José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
O Partido
Socialista foi confrontado esta semana com a escolha entre duas formas
antagónicas de entender o que deve ser a salvação nacional. Uma, a de Cavaco
Silva, arranca da convicção de que esta política salvará o país e, para dar
força a essa fé, amarra o PS à direita e deixa-o ganhar eleições daqui a alguns
meses na condição de não mudar nada de essencial no rumo traçado pela troika
para Portugal e até de o perpetuar ad eternum. Entendimento antagónico é o que
resultou do convite que foi feito pelo Bloco de Esquerda a todas as forças de
esquerda para uma discussão sem pré-condições sobre as opções fundamentais de
um governo de esquerda para o país, agora. A sua convicção é a de que a tirania
de uma dívida que não para de crescer destrói a democracia e o país e que é
urgente uma maioria social e política que ponha fim a esta tragédia.
Vivemos, de facto,
um momento histórico de bifurcação, em que, graças à radicalização imposta pela
troika e pelo Governo, é clara a escolha que está diante do país. Este é um
tempo de uma clareza inédita, em que cada força tem de escolher entre a
aceitação de que não há política fora do campo delimitado pela troika e o
juntar de todas as forças para romper esse colete de forças que nos rouba a
democracia. Agora não há fingimentos nem encenações - ou se está sinceramente
de um lado ou se está sinceramente do outro. O sentido da iniciativa do Bloco
de Esquerda foi sabidamente esse: não uma encenação para acumular capital de
queixa nem um fingimento para cumprir calendário mas sim um desafio de resposta
conjunta da esquerda à estratégia perigosíssima de tutela presidencial sobre a
política portuguesa que lhe pretende confinar o espaço e diminuir a
diversidade.
O leitor tem sobre
mim a vantagem de, no momento em que ler estas linhas, já saber a que porto
conduziram as negociações patrocinadas por Cavaco Silva e imploradas por
Alexandre Relvas, Francisco Van Zeller ou Daniel Bessa. Mas a escolha do PS
vale muito para lá do resultado do negócio. Qualquer que este seja, o PS decidiu
privilegiar a negociação no campo da troika e desdenhar o diálogo à esquerda.
Ou seja, em coerência com as juras de cumprimento de todos os compromissos
internacionais feitas reiteradamente por Seguro, o PS escolheu assumir como
referencial da política portuguesa em que se quer situar o memorando de
entendimento com a troika afirmando aí as suas nuances. Que o Partido
Socialista tenha rejeitado explorar qualquer caminho de convergência à
esquerda, procurando ao invés que os partidos à sua esquerda embarcassem na
manobra cavaquista (para que, aliás, não foram convidados) dando assim algum
conforto político à decisão do Largo do Rato, é um muito mau indício. Pode bem
vir depois a rábula do diálogo com todos e até mesmo da resistência aos falcões
do regime - o certo é que não é disfarçável a diferença de empenhamento de
Seguro entre o negócio com a troika de Cavaco e a possibilidade de compromissos
à sua esquerda. Repito: seja qual for o saldo final das negociações entre PS,
PSD e CDS, o Partido Socialista desperdiçou uma oportunidade histórica de dar
um passo em direção à convergência com a esquerda quando ele é mais necessário.
Mas pior: a salvação nacional a que o PS escolheu dar preferência é um balão de
oxigénio para este Governo morto e para a perpetuação desta política mórbida,
com mais nuance ou menos nuance. O resto é entretenimento para incautos.
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