Nuno Ramos de
Almeida – Jornal i, opinião
Mais importante que
mudar a cor das elites que estão no governo é fazer que o poder democrático
seja a expressão das maiorias e não do interesse dos poderosos
À beira do
precipício costuma haver pouco tempo para profundas meditações filosóficas. Mas
não deixa de ser preciso saber duas coisas: como sair da zona de perigo e por
que razão nos encontramos aqui.
Este governo e o
Memorando da troika levaram-nos à catástrofe e têm necessariamente de ser
descartados, mas, sejamos claros, o caminho do desastre tem um longo traçado.
Temos eleições livres desde o 25 de Abril, o resultado das escolha dos
portugueses costuma ser uma espécie de alternância na continuidade: o PS e o
PSD sucedem-se no governo, às vezes com a companhia do complacente CDS, mas a política
executada vai sempre no mesmo sentido.
Todos estes
governos têm caminhado no sentido de aprofundar esta integração europeia, que
privilegia o capital financeiro em detrimento das pessoas, a adesão à moeda
única, a privatização dos bens públicos, a degradação das condições de vida de
quem trabalha. O executivo de Gaspar e companhia não mudou o caminho em
direcção ao abismo, limitou-se, o que não é pouco, a acelerar e ligar o turbo
para chegar mais depressa ao fim.
Tão importante como
derrubar este governo é construir uma alternativa de poder contra esta
política. E isso só pode existir com a criação de uma maioria social que a
proponha. Mas não basta mudar de governo, é preciso criar novas formas de
democracia que permitam dar voz às pessoas. É fundamental criar espaços a nível
local e nacional que possam democratizar a economia. Dar-lhes como objectivo
responder às necessidades das pessoas e não às da especulação financeira.
O comício convocado
por Mário Soares para a Aula Magna é um passo interessante por juntar
sindicatos e partidos de esquerda, mas resta saber se tem consequências
positivas.
Apenas uma grande
coligação eleitoral antitroika - que tivesse a participação de muitos
independentes, comunistas, bloquistas e socialistas que não concordam com a
cumplicidade da direcção de António José Seguro com o Memorando - podia ter a
ambição de ser uma real alternativa à direita ou ao governo do PS com a
direita. Mas isso, que parece hoje impossível, não basta. Não basta ter
melhores governantes, é preciso mudar um país em que a democracia tem as elites
como actores e a maioria da população como meros espectadores. Só uma
verdadeira democracia que permita a participação da população pode impedir a
existência de um poder político que vive paredes meias com o poder económico e
que, como tal, o serve apenas a ele, servindo-se, pelo caminho, a eles todos.
A forma das coisas
costuma definir as coisas mais do que pensamos. Um dos grandes sociólogos do
nosso tempo, Georg Simmel, exemplificava como os números nos condicionam: se
existe uma pessoa ela decide sozinha; se são duas é preciso um consenso; com
três já pode haver maioria e minoria.
Mais importante que
quem vai para o próximo governo é a forma como este vai cair. É preciso que a
derrota da troika não seja a expressão da negociata das elites, materializada
na debandada do CDS, mas a expressão da vontade da população nas ruas. Porque
essa manifestação corresponde a uma reapropriação de uma coisa que nos foi
roubada. Somos todos nós que temos o direito de decidir, e de recuperar um
poder que nos foi há muito confiscado por uma troika não eleita e o seu
executivo de capatazes. E é essa reapropriação do poder pelo povo que pode
tornar o derrube da troika uma Primavera que possa mudar a nossa vida.
Editor-executivo - Escreve à
terça-feira
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