Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
Prepare-se: esta
será uma terça-feira marcada pela gabarolice do Poder em torno da
confiabilidade a ser-lhe alegadamente outorgada pelos mercados internacionais.
Não dispondo de um cêntimo para mandar cantar um cego, o país vai usar uma
técnica conhecida: empurrar com a barriga uma parcela da dívida de curto prazo.
As obrigações de pagamento de 26,9 mil milhões no período 2014/2015 serão
arrastadas para 2017/2018 graças à compreensão dos credores e em troca, dirão
os especialistas, de um juro "tolerável". Apesar de tudo.
Longe das batalhas
políticas de corredor, será entretanto aconselhável relativizar as previsíveis
hossanas audíveis.
É verdade, haverá
um alívio no calendário da dívida - mas ela permanecerá, a acumular mais despesa
com juros.
Embora em parte
caricatural, o comum dos mortais conhece as regras aplicadas pelos credores aos
devedores. Uma bagatela de dívida repercute-se em mais e mais exigências de
cumprimento dos prazos acordados; pelo contrário, sob pena de um estouro
monumental da entidade que concede empréstimo, uma enormidade de dívida leva a
mil cuidados de tratamento - muitas vezes só faltando meter o incumpridor numa
estufa, não vá uma corrente de ar mandá-lo para outro mundo antes de ter
hipótese de satisfazer financiamentos recebidos. Do quotidiano basta ter
presente a quantidade de alcatifas vermelhas postas à disposição de devedores
de milhões à Banca na tentativa de que mais tarde do que cedo eles cumpram
acordos e seja possível fintar imparidades....
Não nos deixemos
enganar: o "rolar" da dívida não resolve nada; adia apenas os
problemas.
Montada nos
bastidores, e por isso condenada previsivelmente ao sucesso, a operação
anunciada para hoje será, quando muito, uma parcela de alívio de curto prazo,
introduzindo mais e mais pressão no médio e longo prazo. E esse é o ponto de um
erro estratégico vulgar nos últimos anos do país: transferir obrigações para
fases posteriores, desanuviando o presente mas carregando de nuvens o futuro.
No caso em apreço,
é razoável considerar a situação excecional por que passa Portugal como
justificativa de uma operação de troca de dívida por dívida. A transferência de
responsabilidades por mais três anos, agregando-as a outras, só pode ser boa se
o pouquíssimo campo de manobra adquirido for realmente aproveitado para
introduzir mudanças de choque no comportamento económico do país e através das
quais seja possível aliviar pacotes draconianos de austeridade.
O bom método a
aplicar será esse; o mais previsível, mas pouco produtivo, é entretanto o da
criação de uma pequena bolsa de resistência suplementar do Governo, ajudando-o
a chegar ao final de mandato sob o lema do quem vier atrás que feche a porta.
Ou apague a luz.
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