domingo, 15 de dezembro de 2013

A PACIÊNCIA E A FOME TÊM LIMITES TAMBÉM EM PORTUGAL

 

António Veríssimo
 
A propósito do título mais em baixo que consta no já desprezado Página Lusófona. Blogue pessoal que já nem sequer tenho paciência para sustentar com esta ou aquela prosa mais ou menos medíocre, mais ou menos pertinente. Não há pachorra para escrever sobre esta cambada que ocupa a presidência da República e o governo, nem sequer para os que ocupam a Assembleia da República e se dizem maioria (já foram) chamados deputados. Vulgarmente chamados de chulos e ladrões. Uns mais, outros menos, são aqueles objecto do descrédito da democracia. Adiante, porque aqui nada consta de novidade.
 
E sim. Reli uma das prosas do Página Lusófona. Ainda dos tempos em que ia ao Alentejo já com o dinheirinho muito contado e poupado. Agora nem para isso dá. Não dá e, pelo visto, nem no futuro dará se tudo continuar como agora. Dizem os “entendidos” que em Portugal há retoma, que os indicadores apontam para que tudo está a recuperar, que os portugueses estão melhor, que Portugal está no caminho certo. Mas, que raio, apesar de tanta conversa fiada desta elite putrefacta de ganância e filha de putas (sejam elas salvas), os portugueses continuam a passar fome, a andar a pé porque nem há dinheiro para as deslocações em transportes (ou se não viajam ilegalmente e sujeitos a multas que não podem pagar). Tudo está pior. A fome grassa, o desespero é, cada dia que passa, muito maior. As reformas são uma merda que não dão para nada. Tudo de essencial aumenta – gás, eletricidade, água, alimentos, etc., etc. – e eles, os sacanas desde Belém a São Bento, dizem que “estamos a recuperar e no caminho certo”? Caminho certo para quem? Para eles, os javardos das elites? Não dá para acreditar porque a realidade é bem diferente e isso repercute-se em tudo da nossa vida, na vida dos plebeus em Portugal, dos velhos e dos jovens e crianças que deles dependem e com quem têm de partilhar a mísera reforma. Nunca na vida perspetivei ter e oferecer aos meus um Natal de verdadeira miséria mas é o que acontece. Sem nada. Nada. E isto porque uns filhos de puta estão nos poderes ao serviço daquilo que não é a democracia, nem a justiça, nem o cumprimento dos Direitos Humanos e outros de que assinaram convenções, nem, e nem... Já só existe um modo de a eles nos dirigirmos: Puta que vos pariu! Malvados!
 
Sei bem que este modo de prosar não é o correto para trazer a público… Mas existem exceções. Creio ser o caso. É o caso. Em condições piores nesta luta de sobrevivência ainda há mais por este Portugal vilipendiado pelos mafiosos políticos e aquelas súcias que os complementam nas ilhargas. Exemplo: os sem-abrigo. Que é para onde muitos de nós caminhamos. E então? Se não é puta que os pariu é o quê? O caralho que os foda? Uma bomba nos cornos? Melhor seria que fosse o povo que sofre a pendurá-los nos candeeiros, mas… Meus amigos, a paciência e a fome têm limites.
 
E agora a tal prosa retirada do Página Lusófona. Prometido é devido. Desatualizada? Nem por isso, apesar de datar de 16 de Março do corrente ano.
 
PORTUGAL, ONDE TODOS OS DIAS SÃO IGUAIS AO PIOR E AFUNDADOS NO DESESPERO
 
Hoje é sábado, amanhã é domingo. Um lugar em que todos os dias são iguais, afundados no desespero. Na venda do Monturjão entram logo cedo os que precisam de comprar fiado. Ficam a dever ao Isaías… “por enquanto e e como der”. A fome não é solução para quem deve e tem de comer todos os dias “nem que seja uma côdea”, diz Isaías, o dono da venda, com a sua habitual bonomia e amizade por muitos dos velhos que o viram nascer e crescer. E lá vai fiando ao “ti” Manel, à “ti” Engrácia, à velhota Pestes e ao Enforcado. Estes dois últimos os muito mais velhos lá na localidade. Arrastam-se. “A velhota Pestes…” (assim alcunhada por ser má-língua e causar às vezes desaforos, anda curvada de modo impressionante, quase de gatas) … já nem tem família. É a última da família, está quase com 100 anos”. Esclarece Isaías. “Qual 100 anos, se tiver 90 já é demais!” Contrapõe o Enforcado. “Ela anda quasi a ter com a cabeça no chão por cauda do trabalho no campo, pela monda e por essas e outras. Muito trabalhinho, para agora nada ter a não ser fome e miséria.” Remata. E vai. Todos vão. Isaías fica a vê-los enquanto pendura uns tachos de alumínio no expositor que construiu – tachos unidos por uma corda de sisal e pendurados num prego alojado na parede.
 
“O Enforcado, porque tem aquela alcunha?” pergunto-lhe. “Ah, não sabe? Tá bem de ver. Porque se enforcou além numa oliveira, não longe daqui, nas Cumeirinhas.” Responde Isaías, e completa. “Foi no tempo desse Cavaco Silva em primeiro-ministro, que nos fez a vida negra. O homem entrou em desespero e tentou suicidar-se. Salvou-o um filho que já morreu. Sim senhor.”
 
Finalmente os tachos ficam no prego (expositor) nos modos que Isaías queria. Fê-lo com esforço. Também já não está nada novo. Uns 70 anos com mais de 10 de imigração em França. O que lhe deu algum dinheiro para “montar a venda – a loja mais moderna em Monturjão”, como diz, vaidoso. Continua na fala: “Esse Cavaco Silva também foi um bom malandro em primeiro-ministro. Agora ainda é mais sabido. Os da raça dele enriqueceram todos. Fartou-se de roubar, o magano. E fez-nos sofrer até mais não. Houve fome nesses tempos que até estalava. Muitos se suicidaram por aqui nas redondezas. O Das Silvas, o Trambolho, o Cinco Alqueires. O Janota, que veio de Lisboa para se pendurar numa oliveira que o viu nascer. E houve mais. Um malandro, esse Cavaco. Dará contas a Deus?... E agora é presidente da República. Imaginem só o desaforo. Por isso temos fome, por isso há tanta miséria. Dali dele e dos da sua laia nunca vem coisa boa. Prantam-se ali no poderio e zás! Escangalham tudo, roubam, desbaratam e levam os desesperados a pendurarem-se nas cordas. É assim. Manda quem pode.” Acaba a fala de Isaías, olhando com tristeza o vazio da paisagem disposta em frente, com uma estrada em terra e terreno a perder de vista com oliveiras, sob um céu cinzento chumbo. Muitas oliveiras para os Enforcados.
 
Monturjão, uma paisagem qualquer de Portugal, no sul. Portugueses, na miséria. À babuja de côdeas, quando há. E tantos cavacos a estragarem o miolo do pão, a substância. Há fome? Há miséria? Há suicídios? Pudera. Porque há cavacos.
 

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