Empregadas
domésticas queixam-se de humilhações e má-fé
Novo Jornal, 13
setembro 2013 - Texto e fotos nok nogueira
Diariamente, um sem
número de trabalhadoras domésticas, com idades entre os 18 e os 45 anos,
acorrem à centralidade do Kilamba, em busca de um posto de trabalho fixo ou
mesmo temporário, os chamados biscates. Se para algumas a dita “aventura” tem
aberto portas, para muitas outras mulheres, a grande maioria que ali se
desloca, o quadro é preenchido por situações de alegadas manifestações de
humilhação e de má-fé por parte das patroas.
A jornada diária de
muitas mulheres já é conhecida por muitos que cá habitam e também por quem acaba
de chegar a esta centralidade, logo a partir do dia em que recebe a chave de um
dos apartamentos, da parte da SONIP ou da Delta Imobiliária. Mesmo à porta destas
instituições, lá estão elas para acudir a qualquer solicitação de novos e
antigos moradores. Invariavelmente, incluindo aos fins-de-semana, todos os
dias, a partir das 9h00, com baldes, vassouras, detergentes e outros produtos
de limpeza à mão, estas mulheres vivem aquilo que se pode chamar uma verdadeira
aventura pelo sustento diário. Os propósitos, contaram ao Novo Jornal, são
dois: Prestar pequenos serviços, os chamados biscates, que lhes possa render no
final da jornada alguns trocados para alimentarem as suas famílias, ou, na
melhor das hipóteses, conquistarem um posto de trabalho fixo, cujas obrigações laborais
vão desde a arrumação da casa, a passar a ferro e/ou cozinhar, a troco de um
salário que nem sempre lhes chega à mão por suposto capricho, dizem, das
patroas a quem acusam de má-fé.
Oriundas de zonas
circunvizinhas e de distritos não tão afastados desta nova urbe, estas mulheres
contam que experimentam diariamente várias provações: um misto de impaciência, desespero,
frustração, por nem sempre terem a sorte à porta das suas vidas. Segundo
algumas delas, há quem esteja por essas andanças há já um ano. Tendo
experimentado um pouco de tudo, designadamente alguns desaguisados com as
patroas, com acusações de terem furtado algum objecto, sendo de imediato atiradas
para o desemprego, sem que se possam defender, nem mesmo lutar pelos seus
direitos, uma vez que boa parte das vezes ficam sem os salários.
“Nós aqui já
vivemos de tudo. Há algumas patroas que desrespeitam o que ficou honrado no
contrato que fazemos verbalmente, porque aqui não assinamos nenhum papel. Nós limpamos
os prédios, apartamentos, as escadas, e recebemos às vezes cinco ou dez mil
kwanzas. Um valor que é dividido entre duas ou mais pessoas, dependendo do
volume de trabalho. Porque nunca trabalhamos sozinhas”, contou à reportagem a
senhora Juliana, de 42 anos.
Procura incentiva
patroas a baixarem salários De acordo com testemunhos recolhidos, todos os
dias, além de aguardarem por algum serviço defronte às instalações da Delta
Imobiliária, por conta de novos proprietários, saem numa espécie de romaria
pelos vários blocos da centralidade, batendo à porta das famílias, em busca de
algum tipo de trabalho que possa ser desenvolvido. Regra geral, anotaram, e
sobretudo aos fins-de-semana, quando algumas empregadas gozam folgas, algumas
patroas propõem-lhes valores inferiores aos acordados com as empregadas já
contratadas.
“Como a pessoa está
mesmo a precisar, porque tem de dar de comer aos filhos, não tem como não
aceitar. A empregada da semana ganha 40 mil kwanzas. A nós, muitas vezes, é-nos
proposto 25 mil kwanzas. E nós aceitamos”, justificam.
Empregadas falam em
humilhações
Para justificarem o
despedimento da empregada contratada, segundo estas mulheres, algumas patroas usam
vários pretextos para se desfazerem delas: desde o mau trabalho prestado,
acusações de furto a outras alegações.
“Há pessoas que
fazem connosco contratos verbais, que dizem: A partir de hoje vais trabalhar
comigo. Uma pessoa trabalha, mas depois de um tempo a patroa diz que só tem um
determinado valor”, explica Eunice Pedro. Ana Gusmão foi testemunha de uma
outra situação: “Fazemos o contrato de uma maneira mas, começando a trabalhar,
as patroas mudam a versão combinada. O mês passa e não paga. Tenho, por exemplo,
uma vizinha que ‘está no chão’. Desistiu”, diz. “Tem uma moça que no mês
passado não recebeu salário e quando reclamou a patroa e o filho deram- -lhe
porrada. Tiveram que ir à polícia, que resolveu esse caso. Foi paga já na
polícia”.
Entretanto, nem só
de rompimento de contratos vivem estas mulheres, segundo contam. Muitas vezes
têm de entrar às sete da manhã e não têm merecido o devido respeito das
patroas, que as impedem, narram, de tomar o pequeno-almoço. Ângela Barros, por
exemplo, entra às 7h00 e larga às 17h, e, segundo conta, não tem direito à
refeição. “Se você não traz qualquer coisa para o “matabicho” fica mesmo assim,
mas está a trabalhar em casa de uma senhora! Vamos reclamar como se a casa é
dela?” questiona.
“Houve uma senhora
que pagou às empregadas e deu apenas 20 mil, quando o contrato era de 30 mil. Levaram-lhe
todas as coisas. Agora aqui dizem que as trabalhadoras estão a roubar, mas não
é roubo. É falta de pagamento. As senhoras não aceitam pagar os salários
completos. Elas são impagáveis e as empregadas não admitem e levam as coisas”,
explica Ângela Barros.
Lei vai travar despedimentos
arbitrários
O ante-projecto da
lei dos trabalhadores domésticos foi recentemente submetido pelo Ministério da
Administração Pública Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) ao
Conselho de Ministros para a devida análise e posterior aprovação pelo
Presidente da República.
O Novo Jornal
tentou, sem sucesso, abordar o assunto com o responsável pela área social da
centralidade do Kilamba, que na altura mostrou-se indisponível por razões de agenda
de trabalho. Contudo, ouviu a docente universitária e especialista em Direito
do Trabalho, Josefa Webba, que reagiu às declarações dessas mulheres, defendendo
que os trabalhadores domésticos devem merecer dos patrões um certo conforto,
carinho e uma certa atenção, “por se tratar de pessoas que tendem a nos conhecerem-nos
muito bem”.
“Pessoas que
normalmente entram naquilo que é mais sensível para nós, por exemplo, fazer a
comida, fazer a nossa cama – e uma pessoa que nos faz a comida, que nos faz a
nossa cama –, temos que ter todo o respeito por ela, porque são coisas que se
ela nos quiser fazer mal a partir daí tem toda essa possibilidade. Portanto,
ela não faz esse mal se for bem tratada”, referiu.
Aprovação da lei poria
fim ao problema
Para Josefa Webba, acontecimentos
como os narrados por estas mulheres na centralidade do Kilamba podem estar no
facto de as pessoas não estarem habituadas a pensar que só um acordo verbal não
serve.
“Com a aprovação
deste diploma, os trabalhadores vão ter direito ao salário mínimo nacional, se
bem que nós não temos ainda o salário mínimo nacional e não tendo vão ter aquilo
que todo o mundo tem, que é o salário da função pública. Abaixo do salário
mínimo da função pública ninguém pode pagar o trabalhador, o que quer dizer que
as pessoas vão deixar de pagar aquilo que querem, mas aquilo que devem”,
esclareceu.
“As pessoas não dão
valor à sua palavra”
Para Josefa Webba,
as pessoas não dão valor à sua palavra. De acordo com a especialista, o
contrato, na ausência da aprovação do diploma legal sobre o trabalho doméstico,
vai continuar como se costuma fazer agora.
“O acordo é todo
ele apalavrado e nestas condições a palavra tem força de lei. Porque se eu
acordo com alguém que vamos fazer um contrato, que você vem trabalhar para a
minha casa amanhã às 7 horas e esta pessoa vem à hora marcada, o acordo está feito
e tem que haver cumprimento por ambas as partes”, salientou. Para a
especialista, muitos desses casos dão-se em Angola por ausência de humanismo, por
falta de respeito pelo outro e pelo simples facto de algumas pessoas se
sentirem acima das outras, em todos os sentidos, talvez.
“Podemos ser
escolarizados, podemos ter a nossa casa, toda ela bonita, mas infelizmente não
temos a cultura do humanismo, de termos o amor ao próximo. Quem tem mais, os
chamados endinheirados, a partir do momento em que ficam endinheirados, deixam
de ter essa boa educação, este amor ao próximo, esse humanismo para determinado
tipo de situações”, atirou.
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