Saragoça da Malta –
Jornal i, opinião
Assunção Esteves,
se tivesse estado à altura do cargo e da função que desempenha, ter-se-ia
limitado a dar instruções à PSP para evacuar as galerias
A 11 de Julho de
2013 viveu-se no parlamento um dos mais insólitos momentos da vida democrática
dos últimos 39 anos. Perante uma manifestação nas galerias do hemiciclo, a
presidente da Assembleia da República reagiu gritando aos manifestantes que
fizessem o favor de sair. E repetiu várias vezes o comando! Ofacies, o tom de
voz e as próprias palavras só têm uma qualificação: foram inadmissíveis e
intoleráveis.
Assunção Esteves é,
antes de mais, deputada. É, depois, titular do segundo cargo na hierarquia do Estado.
É também uma mulher formada. Com traquejo político e social.
Ex-juíza-conselheira do Tribunal Constitucional. Ex-docente universitária.
Representa e vincula o Estado.
Assunção Esteves
não está, portanto, obrigada apenas pelos deveres que impendem sobre os
representantes da nação. Está sujeita às exigências de dignidade, probidade,
educação e respeitabilidade que são inerentes ao estatuto e à função do cargo
presidencial que desempenha. Cargo que implica "majestade", no mais
próprio sentido do termo.
Assunção Esteves,
naquele momento, escancarou a alma: percebeu-se o que sente pelo desespero
daqueles que em tempos a elegeram e agora protestam, bem como a simpatia que
tem pelo estado anímico de quem exerce o "direito de resistência"
manifestando-se.
Assunção Esteves
não esteve à altura do cargo e da função que desempenha. Para estar ter-se-ia
limitado a dar instruções à PSP para evacuar as galerias, esperando em
majestático silêncio poder retomar os trabalhos. Não o fez. Gritou com os
manifestantes. Baixou o nível. Dirigiu-se a quem protestava ordenando-lhes,
crispada, que saíssem do parlamento. Berrou contra os berros. Em tom irritado,
ultrapassou os limites que lhe eram autorizados pela educação e pela dignidade
que o cargo lhe exige.
E nada disso era necessário
no exercício dos poderes que tem para conduzir os trabalhos do parlamento. Não
sendo necessário, é indesculpável. Das mais altas figuras do Estado esperam-se
apenas virtudes. Por isso são os nossos "maiores". Ora toda a
respeitabilidade desaparece quando se desce ao nível do bate-boca, da fúria
incontida, do descontrolo. Como dominaria a sessão se os deputados portugueses
tivessem os hábitos de pugilato comuns noutros parlamentos? Se não foi eleita
para ser desrespeitada, claramente desrespeitou-se, bem como a nós.
Depois do que vi e
ouvi, nunca mais verei em Assunção Esteves a presidente do parlamento. Verei
apenas uma mulher capaz de zanga, irritação, fúria, descontrole.
O que se seguiu
ainda foi pior: já com o povo expulso, quis ter um momento de erudição
invocando Simone de Beauvoir. Devia ter-se lembrado da "Queda de Um
Anjo". Era mais próprio. E ao fazê-lo foi injusta, porque o brando povo
luso nunca foi carrasco. Tem sido, isso sim, vítima de muitos carrascos.
Para coroar o
episódio, confrontada com o espectáculo dado à nação, não pediu desculpas, não
assumiu o erro, não teve o mínimo laivo de humildade. Tentou explicar o
inexplicável, desculpar o indesculpável, maquilhar o intolerável. Se o tivesse
feito, assumiríamos simplesmente um momento de humanidade. Não o tendo feito,
ninguém esquecerá isto.
Advogado
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