O fim da pena de
morte na Guiné Equatorial causa descrédito em Portugal. A oposição lusa critica
a decisão de Lisboa em apoiar a adesão da Guiné Equatorial à CPLP por
interesses económicos envolvendo bancos portugueses.
Ana Lúcia Sá,
investigadora portuguesa ligada ao Centro de Estudos Africanos do Instituto
Universitário de Lisboa (ISCTE), não acredita que a Guiné Equatorial irá deixar
de violar os direitos humanos, depois do Governo de Malabo ter tornado público
que assinou a 13 de fevereiro último o decreto número 426/2014, pelo qual se
concede a amnistia temporária contra a pena de morte.
Ana Lúcia Sá vinca as diferenças: "A pena de morte poderá estar suspensa,
não é o mesmo que estar abolida. Mas isso não impede que a impunidade continue
a existir na Guiné Equatorial e que mortes estranhas continuem a acontecer como
nos últimos anos."
Há cerca de duas semanas, a investigadora denunciou num diário português nove
recentes casos de pessoas executadas sumariamente naquele país, sem direito a
uma apelação.
Malabo ainda tem de
fazer o trabalho de casa
Ana Lúcia Sá
questiona agora a declaração proferida esta quarta-feira (05.03) por Alfonso
Nsue Mokuy, terceiro vice-primeiro-ministro encarregado dos direitos humanos na
Guiné Equatorial, ao confirmar perante o Conselho das Nações Unidas em Genebra,
na Suíça, a assinatura pelo Governo do Presidente Teododo Obiang Nguema de um
decreto contra a pena de morte.
Para a investigadora, esta decisão está longe da exigência de uma moratória,
antes defendida por Portugal, como uma das condições para o país de língua
hispânica, com estatuto de observador, vir a ser admitido como membro de pleno
direito da Comunidade de Língua Portuguesa, CPLP.
Ana Lúcia Sá lembra
que o avanço de Malabo ainda não corresponde ao desejado. "Supõe-se que a
pena de morte devia ser abolida definitivamente na Guiné Equatorial para uma
entrada na CPLP, mas de facto esta resolução 426 do Presidente Teodoro Obiang
não vai ao encontro das exigências da CPLP. Não creio que as situações, tanto a
nível dos direitos humanos, como do Português melhorem", declarou.
Lisboa vê com bons
olhos avanço de Malabo
Também em Genebra, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete,
afirmou que "a abolição da pena de morte é um passo muitíssimo
importante", admitindo que a entrada da Guiné Equatorial na CPLP pode
aproximar o país de parâmetros de um Estado de direito.
A decisão final
sobre a admissão será tomada em Díli, Timor-Leste, na cimeira dos chefes de
Estados e de Governo da CPLP, prevista para julho deste ano.
Semana depois do
Conselho de Ministros da Comunidade, realizada no mês passado em Maputo,
Moçambique, a deputada do Bloco de Esquerda (BE) Helena Pinto pediu no
Parlamento o veto de Portugal à adesão da Guiné Equatorial ao bloco lusófono:
"Espero bem que seja possível discuti este tema e ser possível reverter
esta situação, porque Portugal tem direito de veto e não deve abdicar de o
exercer."
Numa carta aberta, recentemente endereçada ao primeiro-ministro português, o
ativista político guineo-equatoriano Samuel Mombe criticou com indignação a
hipocrisia do Governo de Lisboa ao ter dado aval à pretensão do Executivo de
Obiang Nguema em fazer parte da CPLP.
Por outro lado, tal
como a oposição socialista, o Bloco de Esquerda alinha igualmente à pressão
contra a eventual entrada de empresas estatais da Guiné-Equatorial no capital
do Banco Internacional do Funchal (BANIF), mas também no Milleniumm BCP, banco
português controlado pela petrolifera estatal angolana, Sonangol.
Negócios acima do
bem e do mal?
Ana Lúcia Sá
questiona, de igual modo, a abertura da CPLP a estes investimentos e a países
extra-comunitários. "Porque não a China também? Macau é uma província da
China", observa. "Agora se isso reverter para que os cidadãos da CPLP
compreendam também o que é a CPLP, pelo menos que haja um debate público e que
os nossos governantes não façam da CPLP o seu nicho de bons negócios",
sublinha ainda.
A investigadora, que esteve em 2010 na Guiné Equatorial no âmbito de uma ação de
cooperação organizada pelos centros culturais espanhóis de Bata e Malabo sobre literaturas
africanas, disse à DW África que não se apercebeu alí do real interesse para a
implementação do ensino do português.
"Creio que
estas duas questões [a violação dos direitos humanos e o ausência do ensino do
português] são fundamentais, também para as pessoas que na Guiné Equatorial se
opõem à entrada na CPLP, porque acham que é apenas mais um capricho do
Presidente Teodoro Obiang que não vai reverter em nada na melhoria das
condições de vida da população».
O relatório de 2013 do Departamento de Estado norte-americano sobre direitos
humanos, divulgado em finais de fevereiro último, foi claro ao referir que a
Guiné-Equatorial vive sem liberdade e sob ameaça de mortes arbitrárias, tortura
e uso de força praticados pelas autoridades.
Deutsche Welle - Autoria João
Carlos (Lisboa)
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