Uma sequência de
cercas de seis metros separa migrantes da África subsaariana dos enclaves
europeus de Ceuta e Melilla. Devido a tentativas de migração em massa, a
vigilância foi reforçada para conter refugiados ilegais.
Os enclaves de
Ceuta e Melilla, no noroeste da África, pertencem politicamente à Europa. Para
os emigrantes, são uma etapa a ser cumprida. Nestas pequenas cidades existem
poucos empregos e se deslocar dos campos de acolhimento até a terra prometida
do continente europeu é, pelo menos, tão difícil quanto ultrapassar as cercas
de arame farpado da fronteira.
Os dois territórios
servem como trampolins para a Europa. Após 2005, com a grande quantidade de
migrantes morrendo nas cercas, as fronteiras acabaram sendo guarnecidas com
homens armados. Um controle reforçado no caminho e três fileiras de cercas com
seis metros de altura são reforços para dificultar e tornar mais longa a
migração ilegal.
Para burlar a
vigilância
Uma negra fumaça de
gasolina e diesel que sai de canos de descarga paira no ar. Em três filas de
carros encontram-se sedans usados, veículos pequenos amassados e furgões
enferrujados. É preciso paciência para ir de carro do Marrocos para Meililla.
De 5 mil a 6 mil veículos chegam por dia à fronteira para serem submetidos a um
controle rigoroso.
"Todas as
pessoas no veículo desembarcam. Nós podemos verificar com um detector
computadorizado se alguém está escondido no carro. Nós ouviríamos o batimento
cardíaco da pessoa e faríamos um controle preciso", diz um dos agentes da
fronteira, o tenente da "Guardia Civil", Martin Rivera.
Os agentes já
encontraram uma pessoa escondida atrás do painel do carro, em um que fora
adaptado somente para isto. Rivera explica que, às vezes, as pessoas também se
escondem no tanque de gasolina. Nestes casos o motor do carro é abastecido por
um pequeno frasco com combustível suficiente para enfrentar a fila de espera
para atravessar a fronteira.
Sobretudo
marroquinos que moram ou nasceram em Melilla tentam infiltrar amigos ou
parentes do outro lado da fronteira. Outros migrantes tentam passar pela forma
mais direta, superando um gigantesco obstáculo. A reportagem percorreu a
extensão da fronteira em um jipe da "Guardia Civil" espanhola. Foram
10 quilômetros ao longo da cerca de seis metros de altura. Trata-se de uma
divisão bem visível entre a África e a Europa.
"Na verdade,
são três cercas em uma. A cerca externa está 15 graus inclinada para o lado do
Marrocos para dificultar que alguém a escale. A cerca também balança bastante
na parte superior. Se alguém conseguir ultrapassá-la, existe uma segunda cerca
e um emaranhado de arames atrasa o avanço. O período que a pessoa precisa para
ir para a terceira cerca, que dá acesso à Espanha, é tempo suficiente para a
guarda intervir e alcançar os imigrantes", diz Rivera.
Devolução
Tecnicamente toda a
área de fronteira fica no território espanhol, mas os migrantes são devolvidos
por portas de sentido único para o Marrocos, quando capturados nos limites da
área de fronteira. Pessoas seminuas tentam pular a cerca e isto dificulta a captura
porque os agentes da fronteira não conseguem agarrá-los pelas roupas.
"Eles estão sempre procurando novas oportunidades. O deslocamento massivo
e também violento em direção a cerca é, de certa forma, uma tática militar
também", opina o tenente.
Em 2005, quando
ainda havia uma simples cerca, durante as noites, centenas de refugiados
corriam da África Subsaariana à fronteira. Chegavam com escadas improvisadas e
com o impulso da multidão, muitos conseguiam ultrapassar o obstáculo. Outros
eram capturados, espancados e deportados para o Marrocos. Muitos foram também
baleados. Dezenas de pessoas morreram em circunstâncias ainda não muito
esclarecidas.
"O controle de
Marrocos no seu território é o que evita fundamentalmente que invasões como as
que ocorreram em 2005 possam acontecer novamente. É preciso a colaboração de
Marrocos do outro lado da cerca", diz o agente de fronteira. Mas apesar do
muro de proteção de dezenas de milhões de euros e da cooperação com as
autoridades marroquinas, a intimidação causada pela cerca é fraca.
As tentativas dos
migrantes pularem as barreiras na fronteira ocorrem quase que diariamente,
sempre em grandes grupos. Eles esperam que pelo menos alguns consigam passar.
Praticamente todo dia algumas pessoas conseguem transpor as cercas e chegar a
Melilla.
Os recém chegados
Quem consegue pular
seis metros de cerca realmente deixa o continente africano, mas ainda não pode
se considerar na Europa. Ambos os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla são
para os emigrantes quase como "terra de ninguém". Pelo menos é o que
parece para o agente da migração Martín Riveras.
"Eu posso
apenas dar a minha opinião pessoal, não posso falar como membro da guarda
civil. Eu acho que, em linhas gerais, os que não se sentem integrados aqui
ficam satisfeitos com a situação que tem. Não há dúvidas de que chegar a
Melilla é um passo, mas eles não querem ficar aqui. Eles querem ter uma vida
plena, trabalhando e constituindo família. Em uma cidade de fronteira como
Melilla isto não acontece. Para eles, é apenas um passo", diz o agente.
Uma estação de
acolhimento acaba servindo o refugiado muitas vezes por mais tempo do que eles
imaginaram. Os recém-chegados celebram ter conseguido passar pela cerca. Eles
fazem planos, como o somali Mohamed Abdi, que está no CETI, Centro de Estadia
Temporária de Imigrantes. "O meu sonho é ser piloto. Eu tive de deixar a
universidade porque não tinha dinheiro. Eu gostaria de continuar
estudando", diz o homem recém-chegado.
Do outro lado da
rua Fiston Pazou balança a cabeça negativamente para aparente ingenuidade dos
novos imigrantes. Até os seus vinte e poucos anos, era um eletricista
qualificado. Hoje é um imigrante. Ele é originário do Congo e está há 19 meses
em Melilla. Não está mais em África, mas também ainda fora da Europa. Pazou
recebe o básico para sobreviver, mas não pode nem é autorizado a ter uma vida
independente.
"É claro que
eu ainda tenho esperança. Eu ainda não estou morto. Possivelmente eles vão me
mandar de volta, mas eu não me importo com isto porque eu posso tentar passar a
fronteira de novo. Mas se eu conseguir chegar a Europa, então eles também devem
me deixar trabalhar para que eu possa enviar dinheiro para casa", afirma
Pazou.
Longo processo
Quem consegue chegar a Melilla, e não é imediatamente deportado, é detido em um campo de recepção de refugiados. Localizado na periferia deserta da cidade, entre terrenos baldios, aeroporto e campo de golfe, o lugar tem vista para os dez quilômetros da cerca da fronteira. Conforme o defensor dos direitos dos imigrantes, José Palazon, para aqueles que conseguem transpor a cerca e são registrados no campo existem três formas para chegar ao continente europeu.
"Uma maneira é
com um passe. A polícia e o ministério do interior permitem que os migrantes
cheguem de balsa à Málaga ou Almería quando eles garantem que de lá vão voltar
para seus países de origem. Mas isto logicamente não acontece quando eles
chegam à Almería ", explica o especialista.
Grande números dos
chamados "sem papéis" chegam deste tipo de acolhimento em Ceuta,
Melilla ou algumas das Ilhas Canárias para o continente europeu. Sem documentos
válidos eles não têm qualquer direito garantido.
A segunda maneira
são os campos de internamento na Espanha - uma espécie de prisão que não é
chamada oficialmente desta forma. Este é um recurso porque, como os campos de
acolhimento estão sempre lotados em Melilla, os imigrantes são constantemente
levados para estes campos no continente.
De acordo com a
legislação espanhola, eles podem ser mantidos por até 60 dias no local. Caso
não se consiga esclarecer a sua procedência neste período, ao invés de serem
mandados de volta para suas casas, eles são liberados do acampamento. A
terceira maneira de sair legalmente de Melilla para o continente europeu é uma
circunstância muito especial. Somente em situações muito específicas, incluindo
razões humanitárias, o governo espanhol concede direito a residência
permanente. A quarta possibilidade seria solicitar asilo político, conforme
explica José Palazon. Mas isso, na prática, não influencia em nada.
Asilos negados
Um pedido de asilo
em Melilla é praticamente a garantia para continuar por aqui por dois anos até
que o pedido seja avaliado. E então o pedido deve ser negado.
"Praticamente nenhum pedido tem sido aprovado. Havia um homem albino de
Uganda que nós assistimos a fazer o pedido de asilo. A perseguição e assassinato
de albinos em África são motivos claros de asilo. Mas, depois de dois anos, seu
status ainda não estava definido. Em Setembro, ele se escondeu dentro de um
caminhão e deixou Melilla. Agora ele está na Suíça. Uma semana depois, veio o
aceite de seu pedido. Eu acho que ele foi o único aceito em todo o ano de
2012", explica Palazon.
A cerca
aparentemente intransponível, que é constantemente reparada e aperfeiçoada,
tornou-se uma atração quase magnética. Quem consegue transpor o obstáculo envia
uma mensagem, informando o sucesso para amigos, familiares e vizinhos em sua
terra natal e acaba sendo motivo de festa.
Assim, vendo que
alguns conseguiram, novos refugiados se sentem estimulados e se preparam para a
mesma ação. As próprias forças de segurança marroquinas se preocupam para que a
cerca não seja transposta. E o país do norte da África está bastante ciente do
seu poder nesta questão.
"Aqui em
Melilla, se Marrocos quiser, nada acontece. Antes que os migrantes venham, eles
os param. Mas dois dias depois, de repente, temos cem pessoas sobre a cerca
porque nenhum agente marroquino estava controlando a fronteira. Assim, Marrocos
bate na mesa e diz quem afinal controla a fronteira. Marrocos se faz necessário
e assim ganha dinheiro e o que pedir. Eles fazem disso um bazar de
negócios", explica Martín Rivera, agente da migração espanhola.
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