terça-feira, 23 de julho de 2013

Portugal: SEMANA PARADA

 

Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

1. O Governo moribundo está completamente parado. Nada se passa. Depois da intervenção humilhante para o Governo do Presidente da República, para haver um acordo entre os partidos da coligação e o PS, começou uma tentativa de acordo impossível. Houve muitos boatos e uma boa dezena de militantes do PS que me procuraram alarmados com a hipótese de um acordo. Tive de os tranquilizar, porque não fazia qualquer sentido salvar um Governo que o PS considerava moribundo. Para quê? Para haver mais austeridade, mais desemprego, mais emigração, a destruição completa do Estado Social, das nossas excelentes universidades públicas, mais vendas a retalho do nosso património e os serviços de saúde quase sem funcionar? Com os portugueses, de norte a sul, a gritar: Basta!
 
Na véspera Passos Coelho, primeiro na Assembleia da República e depois em discurso nas televisões, fez tudo para se vingar do Presidente da República, reafirmando o seu novo Governo, com Portas como vice-primeiro-ministro e responsável da Economia e do diálogo futuro com a troika. Ele, Passos Coelho, como primeiro-ministro, ficaria apenas com a Cultura, a qual, como se sabe, não tem dinheiro nem é o seu forte. Era o repouso do guerreiro, que nunca de demite. Mas talvez queira ser demitido...
 
Cavaco Silva não podia ficar em situação pior. Convenhamos que tem pouca capacidade de manobra. Talvez por isso antecipasse o seu regresso das Selvagens. O Presidente falou com os três partidos que queria juntar.
 
Mas nada mudou. Não houve acordo. O líder do PS, António José Seguro, não podia, sem uma grave cisão no seu partido, salvar o Governo moribundo de Passos Coelho e sobretudo depois do discurso provocatório do primeiro-ministro, em que mostrou claramente que não queria o acordo, o que o vice-pre-sidente do PSD Jorge Moreira da Silva, tentou disfarçar no sábado passado.
 
O Presidente Cavaco Silva ficou entupido, a refletir até domingo à noite. E finalmente às 20 horas e 30 minutos fez um discurso breve em que ignorou tudo o que tinha dito (e ameaçado) anteriormente.
 
Ignorou o que deu origem à atual crise de Estado: a demissão de Vítor Gaspar e as críticas que fez ao atual Governo moribundo. Ignorou os discursos provocatórios que fez Passos Coelho dois dias antes e a ameaça que o próprio Presidente fez a Portas quando se demitiu de ministro dos Negócios Estrangeiros, quando disse que não podia ser vice-primeiro-ministro.
 
Não fez qualquer crítica aos três partidos, como lhes chamou, do arco do poder e aceitou que não tivesse havido qualquer acordo entre eles. Não disse uma palavra ou esqueceu-se sobre a humilhação que tinha feito, anteriormente, a Passos Coelho e a Portas, que lhe responderam da mesma maneira. Nem falou uma só vez da situação de Portugal e do desespero do povo, do desemprego crescente, dos suicídios de muitos portugueses cujos filhos têm fome, dos doentes que não têm dinheiro para se tratar e da falência das empresas em cadeia, nem das dificuldades porque passam as nossas excelentes universidades. Só o que parece interessar-lhe é a troika e o pós-troika. Ignorando a evolução que está a ocorrer na Europa e na própria Alemanha, da chanceler Merkel. Tudo está a mudar, mas Cavaco Silva não deu ainda por isso.
 
Quanto aos dois partidos do Governo aceitou que eles façam o que entenderem, como quiserem, e esqueceu a humilhação que lhes fez, tanto a Passos Coelho como a Portas. Representam a sua gente e o que é necessário é que não haja eleições e que a austeridade continue. Que horror! Estamos a destruir o País sem que, infelizmente, o Presidente tenha consciência disso. Que desgraça!
 
O Presidente nas sondagens tem tido mais de 5% negativos da sua impopularidade, coisa nunca vista. Espere-lhe pelas próximas sondagens e verá o que lhe irá acontecer...
 
2.MANDELA FEZ 95 ANOS. Apesar de doente está vivo e lúcido, como disse a sua inteligente e dedicada esposa. O mundo inteiro festejou o aniversário de um homem que esteve longos anos preso e que, uma vez libertado, pela pressão internacional, acabou com o apartheid, graças também ao Presidente De Klerk, que finalmente compreendeu, contra a pressão dos militares, que sem a libertação de Mandela era impossível acabar com o isolamento internacional a que a África do Sul estava sujeita pela ONU e quase todos os países do mundo.
 
O azar e a circunstância de o meu filho, João Soares, ter tido um desastre de avião, com outros portugueses, e serem depois levados a fim de serem tratados num hospital em Pretória. O meu filho era o único que estava à beira da morte, o que levou a minha mulher, filha e a minha nora, bem como o meu sobrinho, médico, Eduardo Barroso e o meu médico Daniel de Matos a viajar de imediato para Pretória.
 
Eu era, nessa altura, Presidente da República e tinha, nesse mesmo dia, que partir numa visita oficial a dois países europeus (Hungria e Holanda). Por isso não pude ir logo, como desejava.
 
Mas quando regressei a Lisboa fui para Pretória, apesar de, por decisão da ONU, nenhuma autoridade política dever ir à África do Sul. Contudo, não hesitei, porque acima de tudo, estava a vida do meu filho.
 
Fui. E os sul-africanos tiraram algum partido disso. Tinha à minha espera no aeroporto o ministro dos Negócios Estrangeiros, Pik Botha, que me apresentou cumprimentos do Presidente De Klerk. Fui imediatamente para o hospital e o médico diretor, excelente, explicou-me, com grande rigor, que o meu filho estava em coma, com poucas possibilidades de viver. Foi terrível para mim, como para toda a família. Contudo, dias depois, começou a dar sinais de vida.
 
Foi então que recebi de novo a visita de Pik Botha, que me transmitiu um convite de De Klerk para almoçar. Entendi dever ir.
 
É aqui que volto a Mandela, que continuava preso. De Klerk disse-me que não queria a África do Sul isolada do mundo. Desejava, de seguida, acabar com o apartheid. Respondi-lhe: "Isso é impossível." Mas disse-me tencionar, nos próximos dias, pôr em liberdade outros presos políticos. Citei-lhe o exemplo espanhol de Adolfo Suarez, então primeiro-ministro, que também quis abrir a porta a todos os exilados exceto ao líder do Partido Comunista espanhol, Santiago Carrillo. Disse-lhe que isso não ia abrir-lhe as portas da Europa democrática. E deu-me a mesma desculpa: os militares não autorizavam tal. Passadas umas semanas, no domingo de Páscoa, com as pessoas dispersas, fez entrar em Madrid Santiago Carrillo, em liberdade, e, então sim, a Espanha foi aceite na Europa, como queria, no mesmo dia de Portugal. E por sinal Carrillo foi decisivo para a transição democrática de Espanha.
 
De Klerk ficou a pensar. E no dia em que, dadas as melhoras do meu filho, regressei a Lisboa, o ministro Pik Botha esteve de novo no aeroporto à minha espera e disse-me: "Hoje à noite vamos libertar dez prisioneiros políticos, como verá quando chegar a Lisboa. Mas não Mandela." Respondi-lhe: "É bom, mas não consegue resolver o problema do isolamento da África do Sul."
 
Passaram as semanas até que Mandela foi finalmente libertado. Foi uma explosão de alegria universal. O apartheid entretanto acabou e Nelson Mandela algum tempo mais tarde foi eleito Presidente da República, revelando-se um político a todos os títulos excecional e de uma enorme humanidade.
 
Tive o privilégio de o conhecer e admirá-lo, salvo erro, antes e depois de ser Presidente. Lembro-me de um jantar em sua honra em que participei e em que estavam presentes dois dos seus carcereiros. Homem excecional. Mandela foi um dos mais notáveis políticos do século vinte, sem esquecer Roosevelt, Churchill, Mendès France, Mitterrand, Suarez, Willy Brandt, Olof Palme e alguns outros.
 
Nelson Mandela voltou a casar-se, com a viúva de Samora Machel, uma senhora excecional, que o tem acompanhado com enorme atenção e carinho. Oxalá Mandela volte a melhorar e viva ainda alguns anos. Continue a ser um exemplo único para um mundo hoje tão complexo e difícil. É um símbolo único com uma dimensão humanista e humana, como político, de que o mundo precisa.
 
3.A MATERNIDADE ALFREDO DA COSTA. Nos últimos tempos tem-se falado muito da forma como os serviços de saúde estão paulatinamente a ser destruídos. Os doentes queixam-se porque para serem atendidos precisam de esperar imenso tempo, porque não têm acesso fácil aos medicamentos e parece não haver médicos suficientes para os atender e os enfermeiros queixam-se e ameaçam emigrar.
 
Isto, que todos os dias pode ver-se nos telejornais, refere-se às grandes cidades. Porque em relação à província e ao que se chama o Portugal profundo a situação ainda é pior. Realmente as pessoas não têm possibilidade de tratar-se porque não têm dinheiro sequer para se deslocar. Morrem ou suicidam-se, como se sabe...
 
Os melhores e mais competentes médicos e enfermeiros protestaram e não foram ouvidos pelas autoridades e o ministro da Tutela sabe que a comunicação social tem tido a coragem de o dizer nas televisões, sempre que os médicos e os enfermeiros falam. E as respetivas Ordens também, com coragem, apesar do medo que se está espalhar por todo o País.
 
Vem isto a propósito do caso da antiga e excelente Maternidade Alfredo da Costa. Como se sabe o Governo atual, e sobretudo a Tutela, resolveu destruí-la, para fazer mais dinheiro, como quer o ministro da Saúde, que é, como se diz, um bom contabilista, mas sensibilidade para a saúde está visto que não tem nenhuma.
 
O caso teve uma grande polémica e milhares de pessoas que nasceram nessa maternidade ou nela tiveram filhos - bem como os médicos e enfermeiros - fizeram o que puderam e protestaram para a manter. Mas o Governo e a Tutela não lhes deu razão, continuou na sua, fechou-a e mandou médicos e enfermeiros para o desemprego ou para outras maternidades. Tratava-se de a destruir para fazer dinheiro e acabar com ela. Como? Procurando vendê--la talvez a retalho ou na totalidade.
 
Entretanto, houve alguém ou um conjunto de pessoas revoltadas que resolveram levar o caso ao tribunal, apesar de a nossa justiça ser o que se sabe. Mas desta vez não aconteceu o que muitos esperavam. Não foi em vão. Honra aos bons juízes que ainda temos. O juiz ou juízes, cujos nomes não sei, que teve ou tiveram de dar o seu parecer, teve ou tiveram a coragem e o bom senso de dar um parecer em favor da Maternidade Alfredo da Costa, para que continue a ser uma maternidade, como sempre foi.
 
Espero que não haja mais recursos. A velha Maternidade, sempre excelente, bem o merece! E os que por ela lutaram também.
 
4. A VELHA LIVRARIA SÁ DA COSTA. Acabou por falir. Era de esperar. Mas foi uma tristeza para quem a frequentou, como eu, desde que entrei para a Faculdade de Letras e lá comprei muitos dos livros clássicos e não só que lá encontrei. Tive também a honra de conhecer, na Sá da Costa, e participar na tertúlia cultural, muitas pessoas que acabaram por ser meus mestres, como António Sérgio, Armindo Rodrigues, Vieira da Almeida, meu saudoso Professor, e mais tarde, Jaime Cortesão e muitos outros.
 
Com a Bertrand, eram as duas grandes livrarias e editores que contavam. Mais tarde a Buchholz também contava.
 
Os leitores e amigos da Sá da Costa pronunciaram-se contra a falência da livraria e da editora, como eu teria feito se soubesse. Mas estou com eles e com o que disseram. Mais uma desgraça neste tempo tão difícil. Talvez haja quem possa ainda evitar a falência que tanto dói aos homens cultos que a frequentaram. Só se o atual ministro da Cultura, que é Passos Coelho, tiver algum interesse pela cultura, como devia, utilize o dinheiro que terá ao seu dispor e impeça a falência. E faça, finalmente, alguma coisa pela cultura. Ficar-lhe-ia bem. Mas não creio que o faça. Oxalá me engane.
 

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