Jornalista ou terrorista? |
Jornal britânico The Guardian é forçado a destruir material sobre espionagem clandestina, mesmo comprovando que não seria suficiente para frear as denúncias
Cauê Seignermartin
Ameni – Outras Palavras, Blog da Redação
Jornalismo é
publicar aquilo que alguém não quer que se publique.
Todo o resto é publicidade. - George Orwell
Todo o resto é publicidade. - George Orwell
As pressões para
silenciar as vozes que revelam a maior rede de espionagem da história
continuam. Após intimidar o jornalista Glenn Greenwald, detendo seu parceiro no
aeroporto de Heathrow por 9 horas, o alvo da vez foi o periódico em que seus
textos são publicados, o jornal britânico The Guardian - uma das publicações
mais respeitadas do mundo. Ao cobrir o caso seguindo à risca a acidez
orwelliana, o diário acabou vivenciando um dos episódios mais sinistros da
história do jornalismo da era digital.
Os editores do
jornal revelaram nessa terça (20/08) como foram obrigados a
destruir os Hard Drivers (onde se armazenam os dados dos PCs) que continham
cópias dos documentos vazados pelo ex-agente da Agência Nacional de Segurança
(NSA), Edward Snowden. A decisão foi tomada depois de uma série de ameaças
desencadeadas em 20 de julho por oficiais da inteligência britânica, entre
elas, entrar com ação para congelar judicialmente a série de reportagens sobre
a extensão da vigilância das agências de segurança americana e britânica.
Os agentes alegaram que os documentos confidenciais teriam sido
roubado e poderiam enquadrar a publicação na a lei de Segredos Oficiais – mas
preferiam usar uma rota mais rápida que a Corte. Alan Rusbridger, editor do
jornal, explicou que outras cópias espalhadas pelo mundo continuariam
alimentando o conjunto de notícias, pois são editadas pela redação de Nova York
(protegida pela primeira emenda) e no Brasil por Glenn Greenwald, e portanto,
seria em vão destruí-los em solo inglês. O resultado foi “um dos momentos mais
bizarros da longa história do Guardian”, segundo o editor. Os agentes da
inteligência britânica não entenderam, ou preferiram ver o material sendo
mutilado no porão do Guardian, só para ter certeza de que não havia nada que
pudesse ser utilizado por “agentes chineses ou russos” na ilha da rainha… A
pressão simbólica não funcionou: Rusbridger reafirmou que o jornal vai
“continuar fazendo, pacientemente, o minucioso relato sobre os documentos de
Snowden, só não vamos fazê-lo em Londres”. Se a internet possibilitou um
esquecido sonho totalitário, ela mostra ser também a rota para a fuga.
Ameaças ao futuro
do jornalismo
A intensificação da
pressão do governo britânico sobre os jornalistas ficou ainda mais evidente com
a retenção de David Miranda, o brasileiro parceiro de Glenn Greenwald, em
Heathrow, domingo (18/09). Detido nos termos da Lei de Terrorismo de 2000,
Miranda foi liberado 9 horas depois de ser exaustivamente interrogado. Glenn expôs a fragilidade da perseguição ao lembrar como as
autoridades abusaram da própria lei, por razões que nada têm a ver com
terrorismo: “de acordo com documento publicado pelo governo sobre a lei, ‘menos
de três pessoas em cada 10 mil são averiguadas quando passam as fronteiras do
Reino Unido’. (David não estava entrando no Reino Unido, mas apenas em trânsito
para o Rio.) Além disso, ‘a maioria das averiguações, mais de 97%, duram menos
de uma hora’ e apenas 0,06% de todas as pessoas detidas são mantidas por mais
de 6 horas”. Em outras palavras, era óbvio que a suspeita de que David fosse
ligado a uma organização terrorista era zero, e que esse susto não passou de
intimidação e alerta para os jornalistas que ousam revelar as entranhas do
poder.
Para Glenn, “cada
vez que os governos dos EUA e do Reino Unido mostram ao mundo seu verdadeiro
caráter – quando impedem o avião do presidente da Bolívia de voar em segurança
para casa, quando ameaçam jornalistas, quando se envolvem em atitudes como a de
hoje – tudo o que fazem é sublinhar o quão perigoso foi permitir que tenham
poder ilimitado para espionar clandestinamente”.
Já o editor do The
Guardian, Rusbridger, avisa: “Isso afeta todos os cidadãos, porém os jornalistas
devem estar cientes das dificuldades que vão enfrentar no futuro, porque todo
mundo deixa um enorme rastro digital que é facilmente acessado. Espero que [a
detenção de Miranda] faça com que as pessoas voltem a ler as denúncias que
tanto perturbam o Estado britânico. Snowden está tentando chamar a atenção para
a lama em que mergulhamos, caminhando para a vigilância total”.
Sobre Caue Seigne
Ameni: Estudante de Ciências Sociais da PUC-SP, pesquisador do NEAMP, editor do Outras Palavras e operador da loja
virtual Outros
Livros
Leia mais em Outras
Palavras
Sem comentários:
Enviar um comentário