Tomás Vasques –
jornal i, opinião
O discurso de Ano
Novo do senhor Presidente da República roçou o patético porque, ao contrário de
todos os seus antecessores, esvazia as funções que a Constituição lhe atribui
É pública e notória
a obsessão deste governo, no cumprimento da sua estratégia de empobrecimento
dos portugueses e do país, em perseguir particularmente dois grupos de
cidadãos: os reformados e os funcionários públicos, como quem noutros tempos
perseguia bruxas e hereges. Estes são os principais bodes expiatórios de uma
punição religiosamente seguida: diminuir-lhes as reformas e salários, puni--los
com impostos extraordinários e outras artimanhas que lhes baixem
definitivamente o rendimento familiar ou os lancem para sempre no desemprego e
na miséria.
Depois da
declaração de inconstitucionalidade da "convergência de pensões" dos
sistemas público e privado, tal como foi formulada, o governo apressou-se a
apresentar as "medidas alternativas" que repusessem a prevista
poupança de 388 milhões de euros. Como não podia deixar de ser, tais medidas
vieram recair, outra vez, sobre os reformados, aumentando a incidência do
imposto extraordinário sobre as pensões de reforma, agora a partir dos mil
euros, e aumentando a contribuição dos funcionários públicos para a ADSE. Estas
medidas "alternativas" cheiram a um revanchismo persecutório de que o
ainda primeiro-ministro é useiro e vezeiro: só queríamos diminuir as pensões de
reformas do sector público, mas como o tribunal Constitucional não permitiu,
teremos de reduzir as pensões de todos os reformados, dos sistemas público e
privado.
Esta sanha, esta
insensibilidade social revela-se tão evidente que, ao mesmo tempo que essas
medidas foram anunciadas, pelo ministro Marques Guedes, numa conferência de
imprensa recheada de "recalibragens" e outros eufemismos da nova
linguagem do poder, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio,
informava que a regularização de dívidas fiscais e à Segurança Social, que
decorreu em Novembro e Dezembro de 2013, tinha permitido ao Estado arrecadar
mais de mil e duzentos milhões de euros, quando a previsão era de setecentos
milhões de euros. O que significou mais de quinhentos milhões de euros do que o
objectivo traçado pelo governo. Só este facto era suficiente, mesmo que as suas
consequências se reportem à descida do défice ao ano de 2013, para evitar mais
esta punição sobre os reformados e os funcionários públicos. Mas, para este
governo, o que está em causa não é o cumprimento dos défices, fixados pela
troika, mas sobretudo o empobrecimento da maioria dos portugueses para agradar
a credores e mercados, de quem se sente mandatário.
Nestas
circunstâncias (de termos um governo que afronta, todos os dias,
deliberadamente, a maioria dos portugueses), o discurso de Ano Novo do senhor
Presidente da República roçou o patético, não só porque, ao contrário de todos
os seus antecessores, esvazia as funções que a Constituição lhe atribui, ao
colocar-se completamente ao serviço das desastrosas políticas do governo, mas
também porque a sua voz perdeu toda e qualquer autoridade política que o cargo
lhe conferia. É doloroso, para quem acredita na democracia, ouvir o "mais
alto magistrado da Nação" cair no ridículo de apelar a "consensos",
que se resumem a atrelar o Partido Socialista a esta política de terra queimada
e ao inevitável "programa cautelar" que se seguirá ao actual resgate.
Definitivamente, a "má moeda" circula entre São Bento e Belém,
tornando irrelevante o cargo de Presidente da República, o que desequilibra os
pratos da balança da arquitectura constitucional que enforma a nossa
fragilizada democracia. E vamos caminhar, assim, sem apelo, mas com muitos
agravos, pelo menos, até às próximas eleições legislativas.
Jurista - Escreve à segunda-feira
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