Artur Portela – Jornal i, opinião
Ensaio de Artur
Portela, o renascimento do espírito da "Funda" - as crónicas que o
autor assinava e que marcaram a vida política com prosas particularmente
incisivas
O fogo está aí.
Os mortos estão aí.
O Presidente da
República está aí.
Não interessa,
agora, quem é o Presidente da República.
Que nome próprio
tem.
Que apelido.
Que passado
político.
Estamos num outro
nível.
O nível do
Presidente da República.
O símbolo, a voz, o
papel.
A esperança que
diz.
O País que
representa.
É esse que
convocamos, nele.
É esse que, nesta
geografia do fogo que é, por estes dias, Portugal, nesta economia do fogo,
nestas finanças do fogo, nesta política do fogo, neste porventura comércio do
fogo, diz apenas, manda aliás dizer, a expressão institucional dos seus
institucionais sentimentos.
Ora isto não é
Portugal.
Os portugueses não
são isto.
Sê-lo-á a falta de
política florestal, a falta de estratégia no combate ao fogo, a falta de
efectivos, a falta de meios.
A burrice
neo-liberalizada ao quadrado.
Capaz de beatificar
um economista contra um cenário do País a arder onde morrem bombeiros anónimos.
Jovens de vinte e
poucos anos.
Perante isto,
Portugal-Portugal não hesita.
Vai lá onde a
guerra contra as chamas se trava.
O ministro do
pelouro, claro, e tem ido.
O primeiro-ministro
já foi.
Devendo, no
entanto, maximamente ir o Presidente da República.
Dizer, alto e bom
som, os nomes dos bombeiros mortos.
Abraçar os
familiares e os colegas dos bombeiros mortos.
Lamento dizê-lo -
e, simultaneamente, me congratulo por julgar que posso dizê-lo -, qualquer
outro dos Presidentes da República do Portugal democrático já teria ido.
Lá onde se luta.
Lá onde se morre.
Lá onde ardem
homens e árvores.
Mário Soares, sem
dúvida.
Jorge Sampaio, sem
dúvida.
Ramalho Eanes, sem
dúvida.
Eu diria que, a não
serem corrigidas esta distância e esta liofilização dos sentimentos, o Presidente
da República destes bombeiros mortos será um Presidente Póstumo.
Não em relação aos
bombeiros mortos.
Em relação a si
próprio.
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