Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião
O ministro alemão
das Finanças ignora de modo grotesco a crise social europeia
O ministro das
Finanças do governo de Angela Merkel, que vai a votos no próximo domingo,
escreveu ontem um artigo no “FT” que será, de certeza, alvo de estudo quando os
historiadores económicos contarem o que se passou nestes anos de chumbo na Europa.
Em vésperas de eleições nacionais, em que o tema “papel da Alemanha na crise europeia” tem estado no centro das atenções, Herr Schäuble (que, aliás, é considerado o mais europeísta dos alemães) vem sossegar-nos. O título, em tradução livre, é já um tratado: “Ignorem os profetas da desgraça. A Europa está a ser consertada.”
O mundo, visto de Berlim, é quase perfeito: “A receita está a funcionar, para desgosto dos numerosos críticos nos media, nas universidades e nas organizações políticas internacionais. O ajustamento era ambicioso e, por vezes, doloroso, mas a sua implementação é flexível e adaptável. As redes de segurança europeias providenciaram uma mistura bem calibrada de incentivos e solidariedade para amortecer o sofrimento.”
O texto de Herr Schäuble é assustador porque é um dogma de fé. As “organizações internacionais” e as “universidades” bem podem produzir estudos – que, entretanto, se têm vindo a comprovar – sobre os riscos da política económica seguida pela Alemanha que, do alto do seu poder e da sua religiosidade intrínsecas, Schäuble ignora-os. A crise social nos países do Sul, os 27,8% da população grega sem emprego, os 16,5% de portugueses sem emprego, os 26,3% de espanhóis sem emprego e os 17,3% de cipriotas sem emprego não entram nas contas de Herr Schäuble.
O ministro alemão das Finanças ignora, de um modo grotesco, a mais grave crise social depois do fim da Segunda Guerra, afirmando que, “em apenas três anos, os custos unitários de trabalho e a competitividade estão rapidamente a ajustar-se (...) e os défices a desaparecerem”. A recessão na eurozona acabou.
O mais traumático no texto de Herr Schäuble, mesmo que tenha sido escrito na semana decisiva de uma campanha eleitoral onde o seu posto está a votos, é que ele despreza ostensivamente a realidade e, nomeadamente, os números. O final do texto é particularmente esclarecedor da arrepiante mistura de fé com bruxaria: “Os sistemas adaptam-se, as tendências mudam. Por outras palavras, o que foi partido pode ser reparado. A Europa de hoje é a prova.”
É extremamente grave o delírio de Herr Schäuble. Mas o mais grave ainda é que ele se pega.
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