terça-feira, 4 de junho de 2013

Portugal: AS ELITES NÃO TRAEM, GOVERNAM-SE

 

 
Nuno Ramos de Almeida – Jornal i, opinião
 
Mais importante que mudar a cor das elites que estão no governo é fazer que o poder democrático seja a expressão das maiorias e não do interesse dos poderosos
 
À beira do precipício costuma haver pouco tempo para profundas meditações filosóficas. Mas não deixa de ser preciso saber duas coisas: como sair da zona de perigo e por que razão nos encontramos aqui.
 
Este governo e o Memorando da troika levaram-nos à catástrofe e têm necessariamente de ser descartados, mas, sejamos claros, o caminho do desastre tem um longo traçado. Temos eleições livres desde o 25 de Abril, o resultado das escolha dos portugueses costuma ser uma espécie de alternância na continuidade: o PS e o PSD sucedem-se no governo, às vezes com a companhia do complacente CDS, mas a política executada vai sempre no mesmo sentido.
 
Todos estes governos têm caminhado no sentido de aprofundar esta integração europeia, que privilegia o capital financeiro em detrimento das pessoas, a adesão à moeda única, a privatização dos bens públicos, a degradação das condições de vida de quem trabalha. O executivo de Gaspar e companhia não mudou o caminho em direcção ao abismo, limitou-se, o que não é pouco, a acelerar e ligar o turbo para chegar mais depressa ao fim.
 
Tão importante como derrubar este governo é construir uma alternativa de poder contra esta política. E isso só pode existir com a criação de uma maioria social que a proponha. Mas não basta mudar de governo, é preciso criar novas formas de democracia que permitam dar voz às pessoas. É fundamental criar espaços a nível local e nacional que possam democratizar a economia. Dar-lhes como objectivo responder às necessidades das pessoas e não às da especulação financeira.
 
O comício convocado por Mário Soares para a Aula Magna é um passo interessante por juntar sindicatos e partidos de esquerda, mas resta saber se tem consequências positivas.
 
Apenas uma grande coligação eleitoral antitroika - que tivesse a participação de muitos independentes, comunistas, bloquistas e socialistas que não concordam com a cumplicidade da direcção de António José Seguro com o Memorando - podia ter a ambição de ser uma real alternativa à direita ou ao governo do PS com a direita. Mas isso, que parece hoje impossível, não basta. Não basta ter melhores governantes, é preciso mudar um país em que a democracia tem as elites como actores e a maioria da população como meros espectadores. Só uma verdadeira democracia que permita a participação da população pode impedir a existência de um poder político que vive paredes meias com o poder económico e que, como tal, o serve apenas a ele, servindo-se, pelo caminho, a eles todos.
 
A forma das coisas costuma definir as coisas mais do que pensamos. Um dos grandes sociólogos do nosso tempo, Georg Simmel, exemplificava como os números nos condicionam: se existe uma pessoa ela decide sozinha; se são duas é preciso um consenso; com três já pode haver maioria e minoria.
 
Mais importante que quem vai para o próximo governo é a forma como este vai cair. É preciso que a derrota da troika não seja a expressão da negociata das elites, materializada na debandada do CDS, mas a expressão da vontade da população nas ruas. Porque essa manifestação corresponde a uma reapropriação de uma coisa que nos foi roubada. Somos todos nós que temos o direito de decidir, e de recuperar um poder que nos foi há muito confiscado por uma troika não eleita e o seu executivo de capatazes. E é essa reapropriação do poder pelo povo que pode tornar o derrube da troika uma Primavera que possa mudar a nossa vida.
 
Editor-executivo - Escreve à terça-feira
 

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