Mário Soares – Diário
de Notícias, opinião
Na altura,
2007/2009, tive ocasião de escrever uns livros Um Mundo em Mudança, O Elogio da
Política, Em Luta por Um Mundo Melhor e No Centro do Furacão, em que manifestei
o risco de contágio do neoliberalismo, para o euro e a própria União Europeia.
O presidente Ronald
Reagan e a primeira-ministra britânica Margareth Thatcher foram os campeões
dessa desastrosa política neoliberal, que o pseudo trabalhista Tony Blair
continuou, com as consequências negativas conhecidas.
Como era
inevitável, dada a ligação profunda entre a América e a Europa, o
neoliberalismo americano contagiou a União Europeia, em especial a da Zona
Euro, com uma moeda então mais forte do que o dólar. Assim, começou a crise da
União, na Zona Euro, tendo como líder na Alemanha a chanceler Angela Merkel,
vinda da Alemanha de Leste, onde foi - sabe-se agora - militante comunista,
apesar de luterana. Depois da queda do Muro de Berlim revelou-se contrária à
unidade alemã, para a qual os Estados europeus contribuíram. E Portugal também.
O primeiro Estado a
ser atingido pela crise do euro foi, como se sabe, a Grécia, berço da nossa
civilização, que, por isso, além do mais, devia ter sido, desde o primeiro dia,
melhor tratada. Mas não foi. A chanceler alemã, então aliada aos liberais,
ultraconservadores, como ainda está, embora se diga democrata-cristã, reagiu,
como os mercados queriam. A Grécia - onde os bancos alemães contavam muito -
foi andando de mal a pior, até conseguir o suficiente para pagar os enormes
juros que a troika lhe exigia. Enquanto os Estados ditos periféricos, da Zona
Euro, deixados ou não sem apoio financeiro - e quebrando os princípios
fundamentais da solidariedade e da igualdade - foram entrando em crise,
progressivamente. Primeiro a Irlanda, depois Portugal, a Espanha, a que se seguiu
a Itália (a terceira economia europeia), Chipre, a recente e surpreendente
explosão da Holanda e agora a França.
Tudo por causa da
política criminosa da austeridade, imposta pela Alemanha e seguida pela
Comissão Europeia, de que é presidente Durão Barroso (com sucessivas e graves
mudanças de opinião) e, com maior discrição, pelo presidente do Banco Central
Europeu, o italiano Mário Draghi, e o FMI, que tem mudado várias vezes de
opinião.
A austeridade, como
está hoje provadíssimo, só favorece os mercados usurários e os que neles
mandam. Mas arrasa os Estados e os respetivos Povos. E não são só os Estados
ditos periféricos ou do Sul, como se disse, antes de tempo. Vide a Holanda, a
França - e a Alemanha, os dois fundadores da CEE, hoje União Europeia. A
Alemanha era evidente, como alguns prémios Nobel da economia preveniram. Como
Joseph Stiglitz e Paul Krugman, entre vários outros.
Agora a Alemanha
está cada vez mais a dar sinais de dificuldades, porque perdeu, com a
austeridade, muitas exportações para os Estados europeus, donde vinham quase
cinquenta por cento das receitas. Vai entrar, por isso, se a política de
austeridade continua, ela própria em recessão, com as consequências negativas
daí resultantes.
A opinião pública
europeia começou, assim, a compreender que é preciso - e urgente - mudar de
política e dos políticos atuais, que se têm revelado incompetentes. Os partidos
no poder na União são quase todos ultraconservadores, incapazes de compreender
a situação atual. A verdade é que os partidos que construíram a União Europeia
- os socialistas, social-democratas ou trabalhistas e os democrata-cristãos -
com algumas exceções, como a França e agora a Itália (com o excelente
Presidente Giorgio Napolitano, reeleito apesar da sua idade, e o seu atual primeiro-ministro,
Enrico Letta), que abertamente se declaram contra a austeridade e pôr de novo
os Estados a controlar os mercados, e não o contrário.
Por isso, as
populações de todos os países europeus se manifestam ruidosamente contra as
troikas, os mercados, os pseudopolíticos e os Governos empenhados na
austeridade.
Note-se que os
Estados Sociais, obra do pós-guerra, a Democracia, tal como a concebíamos e os
Estados de Direito, todos estão a ser postos em causa e a reclamar uma mudança
de política profunda, quanto antes. O dilema é simples: ou se luta contra o
desemprego, a pobreza generalizada, a recessão, e se garante o Estado Social,
em todas as suas vertentes, enquanto é tempo, ou a União Europeia cai no
abismo. O que seria uma tragédia para a América (cujo único aliado fiel é a
União Europeia) e mesmo para os grandes do mundo: China, Rússia, Japão, Brasil,
Índia, México e alguns outros.
Tenho esperança que
isso não aconteça, porque o mundo - e o bom senso - não quer, seguramente, que
a União Europeia, o projeto político mais original e benéfico para as
populações que já houve, desapareça, com o perigo maior de se envolver num novo
conflito mundial. Seria um regresso civilizacional inaceitável que nos faria
recuar mais de um século. Haja bom senso e coragem.
2 Quanto a
Portugal, o primeiro-ministro do atual Governo e sobretudo o ministro das
Finanças, Vítor Gaspar, é quem manda, são partidários fanáticos do
neoliberalismo e, portanto, fiéis às políticas de austeridade. A troika
funciona para o nosso ministro das Finanças como um super-Governo perante o
qual os atuais dirigentes portugueses obedecem com total subserviência.
Contudo, a esmagadora maioria dos portugueses está desesperada e é totalmente
hostil ao Governo. Muitos de-sempregados emigram (como, de resto, o
primeiro-ministro aconselhou fazer às melhores cabeças) e manifestam-se nas
ruas e salas de conferência, ruidosa e criticamente, contra o Governo. É certo
que o Governo está paralisado, não sabe o que fazer e os ministros não se
entendem entre si. Não podem sair à rua sem serem vaiados. Não têm, nem nunca
tiveram, uma ideia coerente do que fazer e do que esperam vir a fazer. Mas
estão agarrados ao poder - não se demitem apesar da hostilidade geral - haja o
que houver. Por medo do que lhes possa acontecer?
A verdade é que
este Governo moribundo, com o líder do outro partido da Coligação, Portas, a
ameaçar demitir-se, o que fazia cair o Governo, continua a arruinar o País, a
vender tudo o que pode de importante, por qualquer preço, sem que diga ao País
por que preço e para onde vai o dinheiro. Já apresentaram, por duas vezes,
Orçamentos do Estado que o Tribunal Constitucional rejeitou, em parte. Para o
Governo isso não tem a menor importância, porque não se importa com a
Constituição da República e não sabe o que seja um Estado de Direito. Está a
arruinar as nossas excelentes universidades e os institutos científicos. A
classe média está a desaparecer, com os cortes, bem como os funcionários
públicos e as pequenas e médias empresas. Mas o Presidente da República
apoia-o. O Povo está desesperado e a manifestar-se cada vez com mais força, o
que é muito perigoso.
Note-se que, com
este comportamento, o primeiro ministro tem vindo a dividir o seu próprio
partido: o PSD, social-democrata, desde o seu fundador, Sá Carneiro. Festejou
recentemente 39 anos de existência. Contudo, a maioria dos seus militantes
esteve ausente e está contra o atual Governo, bem como os principais dos seus
antigos dirigentes. Porque o Governo não é social-democrata: é ultraconservador
e neoliberal. Detesta o Estado Social - que quer destruir - e não tem o mínimo
sentido de patriotismo.
Dou um simples
exemplo, bem significativo: o atual Governo pensa vender os CTT que no ano
findo, 2012, deram um lucro de 74 milhões de euros. Apesar disso, o Governo vai
encerrar cerca de 200 postos de correios por todo o País que são essenciais
para as populações, sobretudo as mais pobres e idosas. Trata-se de uma
iniciativa puramente economicista, que está a indignar todo o País, visto que
os Correios datam do ano 1520, isto é, no tempo da Monarquia, e sempre foram
respeitados, até hoje, incluindo a I República, a Ditadura e a Revolução dos
Cravos, até hoje. Pois bem: o atual Governo, odiado e ilegítimo - pela forma
como se comporta - quer agora vender os CTT, a retalho... Para quê? E por
quanto dinheiro? O Governo não se dignou dar qualquer explicação, não obstante
os protestos de toda a população.
Sem comentários:
Enviar um comentário