terça-feira, 22 de outubro de 2013

Portugal: O PALAVREADO DAS MÁS NOTÍCIAS

 


Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
 
A cena perdurará como uma marca do consulado de Vítor Gaspar no Ministério das Finanças. Durante um Conselho de Ministros destinado a controlar gastos, mesmo a reduzir despesas, Gaspar ter-se-á exasperado uma e outra vez com a resistência de um parceiro de governo em emagrecer as contas e encerrou a discussão do modo mais simplório possível. "Não há dinheiro. Qual destas três palavras não percebeu?", terá atirado Vítor Gaspar em jeito de xeque-mate.Real ou ficcionado, o episódio contém uma virtude: mensagem claríssima, linearidade de raciocínio. Deveria ser encarado como uma vulgaridade mas tornou-se famoso precisamente por contrariar o vocabulário cada vez mais hermético usado pelas classes dirigentes e do qual resulta um tratamento ofensivo do mais comum dos cidadãos. A tendência para esconder, sobretudo as más notícias, dá muitas vezes a impressão de considerar cada um de nós como atrasados mentais.
 
Entre a tentativa de ocultar e a pura modernice, abundam os exemplos da comunicação falaciosa da parte de quem tem responsabilidades no país.
 
Tratar a recessão como crescimento negativo é, já de si, um sintoma de tontice. Junte-se-lhe, por exemplo, as insolvências como modo simpático de referenciar falências e eis-nos num cadinho de fantasia. Dispensável.
 
Os mais bem-aventurados espíritos considerarão inexistir algum mal no artifício comunicacional. Há, porém, situações nas quais o objetivo é puramente, à falta de coragem, a de substituir a originalidade da comunicação por outra capciosa. E esse é o ponto.
 
Os últimos dias são paradigmáticos da tentativa de driblar o impacto de decisões governamentais tão controversas quanto punitivas de alguns setores da sociedade.
 
O caso dos cortes nas pensões de sobrevivência introduziu um novo linguajar: o da condição de recurso. Blá,blá, o plafonamento obedece a regras, referenciou o criativo Paulo Portas, aludindo de seguida à tal condição de recurso como salvadora do condicionamento de pensões. Eufemismo, puro e duro!, destinado a confundir a opinião pública. A condição de recurso, em certa medida, não é mais do que um atestado de pobreza, igualzinho ao exigido para efeitos de RSI e outros subsídios. Simplesmente falta coragem ao Governo para agarrar o boi pelos cornos!
 
Os cortes dos ordenados dos funcionários públicos são também exemplificativos de uma tendência para o não uso da franqueza. Sabendo-se do risco de o Tribunal Constitucional chumbar a proposta no caso de não haver razões substantivas que provem tratar-se de uma decisão provisória, que disse Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças? Em vez de repetir o episódio de Gaspar e o célebre "não há dinheiro", enveredou por uma dialética intragável. Os cortes "são transitórios" mas "não são anuais", disse ela. A fórmula só pode dirigir-se a quem a ministra julga ser estúpido, a começar pelos juízes do Palácio Ratton. Assim como assim, do alto de qualquer cátedra é sempre possível dizer que a vida de Maria Luís, como a de qualquer um de nós, é provisória; não se sabe é até quando...
 
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