Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
A cena perdurará
como uma marca do consulado de Vítor Gaspar no Ministério das Finanças. Durante
um Conselho de Ministros destinado a controlar gastos, mesmo a reduzir
despesas, Gaspar ter-se-á exasperado uma e outra vez com a resistência de um
parceiro de governo em emagrecer as contas e encerrou a discussão do modo mais
simplório possível. "Não há dinheiro. Qual destas três palavras não percebeu?",
terá atirado Vítor Gaspar em jeito de xeque-mate.Real ou ficcionado, o episódio
contém uma virtude: mensagem claríssima, linearidade de raciocínio. Deveria ser
encarado como uma vulgaridade mas tornou-se famoso precisamente por contrariar
o vocabulário cada vez mais hermético usado pelas classes dirigentes e do qual
resulta um tratamento ofensivo do mais comum dos cidadãos. A tendência para
esconder, sobretudo as más notícias, dá muitas vezes a impressão de considerar
cada um de nós como atrasados mentais.
Entre a tentativa
de ocultar e a pura modernice, abundam os exemplos da comunicação falaciosa da
parte de quem tem responsabilidades no país.
Tratar a recessão
como crescimento negativo é, já de si, um sintoma de tontice. Junte-se-lhe, por
exemplo, as insolvências como modo simpático de referenciar falências e eis-nos
num cadinho de fantasia. Dispensável.
Os mais
bem-aventurados espíritos considerarão inexistir algum mal no artifício
comunicacional. Há, porém, situações nas quais o objetivo é puramente, à falta
de coragem, a de substituir a originalidade da comunicação por outra capciosa.
E esse é o ponto.
Os últimos dias são
paradigmáticos da tentativa de driblar o impacto de decisões governamentais tão
controversas quanto punitivas de alguns setores da sociedade.
O caso dos cortes
nas pensões de sobrevivência introduziu um novo linguajar: o da condição de
recurso. Blá,blá, o plafonamento obedece a regras, referenciou o criativo Paulo
Portas, aludindo de seguida à tal condição de recurso como salvadora do
condicionamento de pensões. Eufemismo, puro e duro!, destinado a confundir a
opinião pública. A condição de recurso, em certa medida, não é mais do que um
atestado de pobreza, igualzinho ao exigido para efeitos de RSI e outros
subsídios. Simplesmente falta coragem ao Governo para agarrar o boi pelos
cornos!
Os cortes dos
ordenados dos funcionários públicos são também exemplificativos de uma
tendência para o não uso da franqueza. Sabendo-se do risco de o Tribunal
Constitucional chumbar a proposta no caso de não haver razões substantivas que
provem tratar-se de uma decisão provisória, que disse Maria Luís Albuquerque, a
ministra das Finanças? Em vez de repetir o episódio de Gaspar e o célebre
"não há dinheiro", enveredou por uma dialética intragável. Os cortes
"são transitórios" mas "não são anuais", disse ela. A
fórmula só pode dirigir-se a quem a ministra julga ser estúpido, a começar
pelos juízes do Palácio Ratton. Assim como assim, do alto de qualquer cátedra é
sempre possível dizer que a vida de Maria Luís, como a de qualquer um de nós, é
provisória; não se sabe é até quando...
Leia mais em Jornal
de Notícias
Sem comentários:
Enviar um comentário