A violência urbana
está no topo da lista de preocupações dos venezuelanos e até o número de crimes
é alvo de disputa entre governo e oposição
Marsílea Gombata
– Carta Capital
As mortes de três
manifestantes durante os protestos em Caracas, na Venezuela, na quarta-feira
12, são apenas um indicativo de um problema que faz, cada vez mais, parte do
cotidiano dos venezuelanos: a violência urbana.
A criminalidade
ocupa o topo da lista de preocupações na Venezuela. Desde 2003, a população não
é informada sobre qualquer cifra oficial a respeito da quantidade de homicídios
no país. Os números, segundo a ONG Observatório Venezuelano de Violência (OVV),
chegaram a um patamar alarmante: em 2013 o país encerrou o ano com uma taxa de
24.763 mortes violentas, o equivalente a 79 mortos para cada 100 mil
habitantes. No Brasil, os últimos dados do Mapa da Violência 2013 indicam que o
País mantém uma taxa de 20,4 homicídios por cada 100 mil habitantes, sendo
36.792 assassinadas a tiros em 2010.
A OVV é o único
instituto local que atualiza os números da violência anualmente, mas é acusado
de ser anti-chavista. Em um país polarizado, e sem estatísticas oficiais, a
criminalidade é mais um tema a dividir governo e oposição. Isso ficou claro no
acirrado debate surgido após a violência de quarta-feira 12 quando, além das
três mortes, foram registrados 30 feridos e as prisões de 30 estudantes.
O sociólogo Roberto
Briceño-León, do OVV, afirma que a Venezuela passa por um “processo de
politização de suas polícias, assim como seu desprestígio”. “O governo
teoricamente não confiou nas polícias e delas tirou sua capacidade de atuar.
Assim, acabou desarmando-as quando achou conveniente, em estados controlados
pela oposição”, explica ao citar casos como Caracas, Zulia, Táchira e Miranda,
governada pelo opositor Henrique Capriles Radonski, rival de Chávez na eleição
de outubro de 2012.
O que explicaria
essa “crise institucional” seria o que o diretor da ONG classifica como uma
quebra do “pacto social”. “As normas e leis não valem mais como reguladores da
vida social. Soma-se a isso a impunidade generalizada”, avalia. “Para se ter
ideia, em 1998 para cada 100 homicídios tivemos 118 detenções, enquanto hoje em
dia são oito detenções para cada 100 assassinatos. Isso significa que em mais
de 91% dos casos não há qualquer julgamento ou detenção.”
Por trás da troca
de acusações entre chavistas e opositores existem, no entanto, problemas que
transcendem o cenário político atual. Especialista em ciências jurídicas e
políticas, o professor da Universidade Central da Venezuela Andrés Antillano
explica que o clima violento em Caracas e na Venezuela de modo geral remonta à
década de 1990. Foi neste período que a onda de neoliberalismo agravou o
empobrecimento e a desigualdade social em toda a América Latina. Antillano
lembra, entretanto, que enquanto cidades venezuelanas viram seus índices de
violência crescer, em metrópoles como São Paulo as políticas de segurança pública,
o desarmamento e o monopólio sobre a venda de drogas por grupos organizados
contribuíram para a diminuição das taxas. “A violência no Brasil é mais
instrumental e tem mais a ver com grupos organizados. Então, paradoxalmente, o
fortalecimento de grupos organizados tem diminuído os números de crimes e
violência nas grandes cidades”, observou ao citar o crescimento do PCC, que hoje mantém controle sobre 90% do total de 200 mil
presos e o monopólio do mercado de drogas.
Briceño-León, da
OVV, era um duro crítico do governo de Hugo Chávez, morto em março de 2013, e
não chega a elogiar seu sucessor, Nicolás Maduro, mas diz ver como positivas
três iniciativas do novo governo. A primeira é a aprovação de uma legislação de
desarmamento. O texto prevê o porte de armas apenas sob autorização, mas
encontra dificuldades para ser aplicado. No fim de janeiro, o ministro do
Interior, Justiça e Paz venezuelano, Miguel Rodríguez Torres, prometeu analisar
a questão e afirmou que ao menos 5,5 mil armas originárias de civis com porte
legal estariam hoje nas mãos de delinquentes.
A segunda mudança
posterior à morte de Chávez é o envio de militares para fazer a segurança – ao
lado do Corpo de Investigações (espécie de Polícia Civil), a Polícia Militar, a
Guarda Nacional e a Polícia Nacional Bolivariana –, por meio do Plano Pátria
Segura. Somente em Caracas, desde que o plano entrou em vigor em maio de 2013,
foram 3 mil militares enviados para as ruas. “Existe uma maior sensação de
segurança entre as pessoas, o que não torna, no entanto, a situação menos
grave”. Um terceiro elemento de mudança seria ainda a tentativa de cooperação
do governo federal com estados e municípios, na busca pela “despolitização da
política de segurança pública”.
As manifestações
desta semana devem, entretanto, acirrar o clima político na Venezuela e
dificultar a melhoria da situação. Enquanto opositores culpam o governo Maduro
pelas mortes nos protestos de quarta-feira 12, autoridades responsabilizam a
ala mais radical da oposição – integrada por Leopoldo López, a deputada Maria
Corina Machado e o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma – pelos violentos
confrontos.
Depois de o
chanceler Elías Jaua responsabilizar López pelos distúrbios no Twitter – com
frases como “O fascismo se corta pela cabeça. Nossa pátria merece paz e vida.
Leopoldo López assassino! Justiça já!” – a juíza Ralenys Tovar Guillén aceitou
a petição que pede a detenção do ex-prefeito de Chacao e ordenou ao Serviço
Bolivariano de Inteligência (Sebin) inspecionar sua residência. A Justiça
ordenou ainda as detenções de Iván Carratú Molina e Fernando Gerbassi,
vice-almirante aposentado e ex-diplomata de oposição respectivamente, por serem
“autores intelectuais” dos protestos de quarta-feira 12.
Foto: Leo
Ramirez-AFP
Sem comentários:
Enviar um comentário