quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Angola: PATROAS NO KILAMBA ACUSADAS DE MÁ PAGADORAS

 


Empregadas domésticas queixam-se de humilhações e má-fé
 
Novo Jornal, 13 setembro 2013 - Texto e fotos nok nogueira
 
Diariamente, um sem número de trabalhadoras domésticas, com idades entre os 18 e os 45 anos, acorrem à centralidade do Kilamba, em busca de um posto de trabalho fixo ou mesmo temporário, os chamados biscates. Se para algumas a dita “aventura” tem aberto portas, para muitas outras mulheres, a grande maioria que ali se desloca, o quadro é preenchido por situações de alegadas manifestações de humilhação e de má-fé por parte das patroas.
 
A jornada diária de muitas mulheres já é conhecida por muitos que cá habitam e também por quem acaba de chegar a esta centralidade, logo a partir do dia em que recebe a chave de um dos apartamentos, da parte da SONIP ou da Delta Imobiliária. Mesmo à porta destas instituições, lá estão elas para acudir a qualquer solicitação de novos e antigos moradores. Invariavelmente, incluindo aos fins-de-semana, todos os dias, a partir das 9h00, com baldes, vassouras, detergentes e outros produtos de limpeza à mão, estas mulheres vivem aquilo que se pode chamar uma verdadeira aventura pelo sustento diário. Os propósitos, contaram ao Novo Jornal, são dois: Prestar pequenos serviços, os chamados biscates, que lhes possa render no final da jornada alguns trocados para alimentarem as suas famílias, ou, na melhor das hipóteses, conquistarem um posto de trabalho fixo, cujas obrigações laborais vão desde a arrumação da casa, a passar a ferro e/ou cozinhar, a troco de um salário que nem sempre lhes chega à mão por suposto capricho, dizem, das patroas a quem acusam de má-fé.
 
Oriundas de zonas circunvizinhas e de distritos não tão afastados desta nova urbe, estas mulheres contam que experimentam diariamente várias provações: um misto de impaciência, desespero, frustração, por nem sempre terem a sorte à porta das suas vidas. Segundo algumas delas, há quem esteja por essas andanças há já um ano. Tendo experimentado um pouco de tudo, designadamente alguns desaguisados com as patroas, com acusações de terem furtado algum objecto, sendo de imediato atiradas para o desemprego, sem que se possam defender, nem mesmo lutar pelos seus direitos, uma vez que boa parte das vezes ficam sem os salários.
 
“Nós aqui já vivemos de tudo. Há algumas patroas que desrespeitam o que ficou honrado no contrato que fazemos verbalmente, porque aqui não assinamos nenhum papel. Nós limpamos os prédios, apartamentos, as escadas, e recebemos às vezes cinco ou dez mil kwanzas. Um valor que é dividido entre duas ou mais pessoas, dependendo do volume de trabalho. Porque nunca trabalhamos sozinhas”, contou à reportagem a senhora Juliana, de 42 anos.
 
Procura incentiva patroas a baixarem salários De acordo com testemunhos recolhidos, todos os dias, além de aguardarem por algum serviço defronte às instalações da Delta Imobiliária, por conta de novos proprietários, saem numa espécie de romaria pelos vários blocos da centralidade, batendo à porta das famílias, em busca de algum tipo de trabalho que possa ser desenvolvido. Regra geral, anotaram, e sobretudo aos fins-de-semana, quando algumas empregadas gozam folgas, algumas patroas propõem-lhes valores inferiores aos acordados com as empregadas já contratadas.
 
“Como a pessoa está mesmo a precisar, porque tem de dar de comer aos filhos, não tem como não aceitar. A empregada da semana ganha 40 mil kwanzas. A nós, muitas vezes, é-nos proposto 25 mil kwanzas. E nós aceitamos”, justificam.
 
Empregadas falam em humilhações
 
Para justificarem o despedimento da empregada contratada, segundo estas mulheres, algumas patroas usam vários pretextos para se desfazerem delas: desde o mau trabalho prestado, acusações de furto a outras alegações.
 
“Há pessoas que fazem connosco contratos verbais, que dizem: A partir de hoje vais trabalhar comigo. Uma pessoa trabalha, mas depois de um tempo a patroa diz que só tem um determinado valor”, explica Eunice Pedro. Ana Gusmão foi testemunha de uma outra situação: “Fazemos o contrato de uma maneira mas, começando a trabalhar, as patroas mudam a versão combinada. O mês passa e não paga. Tenho, por exemplo, uma vizinha que ‘está no chão’. Desistiu”, diz. “Tem uma moça que no mês passado não recebeu salário e quando reclamou a patroa e o filho deram- -lhe porrada. Tiveram que ir à polícia, que resolveu esse caso. Foi paga já na polícia”.
 
Entretanto, nem só de rompimento de contratos vivem estas mulheres, segundo contam. Muitas vezes têm de entrar às sete da manhã e não têm merecido o devido respeito das patroas, que as impedem, narram, de tomar o pequeno-almoço. Ângela Barros, por exemplo, entra às 7h00 e larga às 17h, e, segundo conta, não tem direito à refeição. “Se você não traz qualquer coisa para o “matabicho” fica mesmo assim, mas está a trabalhar em casa de uma senhora! Vamos reclamar como se a casa é dela?” questiona.
 
“Houve uma senhora que pagou às empregadas e deu apenas 20 mil, quando o contrato era de 30 mil. Levaram-lhe todas as coisas. Agora aqui dizem que as trabalhadoras estão a roubar, mas não é roubo. É falta de pagamento. As senhoras não aceitam pagar os salários completos. Elas são impagáveis e as empregadas não admitem e levam as coisas”, explica Ângela Barros.
 
Lei vai travar despedimentos arbitrários
 
O ante-projecto da lei dos trabalhadores domésticos foi recentemente submetido pelo Ministério da Administração Pública Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) ao Conselho de Ministros para a devida análise e posterior aprovação pelo Presidente da República.
 
O Novo Jornal tentou, sem sucesso, abordar o assunto com o responsável pela área social da centralidade do Kilamba, que na altura mostrou-se indisponível por razões de agenda de trabalho. Contudo, ouviu a docente universitária e especialista em Direito do Trabalho, Josefa Webba, que reagiu às declarações dessas mulheres, defendendo que os trabalhadores domésticos devem merecer dos patrões um certo conforto, carinho e uma certa atenção, “por se tratar de pessoas que tendem a nos conhecerem-nos muito bem”.
 
“Pessoas que normalmente entram naquilo que é mais sensível para nós, por exemplo, fazer a comida, fazer a nossa cama – e uma pessoa que nos faz a comida, que nos faz a nossa cama –, temos que ter todo o respeito por ela, porque são coisas que se ela nos quiser fazer mal a partir daí tem toda essa possibilidade. Portanto, ela não faz esse mal se for bem tratada”, referiu.
 
Aprovação da lei poria fim ao problema
 
Para Josefa Webba, acontecimentos como os narrados por estas mulheres na centralidade do Kilamba podem estar no facto de as pessoas não estarem habituadas a pensar que só um acordo verbal não serve.
 
“Com a aprovação deste diploma, os trabalhadores vão ter direito ao salário mínimo nacional, se bem que nós não temos ainda o salário mínimo nacional e não tendo vão ter aquilo que todo o mundo tem, que é o salário da função pública. Abaixo do salário mínimo da função pública ninguém pode pagar o trabalhador, o que quer dizer que as pessoas vão deixar de pagar aquilo que querem, mas aquilo que devem”, esclareceu.
 
“As pessoas não dão valor à sua palavra”
 
Para Josefa Webba, as pessoas não dão valor à sua palavra. De acordo com a especialista, o contrato, na ausência da aprovação do diploma legal sobre o trabalho doméstico, vai continuar como se costuma fazer agora.
 
“O acordo é todo ele apalavrado e nestas condições a palavra tem força de lei. Porque se eu acordo com alguém que vamos fazer um contrato, que você vem trabalhar para a minha casa amanhã às 7 horas e esta pessoa vem à hora marcada, o acordo está feito e tem que haver cumprimento por ambas as partes”, salientou. Para a especialista, muitos desses casos dão-se em Angola por ausência de humanismo, por falta de respeito pelo outro e pelo simples facto de algumas pessoas se sentirem acima das outras, em todos os sentidos, talvez.
 
“Podemos ser escolarizados, podemos ter a nossa casa, toda ela bonita, mas infelizmente não temos a cultura do humanismo, de termos o amor ao próximo. Quem tem mais, os chamados endinheirados, a partir do momento em que ficam endinheirados, deixam de ter essa boa educação, este amor ao próximo, esse humanismo para determinado tipo de situações”, atirou.
 

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