Baptista-Bastos –
Diário de Notícias, opinião
A beligerância com
que Passos Coelho trata o Tribunal Constitucional é uma estratégia suja,
deprimente, absurda e inútil. E sugere várias interpretações. Ou o Governo
desconhece os limites constitucionais a certas deliberações, e será gravemente
ignorante; ou conhece-os e tenta contorná-los, com manha e léria, e será
abjectamente indecente; ou, então, procura o conflito institucional,
tripudiando sobre o documento que estatui e defende o Estado de direito, o que
será um comportamento ignóbil. A conclusão lógica a que chegamos, em qualquer
dos casos, é: o Governo não se dá bem com a Constituição e arrisca obliterá-la,
a fim de governar como entende e deseja. Em cinco vezes, os juízes vetaram, por
inconstitucionais, decisões do Executivo; conclusão que os nobilita e deixaram
em fúria os trapalhões que agenciavam ludibriá--los. Por último, o dr. Passos,
sem atender ao ridículo, diz que "falta bom senso" ao Tribunal.
O PSD nunca se
sentiu confortável com a Constituição, e Sá Carneiro jamais ocultou o seu
desagrado pela natureza do documento que falava em "via para o
socialismo", um horror. O preâmbulo ainda contém o princípio, mas não
possui valor jurídico ao nível de uma ruptura constitucional; vale, apenas,
como demonstração de valores históricos. O professor Jorge Miranda está cansado
de esclarecer o pormenor, que continua a causar engulhos a alguma gente
pressurosamente ignara ou arteiramente matreira.
A Constituição é um
contrato entre o povo e o País. Havíamos saído da tragédia do fascismo e
desejávamos a democratização rápida, que, na altura, só a aposta socialista
parecia permitir. Nada de grave: não se promove, por decreto, nenhum sistema
político, e a referência modesta não proporciona a criação de novos valores.
Causa brotoeja, pelos vistos.
A segunda revisão
constitucional, em 1989, apurada com os votos do PS, aboliu, como valor
jurídico, a palavra maldita: socialismo. Vale pela inversa o que a estatui:
nenhuma mordaça cala nem apagão que desvaneça o poder de uma ideia. "Não
há machado que corte a raiz ao pensamento", escreveu Carlos de Oliveira.
Sobretudo se essa ideia contiver, no seu mais nobre significado, os princípios
da igualdade, da fraternidade e da solidariedade.
Quando está no
poder, o PSD manifesta muita dificuldade em relacionar-se com as instituições
que representam a democracia. O próprio Sá Carneiro, extremamente autoritário,
possuía uma criatividade revoltada, o que explica a relativa concepção de
democracia e da sua prática por ele demonstrada. Os conflitos havidos com o
partido são reveladores dessa característica. E o PSD é um amontoado de
interesses, para o qual o poder é uma iguaria.
A sedimentação da
democracia em Portugal não tem sido fácil. Talvez porque haja poucos democratas
ou, então, os que há sejam democratas instantâneos, como o pudim flan.
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