quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Portugal: MIRÓ, FUTRE E OS FIDALGOS ARRUINADOS

 


Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
 
Quatro mil milhões? Cinco mil milhões? Ou mais? Estão por fechar as contas dos prejuízos provocados ao erário público por um bando de vigaristas acolitados durante anos no Banco Português de Negócios (BPN) e cujas burlas, apesar de denunciadas nas suas linhas gerais em várias ocasiões, passaram em branco à inteligência agrupada no supervisor Banco de Portugal, então liderado pelo cérebro proeminente de Vítor Constâncio. Tarde e a más horas, o fim da linha das malfeitorias pela via da nacionalização repercute-se no bolso de cada um de nós e sob um terrível efeito adicional: o julgamento das vigarices arrasta-se pelos tribunais - e sem fim à vista. O caso BPN contém, evidentemente, uma multiplicidade de episódios lamentáveis. Discursa-se ao som da dança mais conveniente, como se o equilibrismo não tropeçasse em contradições.
 
A celeuma em curso sobre o destino a dar a 85 obras do pintor catalão Joan Miró, acervo do ex-BPN na posse do Estado, é o mais recente exemplo de um país gerido na base de decibéis de oportunismo. O presidente da República fez, ontem, a leitura correta ao considerar que os quadros de Miró "transformaram-se numa arma de arremesso na luta político-partidária".
 
São de gritos os episódios em volta do leilão das obras de Miró em Londres, pela Cristhie's. Se o Governo foi incapaz de explicar em tempo as razões pelas quais os milhões a obter pela venda das obras fazem sentido, a Oposição e alguns grupelhos ainda ficam pior na fotografia quando resolvem encetar (mais uma) batalha judicial a horas da abertura do leilão e insistem, insistem, num certo microcosmos segundo o qual o ideal é dispor do melhor de dois mundos. Isto é: clamar contra os prejuízos causados pelas falcatruas do BPN e, simultaneamente, não pretender atenuá-los tendo por base o pouco património sobrante.
 
É inequívoco: uma nação que se preze não deve desbaratar o seu património, artístico ou de outra natureza. Convém é dispor de condições para o evitar - e o orgulho da posse das obras de Miró não encaixa bem na enormíssima austeridade pedida aos cidadãos, cortando-lhes subsídios de desemprego ou de pensões, abono de família e por aí fora.
 
A desastrada postura do Governo nas explicações para a venda dos quadros não elimina, pois, o igual desastre oportunista de uma certa clique do país, a fazer lembrar os fidalgos arruinados, disponíveis para ostentar num dedo um anel de diamantes brasonado, mas sem dinheiro para mandar cantar um cego - ao ponto de terem de fechar partes do palacete por estarem a cair aos bocados!
 
De repente, os defensores da manutenção dos quadros de Miró no erário público até já parecem inspirados em... Paulo Futre. É de truz o argumento de que é possível potenciar economicamente os quadros de Miró através de atração de mais e mais turistas. Só falta visionarem, como Futre fez em eleições para o Sporting, que "vão vir muitos charters" - de chineses, sabe-se lá?! - para apreciarem as obras do pintor catalão!
 
Já agora, imagina-se: depois de fruírem as pinturas de Joan Miró, os turistas abarrotadores de aviões até podem deslocar-se a vários pontos do país para verem como os mais variados monumentos nacionais estão em ruínas sem que se oiça um simples "ai" da esquizofrenia argumentativa em curso contra a venda.
 
Já não há pachorra....
 

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