sexta-feira, 1 de novembro de 2013

CHEFE DA NSA DIZ QUE EUROPEUS COLABORAM NA ESPIONAGEM

 


O chefe da NSA, o general Keith Alexander, apontou a arma de volta contra os denunciantes e acusou seus amigos da Europa de serem cúmplices na espionagem.
 
Eduardo Febbro – Carta Maior
 
Paris - As bases do concurso estão abertas: quem é mais medroso, mentiroso ou ladrão? Europa e Estados Unidos se desgarram no imenso quadrilátero que se instalou com a espionagem em escala industrial e planetária realizada pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, a NSA. Após sucessivas revelações sobre a espionagem com que Washington presenteou seus queridos aliados da Alemanha, Espanha e França, o império se lançou ao contra-ataque. O chefe da NSA, o general Keith Alexander, apontou a arma de volta contra os denunciantes e acusou seus amigos da Europa de serem os responsáveis tanto pela espionagem de que são objeto seus cidadãos, como do envio a Washington das informações acessadas.

Com o cinismo cênico ao qual tem nos acostumado, o general Keith Alexander disparou o primeiro projétil quando assegurou, ante a comissão de inteligência do Congresso dos EIA, que os informes divulgados pelos jornais Le Monde e El Mundo “segundo os quais a NSA interceptou milhões de chamadas telefônicas são completamente falsos. Nem os jornalistas nem a pessoa que roubou essa informação sabem o que tem diante de si”. As palavras do general não são de todo falsas, nem de todo verdadeiras. O Le Monde confirmou que a França remeteu informação a NSA por meio de um acordo firmado pelos dois países no final de 2011.

Esse detalhe talvez explique em parte a tímida reação de Paris ante a suculenta massa de informações que os serviços secretos dos Estados Unidos subtraíram da França. O Le Monde revelou que entre 10 de dezembro de 2012 e 8 de janeiro de 2013, a NSA interceptou mais de 70 milhões de chamadas e mensagens de texto de empresas e particulares na França. Keith Alexander precisou ante o Congresso que toda essa informação não corresponde a “cidadãos europeus”, mas sim que “se trata de informação que nós e nossos aliados da OTAN obtivemos conjuntamente para a proteção de nossos países e em apoio a nossas operações militares”.

Depois da espionagem, a rasteira. Em primeiro lugar, uma fonte anônima dos serviços secretos franceses, a DGSE, confirmou ao jornal francês a existência de um protocolo de intercâmbio de informações que entrou em funcionamento no início de 2012. No dia 28 de outubro, o diário alemão Süddeutsche Zeitung revelou que a agência norte-americana e a francesa colaboraram em um programa comum chamado “lustre”. No entanto, este acordo não justifica a elevada quantidade de interceptações operadas pela NSA no território francês.

A França tem, para os serviços de inteligência do mundo, um atrativo particular: os cabos submarinos por onde transitam a maioria dos dados oriundos da África e Afeganistão passam pelas regiões francesas de Marselha e Bretanha. Ambas as zonas são assim zelosamente vigiadas por Paris. A fonte de inteligência citada pelo Le Monde declarou que isso era “uma troca que se instaurou entre a direção da NSA e a DGSE. Damos a eles blocos inteiros sobre essas zonas e eles, em contrapartida, nos dão partes do mundo onde estamos ausentes”.

Deste formidável e hipócrita esquema de espionagem se depreende que os serviços de inteligência se repartem na vigilância do mundo. Segundo o artigo do Le Monde, os dados que Paris entrega a Washington correspondem a cidadãos franceses e estrangeiros residentes nas zonas sob controle francês. A troca entre França e EUA não é a única em vigor. Existe uma espécie de círculo de amigos integrado, entre outros, por Israel, Suécia e Itália onde chegam cabos submarinos de valor estratégico. Há, então, uma clara geografia submarina de cabos grampeados pelos serviços de inteligência das grandes potências.

Isso quer dizer que as comunicações que passam através deles, e que dizem respeito à vida de pessoas e empresas, estão ao alcance dos países centrais. Por conseguinte, todo o jogo comercial e das relações internacionais está grampeado. Fica claro que o presidente socialista François Hollande não fez mais do que uma pura encenação quando interpelou o governo dos EUA sobre a espionagem de que seu país foi objeto. Todos aliados, ao mesmo tempo traidores e vassalos. Le Monde afirma em seu artigo que estes “novos esclarecimentos colocam em questão, antes de tudo, a responsabilidade das autoridades políticas francesas”. A porta-voz do governo francês, Najat Vallaud-Belkacem, considerou “pouco verossímeis” as alegações do general Alexander.

A controvérsia não desculpa em nada a NSA. Muito pelo contrário. Com os documentos entregues pelo ex-agente da CIA e da NSA, Edward Snowden, como prova, Le Monde sustenta que os objetivos de Washington eram, sim, seus próprios aliados. Uma fonte hierárquica da DGSE francesa refuta a ideia de que seus serviços tenham conseguido entregar, em apenas um mês, “70,3 milhões de dados a NSA”. O volume é demasiado alto para esse período. Além disso, o documento fornecido por Snowden diz claramente “contra esse país em particular”.

Contra a França ou outro, dá no mesmo. As potências rivalizam hoje, mas amanhã voltarão a dar as mãos para seguir explorando em benefício próprio os dados do planeta. Comércio, desenvolvimento, negociações internacionais, acesso aos mercados, licitações internacionais, tudo está contaminado pelos intrusos que governam o mundo, governam a rede e os cabos submarinos. É uma autêntica declaração de guerra contra as nações que dispõem de menos recursos, uma metódica e covarde condenação à desigualdade.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
 
Créditos da foto: Le Monde
 

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