Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
Quatro mil milhões?
Cinco mil milhões? Ou mais? Estão por fechar as contas dos prejuízos provocados
ao erário público por um bando de vigaristas acolitados durante anos no Banco
Português de Negócios (BPN) e cujas burlas, apesar de denunciadas nas suas linhas
gerais em várias ocasiões, passaram em branco à inteligência agrupada no
supervisor Banco de Portugal, então liderado pelo cérebro proeminente de Vítor
Constâncio. Tarde e a más horas, o fim da linha das malfeitorias pela via da
nacionalização repercute-se no bolso de cada um de nós e sob um terrível efeito
adicional: o julgamento das vigarices arrasta-se pelos tribunais - e sem fim à
vista. O caso BPN contém, evidentemente, uma multiplicidade de episódios
lamentáveis. Discursa-se ao som da dança mais conveniente, como se o
equilibrismo não tropeçasse em contradições.
A celeuma em curso
sobre o destino a dar a 85 obras do pintor catalão Joan Miró, acervo do ex-BPN
na posse do Estado, é o mais recente exemplo de um país gerido na base de
decibéis de oportunismo. O presidente da República fez, ontem, a leitura
correta ao considerar que os quadros de Miró "transformaram-se numa arma
de arremesso na luta político-partidária".
São de gritos os
episódios em volta do leilão das obras de Miró em Londres, pela Cristhie's. Se
o Governo foi incapaz de explicar em tempo as razões pelas quais os milhões a
obter pela venda das obras fazem sentido, a Oposição e alguns grupelhos ainda
ficam pior na fotografia quando resolvem encetar (mais uma) batalha judicial a
horas da abertura do leilão e insistem, insistem, num certo microcosmos segundo
o qual o ideal é dispor do melhor de dois mundos. Isto é: clamar contra os
prejuízos causados pelas falcatruas do BPN e, simultaneamente, não pretender
atenuá-los tendo por base o pouco património sobrante.
É inequívoco: uma
nação que se preze não deve desbaratar o seu património, artístico ou de outra
natureza. Convém é dispor de condições para o evitar - e o orgulho da posse das
obras de Miró não encaixa bem na enormíssima austeridade pedida aos cidadãos,
cortando-lhes subsídios de desemprego ou de pensões, abono de família e por aí
fora.
A desastrada
postura do Governo nas explicações para a venda dos quadros não elimina, pois,
o igual desastre oportunista de uma certa clique do país, a fazer lembrar os
fidalgos arruinados, disponíveis para ostentar num dedo um anel de diamantes
brasonado, mas sem dinheiro para mandar cantar um cego - ao ponto de terem de
fechar partes do palacete por estarem a cair aos bocados!
De repente, os
defensores da manutenção dos quadros de Miró no erário público até já parecem
inspirados em... Paulo Futre. É de truz o argumento de que é possível potenciar
economicamente os quadros de Miró através de atração de mais e mais turistas.
Só falta visionarem, como Futre fez em eleições para o Sporting, que "vão
vir muitos charters" - de chineses, sabe-se lá?! - para apreciarem as
obras do pintor catalão!
Já agora,
imagina-se: depois de fruírem as pinturas de Joan Miró, os turistas
abarrotadores de aviões até podem deslocar-se a vários pontos do país para
verem como os mais variados monumentos nacionais estão em ruínas sem que se
oiça um simples "ai" da esquizofrenia argumentativa em curso contra a
venda.
Já não há
pachorra....
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