Diogo Vaz Pinto – Jornal i
Dois dos principais
sindicatos turcos convocaram dois dias de greve em solidariedade com os
manifestantes
Os protestos
tomaram conta das ruas por toda a Turquia pela quinta noite consecutiva, apesar
de horas antes o vice-primeiro-ministro, Bulent Arinc, ter pedido desculpa pelo
uso de "violência excessiva" por parte da polícia. A atmosfera na
noite de terça tornou-se festiva, com barracas de distribuição de comida
gratuita, bebidas e até medicamentos, além de uma clínica improvisada montada
no terraço de um café Starbucks encerrado.
Ontem, dois dos
principais movimentos sindicais turcos convocaram dois dias de greve em
solidariedade com os manifestantes. Assim, professores, médicos, bancários e
outras classes profissionais coloriram com as bandeiras amarelas e vermelhas as
ruas da capital, Ancara, e de Istambul, convergindo na Praça Taksim, que se
mantém há quase uma semana o palco de confrontos violentos com as forças de
segurança.
Na noite de
terça-feira, a polícia recorreu novamente ao gás lacrimogéneo e aos canhões de
água para reprimir os protestos, que se iniciaram na sexta-feira contra o abate
de árvores no Parque Gezi, na Praça Taksim (Istambul), para libertar o terreno
para a construção de um centro comercial. Face à violenta resposta das
autoridades, os protestos deram lugar a uma série de manifestações
antigovernamentais.
"A violência
excessiva, que foi usada num momento inicial contra aqueles que defendiam o
meio ambiente, é errada e injusta", disse Arinc durante uma conferência de
imprensa em Ancara, na tarde de terça-feira. "Os nossos cidadãos reagiram
de forma legítima, lógica e justa no Parque Gezi. A eles peço desculpa. Mas não
me parece que devamos um pedido de desculpas àqueles que causaram danos nas
ruas e tentaram violar a liberdade das pessoas."
Ontem, o
vice-primeiro-ministro confirmou que uma segunda pessoa tinha morrido durante
os protestos. Abdullah Comert, de 22 anos, um membro da juventude do Partido
Republicano do Povo (oposição), ficou "seriamente ferido na sequência de
disparos feitos por uma pessoa não identificada", na província de Hatay,
no Sul do país. A outra vítima mortal, Mehmet Ayvalitas, de 20 anos, morreu no
fim-de-semana, depois de ter sido atropelada por um carro em Istambul. Há
grandes discrepâncias nos relatos sobre a forma como os dois jovens morreram.
O número de feridos
varia também consoante os relatos. Arinc disse que 244 agentes da polícia e 64
manifestantes ficaram feridos, enquanto a Associação Médica da Turquia garantiu
que, só no fim-de-semana, pelo menos 3195 pessoas tinham ficado feridas nas
manifestações, adiantando que destas 26 estavam em estado grave ou crítico.
Entretanto, os
membros de um grupo que se auto-apelida Plataforma de Solidariedade por Taksim
(PST), não só rejeitaram o pedido de desculpas como durante uma reunião com
Arinc, ontem, entregaram uma lista de exigências, entre as quais a demissão dos
chefes da polícia em Istambul, Ancara e outras cidades onde tiveram lugar as
respostas mais violentas aos protestos. Os activistas reclamam ainda a
proibição do uso de gás lacrimogéneo, a libertação dos manifestantes detidos, a
demissão do governador de Istambul e que sejam rasgados os planos para a
remodelação do Parque Gezi. "As medidas que o governo assumir vão moldar
os eventos futuros", avisou o PST no final da reunião.
O pedido de
desculpa do vice-primeiro-ministro surgiu em forte contraste com a posição
assumida pelo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, que, na segunda-feira,
deixou o país para realizar uma série de visitas oficiais a vários países do
Norte de África. Erdogan tinha descrito os manifestantes como
"extremistas" e "saqueadores", afirmando que estes não
espelhavam os sentimentos da população turca.
Por sua vez, as
declarações de Arinc foram feitas no final de uma reunião com o presidente
turco, Abdullah Gul, que havia já defendido o direito dos cidadãos a
manifestarem-se. Gul, que tal como Arinc é um membro destacado do Partido AK
(no poder desde 2002), lembrou já esta semana que "a democracia não é
apenas o momento de ir às urnas". Os analistas interpretaram estas
palavras como uma reacção aos comentários de Erdogan sobre os protestos, em que
este não se cansou de frisar as várias eleições que venceu e a maioria do seu
partido no parlamento.
Várias vozes
críticas do actual governo têm argumentado que Erdogan se tem servido do seu
mandato para impor um conjunto de medidas autoritárias sem consultar a
população ou os partidos da oposição.
Entre as críticas
que têm chegado dos manifestantes, algumas acusam também o primeiro-ministro de
seguir uma agenda islamita, procurando minar as bases seculares da república
fundada há 90 anos por Mustafa Kemal Ataturk.
Um exemplo disto é
a controversa legislação que foi aprovada num processo apressado pelo
parlamento turco na semana passada, e que, se for promulgada pelo presidente,
representará um duro golpe na venda de álcool. A lei quer proibir as lojas de
venderem bebidas alcoólicas entre as 10 da noite e as 6 da manhã, além de
proibir todo o tipo de publicidade ou promoções que envolvam este tipo de
bebidas. Adicionalmente, a lei obriga qualquer novo bar que venha a ser aberto
a respeitar uma distância mínima de 100 metros a qualquer escola ou mesquita.
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