terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Portugal: A DÍVIDA, A BARRIGA E A PORTA

 


Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
 
Prepare-se: esta será uma terça-feira marcada pela gabarolice do Poder em torno da confiabilidade a ser-lhe alegadamente outorgada pelos mercados internacionais. Não dispondo de um cêntimo para mandar cantar um cego, o país vai usar uma técnica conhecida: empurrar com a barriga uma parcela da dívida de curto prazo. As obrigações de pagamento de 26,9 mil milhões no período 2014/2015 serão arrastadas para 2017/2018 graças à compreensão dos credores e em troca, dirão os especialistas, de um juro "tolerável". Apesar de tudo.
 
Longe das batalhas políticas de corredor, será entretanto aconselhável relativizar as previsíveis hossanas audíveis.
 
É verdade, haverá um alívio no calendário da dívida - mas ela permanecerá, a acumular mais despesa com juros.
 
Embora em parte caricatural, o comum dos mortais conhece as regras aplicadas pelos credores aos devedores. Uma bagatela de dívida repercute-se em mais e mais exigências de cumprimento dos prazos acordados; pelo contrário, sob pena de um estouro monumental da entidade que concede empréstimo, uma enormidade de dívida leva a mil cuidados de tratamento - muitas vezes só faltando meter o incumpridor numa estufa, não vá uma corrente de ar mandá-lo para outro mundo antes de ter hipótese de satisfazer financiamentos recebidos. Do quotidiano basta ter presente a quantidade de alcatifas vermelhas postas à disposição de devedores de milhões à Banca na tentativa de que mais tarde do que cedo eles cumpram acordos e seja possível fintar imparidades....
 
Não nos deixemos enganar: o "rolar" da dívida não resolve nada; adia apenas os problemas.
 
Montada nos bastidores, e por isso condenada previsivelmente ao sucesso, a operação anunciada para hoje será, quando muito, uma parcela de alívio de curto prazo, introduzindo mais e mais pressão no médio e longo prazo. E esse é o ponto de um erro estratégico vulgar nos últimos anos do país: transferir obrigações para fases posteriores, desanuviando o presente mas carregando de nuvens o futuro.
 
No caso em apreço, é razoável considerar a situação excecional por que passa Portugal como justificativa de uma operação de troca de dívida por dívida. A transferência de responsabilidades por mais três anos, agregando-as a outras, só pode ser boa se o pouquíssimo campo de manobra adquirido for realmente aproveitado para introduzir mudanças de choque no comportamento económico do país e através das quais seja possível aliviar pacotes draconianos de austeridade.
 
O bom método a aplicar será esse; o mais previsível, mas pouco produtivo, é entretanto o da criação de uma pequena bolsa de resistência suplementar do Governo, ajudando-o a chegar ao final de mandato sob o lema do quem vier atrás que feche a porta. Ou apague a luz.
 

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