quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Alemanha: EM BERLIM, A BITCOIN SUBSTITUI FACILMENTE O EURO

 

Linkiesta, Milão – Presseurop
 
Na capital alemã, cada vez mais estabelecimentos comerciais aceitam pagamentos nesta moeda virtual alternativa, até agora utilizada sobretudo nas compras feitas na Internet. A bitcoin deve o seu sucesso ao amplo movimento de descontentamento contra as instituições financeiras, que se seguiu à crise, e também a algumas vantagens económicas reais.
 
 
Graefekiez, Berlim, agosto de 2013. Como todas as terças-feiras, ouvem-se, junto ao canal, os pregões característicos do mercado turco. Os berlinenses que deambulam entre as bancas deixam-se tentar pelos irresistíveis descontos de última hora. Mikaela compra um quilo de peixe – “três euros”, anuncia o pequeno reclamo – e paga em dinheiro, de mão para mão. Sem recibo, nem caixa. A transação não deixa um único traço visível, a não ser o saco cheio de peixes reluzentes que Mikaela leva consigo.
 
Duzentos metros mais a sul, no mesmo bairro, Brand bebe um latte macchiato, ao balcão do Floor’s Café. Quando chega a altura de pagar, Brand pega no smartphone, fotografa o flashcode que apareceu no ecrã da caixa, carrega no “OK” e vai-se embora. Também ele não deixou rasto do pagamento que fez. Ou quase. Um software transferiu dinheiro da sua conta na Internet para a conta do café e a operação está exposta na “cadeia de cifras em bloco” – o registo que lista as transações por ordem cronológica. O jovem, de 32 anos, não precisou de cartão de crédito nem de conta bancária. Os dados da transação estão a salvo na cadeia, protegidos por processos criptográficos extremamente rigorosos que impedem que qualquer pessoa tenha acesso a eles ou possa alterar o montante, a origem ou o destino.
 
Moedas baseadas na tecnologia da Internet
 
Um milagre da bitcoin, a moeda virtual que, aqui em Kreuzberg, Berlim, está a ter grande sucesso. Cerca de 25 estabelecimentos comerciais – sobretudo bares, mas também hotéis, restaurantes, pequenas lojas de eletrónica e papelarias – aceitam esta moeda, inventada em 2009 por um pirata informático anónimo, conhecido sob o nome de Satoshi Nakamato.
 
Neste momento, a cotação da cripto-divisa é muito alta: uma bitcoin vale cerca de 78 euros, o que quer dizer que um café custa apenas aproximadamente 0,02. Pelo menos no papel, é possível comprar tudo com bitcoins: casas, automóveis, computadores, roupas. Embora satisfaça todos os critérios que definem uma divisa, conforme reconheceu recentemente o juiz texano Amos Mazzant, a bitcoin escapa por completo ao controlo dos governos e dos bancos centrais, que começam a preocupar-se com a sua expansão, em aumento constante.
 
Sentado na sua Vespa branca, em frente do Floor’s, Brand explica em poucas palavras como funciona o sistema bitcoin. Segundo ele, é uma opção responsável, como comprar um produto biológico em vez um produto de baixo custo. Com o smartphone na mão direita, entra na aplicação EasyWallet. Depois, basta fotografar o flashcode do bar, inserir o montante necessário, carregar no OK – e o pagamento está feito. “Pago em bitcoins pelo menos duas vezes por dia: o almoço ou o café. Não sei se a bitcoin será a moeda do futuro, mas serão sem dúvida moedas baseadas na tecnologia da Internet que irão impor-se. Talvez venham a existir várias, mas tenho a impressão de que é uma evolução inexorável”, declara.
 
Um software e um flashcode
 
A proprietária do Floor’s Café chama-se Florentina Martens. Com 26 anos, esta holandesa, antiga estudante de Belas Artes em Berlim, montou a sua pequena empresa de restauração e defende e aplaude a bitcoin. Para Florentina, tudo começou com a experiência como empregada de um bar das proximidades, que autorizava os pagamentos na moeda alternativa. “Ao princípio, a coisa incomodava-me um bocado, porque não percebia muito bem como funcionava, e, quando alguém queria pagar em bitcoins, não me sentia à vontade.” Mais tarde, quando decidiu abrir o seu próprio café, deixou-se convencer por alguns vizinhos, informou-se e decidiu aceitar pagamentos nesta moeda que, não muito tempo antes, ainda associava a uma tarefa complicada. O cliente só precisa de um software e de um flashcode. Até agora, Florentina ainda não trocou bitcoins por euros. Gasta no bairro, tudo quanto ganha em moeda virtual.
 
No início, eram raros os clientes que pediam para pagar em bitcoins. Mas, hoje, todos os dias há alguns que as usam para pagar um café, um bolo ou uma sandes. “Não são nerds com óculos e rabo-de-cavalo. E são tantos homens como mulheres, na maioria jovens, pertencentes aos meios alternativos”, explica Florentina. Para ela, tal como para quase todos os outros “bitcoiners” entrevistados pelo Linkiesta, a principal motivação é o repúdio, que foi tomando forma sobretudo durante a crise, pelos bancos privados e pelas políticas monetárias dos bancos centrais em geral. A divisa alternativa “descentralizada” é considerada como uma coisa mais próxima dos consumidores, além de ser conforme com o espírito da época.
 
Não foi por acaso que esta experiência foi realizada em Graefekiez, um bairro não muito grande, que possui uma alma e uma estrutura económica próprias. A história começou no Room77, “o restaurante nos confins do capitalismo”, que, desde o início de 2012, oferece aos clientes “cerveja quente, mulheres frias e comida de fast-food servida devagar” (como afirma a inscrição por cima da porta).
 
Uma moeda digital
 
O proprietário, Joerg Platze, um alemão de origem norte-americana (o seu pai era texano), tornou-se uma espécie de evangelizador da moeda digital: graças a ele, em boa parte dos estabelecimentos comerciais do bairro, vê-se hoje um autocolante com a frase “Aceitamos bitcoins”. “Para mim, trata-se sobretudo de uma questão prática: é muito rápido e mais económico”, garante. Ao contrário, por exemplo, do cartão de crédito, a transação não envolve qualquer despesa. Joerg Platze conseguiu convencer outro tipo de estabelecimentos, como um velho eletricista, vizinho do Room77, que acaba de instalar o software e de afixar na porta o autocolante Bitcoin. Ainda não recebeu clientes adeptos da bitcoin, mas saberá o que fazer, quando estes aparecerem.
 
Saída de uma escola de hotelaria e antiga empregada na área da restauração, Cassandra Wintgens, de 41 anos, é proprietária da casa de hóspedes “Lekkerurlaub”. O sistema de pagamento Bitcoin ajusta-se à sua conceção de hotelaria alternativa, que se demarca voluntariamente da hotelaria tradicional, com quartos a preços baixos, alimentação biológica, Wi-fi e o uso de uma moeda que não passa pelos bancos. “O nosso primeiro hóspede chegou no fim de maio. Disse que tinha lido que se podia pagar em bitcoins, e que tinha sido por isso que decidira alugar um quarto na nossa casa.” O quarto individual custa 0,52 bitcoins, ou seja, 40 euros, e o quarto duplo 0,85, ou seja, 54 euros. As faturas da casa de hóspedes preveem já o pagamento em bitcoins, que só será preciso converter, para a declaração de rendimentos do fim do ano, como explicou o contabilista do estabelecimento.
 
Perigo de falsificação
 
Contudo, fora do paraíso de Graefekiez, a realidade é um pouco diferente. A moeda virtual já circula nos mercados financeiros: a ausência de um banco central que controle a sua cotação torna-a extremamente flutuante – uma situação que, por um lado, atrai e, por outro, assusta os investidores aventureiros. A Phylax é uma empresa alemã de consultoria financeira, que oferece aos seus clientes assistência tecnológica e que, nos últimos anos, se especializou no sistema de pagamento Bitcoin. “Começámos a interessar-nos pela bitcoin faz agora dois anos e concluímos que era uma experiência atraente. Seduziu-nos a ideia de uma moeda descentralizada, sem banco central de referência, e em que cada um é parte interessada no processo de criação da nova divisa”, explica o diretor-geral da Phylax, Fridhelm Schmitt. Na altura, a bitcoin equivalia a dois euros e a Phylax pressentiu o seu potencial: a empresa comprou bitcoins a entre oito e dez euros e, mais tarde, vendeu a totalidade por entre 45 e 85 euros cada. Foi a volatilidade da cotação que motivou a venda.
 
Segundo os cálculos da Phylax, atualmente, 45 euros [por uma bitcoin] seria um valor “razoável”. “Não compreendo todas as preocupações que esta experiência suscita. É verdade que, hoje, se pode perder muito dinheiro com a bitcoin [nos mercados financeiros]. Mas não é uma burla: é uma moeda real. Acontece que as pessoas confundem burla com risco, mas este é próprio dos mercados.” Para Fridhelm Schmitt, o perigo principal é, “um dia”, a bitcoin vir a ser falsificada: “Atualmente, estão em curso vários estudos sobre essa possibilidade, mas, hoje, a falsificação é impossível.”
 
Fiscalidade
 
A bitcoin passa a ser sujeita a imposto na Alemanha
 
“A notícia foi um golpe rude para os meios alternativos” anuncia o Huffington Post depois de a Alemanha ter reconhecido a bitcoin como moeda oficial.
 
O site chega mesmo a perguntar-se se “a Grécia receberá a sua próxima tranche de ajuda em bitcoins em vez de euros?” e explica esta decisão pelo “aumento significativo do seu valor” e não pelo facto “dos tesoureiros alemães se terem tornado mais flexíveis”. De facto, quem diz moeda oficial, diz imposto:
 
Até à data as transações efetuadas com esta moeda escapavam ao imposto. [A partir de agora], serão deduzidos 25% sobre os benefícios de uma venda em bitcoins. […] Relativamente às empresas, estas deverão incluir uma taxa de IVA em todas as suas transações em bitcoins.
 
O Huffington Post lamenta o facto de esta moeda alternativa, muito apreciada pelos hackers, vir a perder um pouco do seu caráter rebelde…
 
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