Rodolpho Motta Lima
– Direto da Redação
O pensamento, com a
liberdade de escolher os caminhos que bem entende, faz, às vezes, com que
construamos as mais estranhas ligações. Essa discussão sobre se pode ou não
haver mascarados nas manifestações de rua me lembrou uma composição lançada
para um carnaval dos anos 60: “Máscara Negra”, de Ze Keti.
Você pensará,
obviamente, que a associação direta é com os Black Blocs, esse grupo anárquico
que anda por aí assustando a tradição, as famílias e as propriedades da classe
média com atitudes que misturam a revolta saudável com uma pra lá de discutível
ação predatória, que mais afasta que aproxima, impedindo que se ouça com
ouvidos atentos o que têm a dizer.
Mas não foi neles
que pensei, a não ser como detonadores (aqui no bom sentido) de outros
pensamentos, ligados a outras máscaras negras que andam por aí e que ninguém
pensa (ainda) em proibir.
A música de Ze Keti
fala em “mais de mil palhaços no salão” e foi essa passagem que me fisgou. Não
estamos no carnaval, estamos bem longe daquela época em que os brasileiros
entoavam os versos da composição, nos quais pierrôs, arlequins e colombinas
compunham o clássico drama amoroso, enquanto um outro drama, o do país inteiro,
se desenrolava no campo das liberdades democráticas.
Mas as máscaras e
os palhaços – bem mais que mil - estão aí, por todos os cantos, no grande salão
brasileiro. A variedade de umas e de outros é incrível. Há os que se mascaram
de democratas ou de defensores da moralidade, uma forma antiga usada no país,
mas só quando interessa, para mais facilmente violentar os princípios da
democracia. Esses estão em todos os setores, com corporativismos imorais e
casuísmos inaceitáveis. As máscaras de alguns não são negras, são até brancas,
para combinar com os jalecos do preconceito, da intolerância e da
insensibilidade, venenos que andam destilando perversamente por aí.
Há os mascarados do
voto, aqueles que se escondem atrás de máscaras legais – de todas as cores,
diga-se – para negar-nos o direito de saber como nos estão representando, ou
melhor, como estão defendendo interesses mesquinhos e/ou negociatas diversas
que não têm nada a ver conosco. Quando parece que vão enfim, mostrar sua cara,
sempre aparece alguém para dizer frases emblemáticas do tipo “não é bem assim”.
Como fizeram com a ideia do plebiscito, por exemplo. Essa é a turma do bloco
“Mudar para deixar como está”.
Há máscaras
importadas, feitas com um material especial, a subserviência, compradas em
moeda estrangeira. Os que as usam assumem imediatamente os ares das terras onde
são produzidas e saem por aí, nas redes sociais da vida ou fora delas,
admitindo, com o tal complexo de vira-latas de que falava Nelson Rodrigues, que
é preciso conviver com os superespiões planetários porque, afinal, “eles são
mais fortes que nós”. Essa turma vive sonhando em trocar uma estrela
verde-amarela por outra naquela outra bandeira do norte... Um conhecido
produtor e crítico musical, tão bom nessa área das artes quanto não o é na
política, deixou gravado na coluna do jornal em que escreve que “na era da
internet espiona quem pode, defende-se quem for capaz...”. Eles também têm
máscaras especialmente produzidas contra as perversas armas químicas, talvez
lembrando-se de relatos antigos de bombas atômicas jogadas sobre os japoneses
civis, ou de napalm lançado nos vietnamitas, ou, bem recentemente , dos aviões
não pilotados que matam indiscriminadamente os inocentes da hora errada no
lugar errado...
Há outras máscaras
por aí, que a gente não vê de cara (ou na cara) , mas existem: a máscara dos
jornalistas “descomprometidos”, que cobrem com absoluta fidelidade os fatos que
interessam aos seus patrões e procuram ouvir exaustivamente todas as vozes
capazes de dizer o que lhes interessa...e só. São auxiliados, nessa missão
altamente louvável, por “especialistas” de plantão, ávidos por colocarem suas
mentes à disposição.
Há as máscaras dos
artistas. Muitos deles (ou serão poucos?), justiça seja feita, preservam as
máscaras que simbolizam a origem histórica da sua atividade, mas há outros que
há muito trocaram as originais por outras, em que a glória da fama - efêmera ou
não – sufoca e tritura as suas responsabilidades sociais e a sua busca
estética. E fazem o que dá dinheiro...
Há máscaras de
Super-homem ou de Batman (a escolher), heróis contemporâneos a serviço de uma
justiça que não é cega, porque é caolha e só enxerga um lado do direito, em uma
visão maniqueísta que busca obter as vantagens da exposição garantida pela
mídia ávida de vinganças pontuais, a mídia que lhes garante a “opinião
publicada” e forja a “opinião pública”.
E aí chegamos aos
palhaços, também mascarados e espalhados pela pátria, muito mais de mil,
iludidos por um aparelho de tevê na sala, avessos a informações diferenciadas,
arrogantes e rancorosos nas suas superficiais convicções e sempre dispostos a
frequentar, denotativa ou conotativamente, as mesmas festas e os mesmos salões
dos disfarçados que andam por aí. Gente que, no tempo do egocentrismo e do
consumismo, quer ser como eles, mas a quem dirijo, para reflexão, os versos de
Raimundo Correa: “Se se pudesse, o espírito que chora, / Ver através da máscara
da face, / Quanta gente, talvez, que inveja agora / Nos causa, então piedade
nos causasse!”
Claro que há muitas
outras máscaras. Quem me lê neste momento pode identificar outras, diferentes
das que denuncio, até contrárias às que enxergo. Isso acontece quando somos de
blocos diferentes. Ou, se quiserem, quando frequentamos escolas diferentes...
De qualquer forma, penso que, antes de tirar as máscaras dos manifestantes de
rua, que pelo menos perseguem algo em que acreditam e que vai além dos seus
umbigos, muitas outras máscaras deveriam cair neste país que, apesar delas e
contra elas, vai caminhando rumo ao seus desígnios maiores.
*Advogado formado
pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa
do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições
do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura,
particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do
Brasil.
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