por que preço e para onde vai o dinheiro. Já apresentaram, por duas vezes, Orçamentos do Estado que o Tribunal Constitucional rejeitou, em parte. Para o Governo isso não tem a menor importância, porque não se importa com a Constituição da República e não sabe o que seja um Estado de Direito. Está a arruinar as nossas excelentes universidades e os institutos científicos. A classe média está a desaparecer, com os cortes, bem como os funcionários públicos e as pequenas e médias empresas. Mas o Presidente da República apoia-o. O Povo está desesperado e a manifestar-se cada vez com mais força, o que é muito perigoso.

Note-se que, com este comportamento, o primeiro ministro tem vindo a dividir o seu próprio partido: o PSD, social-democrata, desde o seu fundador, Sá Carneiro. Festejou recentemente 39 anos de existência. Contudo, a maioria dos seus militantes esteve ausente e está contra o atual Governo, bem como os principais dos seus antigos dirigentes. Porque o Governo não é social-democrata: é ultraconservador e neoliberal. Detesta o Estado Social - que quer destruir - e não tem o mínimo sentido de patriotismo.

Dou um simples exemplo, bem significativo: o atual Governo pensa vender os CTT que no ano findo, 2012, deram um lucro de 74 milhões de euros. Apesar disso, o Governo vai encerrar cerca de 200 postos de correios por todo o País que são essenciais para as populações, sobretudo as mais pobres e idosas. Trata-se de uma iniciativa puramente economicista, que está a indignar todo o País, visto que os Correios datam do ano 1520, isto é, no tempo da Monarquia, e sempre foram respeitados, até hoje, incluindo a I República, a Ditadura e a Revolução dos Cravos, até hoje. Pois bem: o atual Governo, odiado e ilegítimo - pela forma como se comporta - quer agora vender os CTT, a retalho... Para quê? E por quanto dinheiro? O Governo não se dignou dar qualquer explicação, não obstante os protestos de toda a população.

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