António Veríssimo
A propósito do título mais em baixo que consta no já desprezado Página Lusófona. Blogue pessoal que já nem sequer tenho paciência para sustentar com
esta ou aquela prosa mais ou menos medíocre, mais ou menos pertinente. Não há
pachorra para escrever sobre esta cambada que ocupa a presidência da República
e o governo, nem sequer para os que ocupam a Assembleia da República e se dizem
maioria (já foram) chamados deputados. Vulgarmente chamados de chulos e ladrões. Uns mais, outros menos, são aqueles objecto do descrédito da
democracia. Adiante, porque aqui nada consta de novidade.
E sim. Reli uma das
prosas do Página Lusófona. Ainda dos tempos em que ia ao Alentejo já com o
dinheirinho muito contado e poupado. Agora nem para isso dá. Não dá e, pelo
visto, nem no futuro dará se tudo continuar como agora. Dizem os “entendidos”
que em Portugal há retoma, que os indicadores apontam para que tudo está a
recuperar, que os portugueses estão melhor, que Portugal está no caminho certo. Mas,
que raio, apesar de tanta conversa fiada desta elite putrefacta de ganância e filha de putas
(sejam elas salvas), os portugueses continuam a passar fome, a andar a pé
porque nem há dinheiro para as deslocações em transportes (ou se não viajam
ilegalmente e sujeitos a multas que não podem pagar). Tudo está pior. A fome
grassa, o desespero é, cada dia que passa, muito maior. As reformas são uma merda
que não dão para nada. Tudo de essencial aumenta – gás, eletricidade, água,
alimentos, etc., etc. – e eles, os sacanas desde Belém a São Bento, dizem que “estamos
a recuperar e no caminho certo”? Caminho certo para quem? Para eles, os
javardos das elites? Não dá para acreditar porque a realidade é bem diferente e
isso repercute-se em tudo da nossa vida, na vida dos plebeus em Portugal, dos
velhos e dos jovens e crianças que deles dependem e com quem têm de partilhar a
mísera reforma. Nunca na vida perspetivei ter e oferecer aos meus um Natal de verdadeira miséria mas é o que acontece.
Sem nada. Nada. E isto porque uns filhos de puta estão nos poderes ao serviço
daquilo que não é a democracia, nem a justiça, nem o cumprimento dos Direitos
Humanos e outros de que assinaram convenções, nem, e nem... Já só existe um modo de a eles
nos dirigirmos: Puta que vos pariu! Malvados!
Sei bem que este
modo de prosar não é o correto para trazer a público… Mas existem exceções. Creio
ser o caso. É o caso. Em condições piores nesta luta de sobrevivência ainda há
mais por este Portugal vilipendiado pelos mafiosos políticos e aquelas súcias
que os complementam nas ilhargas. Exemplo: os sem-abrigo. Que é para onde
muitos de nós caminhamos. E então? Se não é puta que os pariu é o quê? O
caralho que os foda? Uma bomba nos cornos? Melhor seria que fosse o povo que sofre a pendurá-los nos
candeeiros, mas… Meus amigos, a paciência e a fome têm limites.
E agora a tal prosa retirada do Página Lusófona. Prometido é devido. Desatualizada? Nem por isso,
apesar de datar de 16 de Março do corrente ano.
PORTUGAL, ONDE
TODOS OS DIAS SÃO IGUAIS AO PIOR E AFUNDADOS NO DESESPERO
Hoje é sábado,
amanhã é domingo. Um lugar em que todos os dias são iguais, afundados no
desespero. Na venda do Monturjão entram logo cedo os que precisam de comprar
fiado. Ficam a dever ao Isaías… “por enquanto e e como der”. A fome não é
solução para quem deve e tem de comer todos os dias “nem que seja uma côdea”,
diz Isaías, o dono da venda, com a sua habitual bonomia e amizade por muitos
dos velhos que o viram nascer e crescer. E lá vai fiando ao “ti” Manel, à “ti”
Engrácia, à velhota Pestes e ao Enforcado. Estes dois últimos os muito mais
velhos lá na localidade. Arrastam-se. “A velhota Pestes…” (assim alcunhada por
ser má-língua e causar às vezes desaforos, anda curvada de modo impressionante,
quase de gatas) … já nem tem família. É a última da família, está quase com 100
anos”. Esclarece Isaías. “Qual 100 anos, se tiver 90 já é demais!” Contrapõe o
Enforcado. “Ela anda quasi a ter com a cabeça no chão por cauda do trabalho no
campo, pela monda e por essas e outras. Muito trabalhinho, para agora nada ter
a não ser fome e miséria.” Remata. E vai. Todos vão. Isaías fica a vê-los
enquanto pendura uns tachos de alumínio no expositor que construiu – tachos
unidos por uma corda de sisal e pendurados num prego alojado na parede.
“O Enforcado,
porque tem aquela alcunha?” pergunto-lhe. “Ah, não sabe? Tá bem de ver. Porque
se enforcou além numa oliveira, não longe daqui, nas Cumeirinhas.” Responde
Isaías, e completa. “Foi no tempo desse Cavaco Silva em primeiro-ministro, que
nos fez a vida negra. O homem entrou em desespero e tentou suicidar-se.
Salvou-o um filho que já morreu. Sim senhor.”
Finalmente os
tachos ficam no prego (expositor) nos modos que Isaías queria. Fê-lo com
esforço. Também já não está nada novo. Uns 70 anos com mais de 10 de imigração
em França. O que lhe deu algum dinheiro para “montar a venda – a loja mais
moderna em Monturjão”, como diz, vaidoso. Continua na fala: “Esse Cavaco Silva
também foi um bom malandro em primeiro-ministro. Agora ainda é mais sabido. Os
da raça dele enriqueceram todos. Fartou-se de roubar, o magano. E fez-nos
sofrer até mais não. Houve fome nesses tempos que até estalava. Muitos se
suicidaram por aqui nas redondezas. O Das Silvas, o Trambolho, o Cinco
Alqueires. O Janota, que veio de Lisboa para se pendurar numa oliveira que o
viu nascer. E houve mais. Um malandro, esse Cavaco. Dará contas a Deus?... E
agora é presidente da República. Imaginem só o desaforo. Por isso temos fome,
por isso há tanta miséria. Dali dele e dos da sua laia nunca vem coisa boa.
Prantam-se ali no poderio e zás! Escangalham tudo, roubam, desbaratam e levam
os desesperados a pendurarem-se nas cordas. É assim. Manda quem pode.” Acaba a
fala de Isaías, olhando com tristeza o vazio da paisagem disposta em frente,
com uma estrada em terra e terreno a perder de vista com oliveiras, sob um céu
cinzento chumbo. Muitas oliveiras para os Enforcados.
Monturjão, uma
paisagem qualquer de Portugal, no sul. Portugueses, na miséria. À babuja de
côdeas, quando há. E tantos cavacos a estragarem o miolo do pão, a substância.
Há fome? Há miséria? Há suicídios? Pudera. Porque há cavacos.
Sem comentários:
Enviar um comentário