quinta-feira, 6 de junho de 2013

TURQUIA. GREVISTAS JUNTAM-SE A MANIFESTANTES NOS PROTESTOS

 

Diogo Vaz Pinto – Jornal i
 
Dois dos principais sindicatos turcos convocaram dois dias de greve em solidariedade com os manifestantes
 
Os protestos tomaram conta das ruas por toda a Turquia pela quinta noite consecutiva, apesar de horas antes o vice-primeiro-ministro, Bulent Arinc, ter pedido desculpa pelo uso de "violência excessiva" por parte da polícia. A atmosfera na noite de terça tornou-se festiva, com barracas de distribuição de comida gratuita, bebidas e até medicamentos, além de uma clínica improvisada montada no terraço de um café Starbucks encerrado.
 
Ontem, dois dos principais movimentos sindicais turcos convocaram dois dias de greve em solidariedade com os manifestantes. Assim, professores, médicos, bancários e outras classes profissionais coloriram com as bandeiras amarelas e vermelhas as ruas da capital, Ancara, e de Istambul, convergindo na Praça Taksim, que se mantém há quase uma semana o palco de confrontos violentos com as forças de segurança.
 
Na noite de terça-feira, a polícia recorreu novamente ao gás lacrimogéneo e aos canhões de água para reprimir os protestos, que se iniciaram na sexta-feira contra o abate de árvores no Parque Gezi, na Praça Taksim (Istambul), para libertar o terreno para a construção de um centro comercial. Face à violenta resposta das autoridades, os protestos deram lugar a uma série de manifestações antigovernamentais.
 
"A violência excessiva, que foi usada num momento inicial contra aqueles que defendiam o meio ambiente, é errada e injusta", disse Arinc durante uma conferência de imprensa em Ancara, na tarde de terça-feira. "Os nossos cidadãos reagiram de forma legítima, lógica e justa no Parque Gezi. A eles peço desculpa. Mas não me parece que devamos um pedido de desculpas àqueles que causaram danos nas ruas e tentaram violar a liberdade das pessoas."
 
Ontem, o vice-primeiro-ministro confirmou que uma segunda pessoa tinha morrido durante os protestos. Abdullah Comert, de 22 anos, um membro da juventude do Partido Republicano do Povo (oposição), ficou "seriamente ferido na sequência de disparos feitos por uma pessoa não identificada", na província de Hatay, no Sul do país. A outra vítima mortal, Mehmet Ayvalitas, de 20 anos, morreu no fim-de-semana, depois de ter sido atropelada por um carro em Istambul. Há grandes discrepâncias nos relatos sobre a forma como os dois jovens morreram.
 
O número de feridos varia também consoante os relatos. Arinc disse que 244 agentes da polícia e 64 manifestantes ficaram feridos, enquanto a Associação Médica da Turquia garantiu que, só no fim-de-semana, pelo menos 3195 pessoas tinham ficado feridas nas manifestações, adiantando que destas 26 estavam em estado grave ou crítico.
 
Entretanto, os membros de um grupo que se auto-apelida Plataforma de Solidariedade por Taksim (PST), não só rejeitaram o pedido de desculpas como durante uma reunião com Arinc, ontem, entregaram uma lista de exigências, entre as quais a demissão dos chefes da polícia em Istambul, Ancara e outras cidades onde tiveram lugar as respostas mais violentas aos protestos. Os activistas reclamam ainda a proibição do uso de gás lacrimogéneo, a libertação dos manifestantes detidos, a demissão do governador de Istambul e que sejam rasgados os planos para a remodelação do Parque Gezi. "As medidas que o governo assumir vão moldar os eventos futuros", avisou o PST no final da reunião.
 
O pedido de desculpa do vice-primeiro-ministro surgiu em forte contraste com a posição assumida pelo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, que, na segunda-feira, deixou o país para realizar uma série de visitas oficiais a vários países do Norte de África. Erdogan tinha descrito os manifestantes como "extremistas" e "saqueadores", afirmando que estes não espelhavam os sentimentos da população turca.
 
Por sua vez, as declarações de Arinc foram feitas no final de uma reunião com o presidente turco, Abdullah Gul, que havia já defendido o direito dos cidadãos a manifestarem-se. Gul, que tal como Arinc é um membro destacado do Partido AK (no poder desde 2002), lembrou já esta semana que "a democracia não é apenas o momento de ir às urnas". Os analistas interpretaram estas palavras como uma reacção aos comentários de Erdogan sobre os protestos, em que este não se cansou de frisar as várias eleições que venceu e a maioria do seu partido no parlamento.
 
Várias vozes críticas do actual governo têm argumentado que Erdogan se tem servido do seu mandato para impor um conjunto de medidas autoritárias sem consultar a população ou os partidos da oposição.
 
Entre as críticas que têm chegado dos manifestantes, algumas acusam também o primeiro-ministro de seguir uma agenda islamita, procurando minar as bases seculares da república fundada há 90 anos por Mustafa Kemal Ataturk.
 
Um exemplo disto é a controversa legislação que foi aprovada num processo apressado pelo parlamento turco na semana passada, e que, se for promulgada pelo presidente, representará um duro golpe na venda de álcool. A lei quer proibir as lojas de venderem bebidas alcoólicas entre as 10 da noite e as 6 da manhã, além de proibir todo o tipo de publicidade ou promoções que envolvam este tipo de bebidas. Adicionalmente, a lei obriga qualquer novo bar que venha a ser aberto a respeitar uma distância mínima de 100 metros a qualquer escola ou mesquita.
 

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