Jornal de Angola -
editorial
Os centros urbanos
que herdámos do colonialismo eram tão precários que nenhum tinha saneamento
básico digno desse nome. Mas todos ostentavam nas periferias bairros degradados
com casebres infectos e sem serviços básicos.
Basta olhar para as
nossas antigas vilas e cidades, algumas com séculos de existência, para termos
a certeza de que aos angolanos apenas restava combater o regime que construiu
uma Angola tão precária.
Hoje estamos a construir novas cidades com infra-estruturas modernas. As
centralidades da província de Luanda e de outras províncias têm saneamento
básico, redes de água, luz e telecomunicações, arruamentos, acessibilidades,
iluminação pública, equipamentos desportivos, zonas verdes, escolas, centros de
saúde, postos de polícia, terminais de transportes públicos. Nada de
extraordinário. É mesmo assim que se constroem as cidades. No passado é que não
existia nada disso, como se vê hoje em Luanda e todos os outros grandes, médios
e pequenos centros urbanos do litoral. Quanto ao interior, nem é bom falar.
As novas cidades que construímos vivem com as antigas e algumas têm séculos de
existência. Aos urbanistas compete conciliar as zonas históricas com as áreas
de crescimento onde nasceram as modernas. Os gestores das nossas cidades têm a
missão de dotar as velhas urbes das infra-estruturas que nunca tiveram ou se
tornaram obsoletas com o decorrer dos anos. Ou as que, pela excessiva pressão
humana, estão degradadas. Quase todas chegam ao fim de vida muito antes do
prazo, porque não têm manutenção ou os beneficiários fazem mau uso delas.
Quando não são arruinadas pelo uso abusivo.
O responsável da EPAL fez uma revelação que devia ter suscitado um sobressalto
cívico em todos os luandenses. Ou pelo menos naqueles que estão na política e
representam os eleitores angolanos na Assembleia Nacional. Enormes quantidades
de água são roubadas da rede. Os autores destes crimes violam as condutas e
fazem deles, aquilo que é de todos. Os cidadãos que assistem aos roubos nem
sequer os denunciam. Mas quando lhe falta a água em casa, reclamam.
O mesmo se passa com a situação precária em que vivem milhares de luandenses. Habitam
autênticos tugúrios, sem as menores condições. Ninguém se preocupa com isso. Se
chove um pouco mais, as barracas ficam inundadas ou os tectos voam. Nessa
altura aparecem os defensores do bem-estar do povo. Quando as autoridades
procedem à demolição desses casebres, oes paladinos dos direitos humanos logo
saltam para a arena exigindo que as barracas fiquem intactas, à espera das
próximas enxurradas.
O Governo criou uma bolsa de terrenos para acabar com a especulação
imobiliária, que já atingia as raias do absurdo. Há reservas fundiárias em
todos os municípios. Os distraídos que se apresentam como paladinos dos
direitos humanos instigam as pessoas a ocuparem os terrenos.
Da noite para o dia surgem mais casebres. Em pouco tempo formam mais bairros
sem as mínimas condições de habitabilidade. Esses abusos inviabilizam programas
habitacionais e projectos urbanísticos que visam garantir a todos os angolanos
uma habitação digna. Os que vivem do oportunismo e da trapaça política registam
mais umas quantas vitórias, à custa desgraça alheia. Quando chove um pouco
mais, aparecem a instigar as pessoas contra as autoridades, porque não
garantiram condições nos bairros ilegais que foram construídos à margem de
todas as regras. É um círculo vicioso que tem de chegar ao fim. E para que isso
aconteça, todos temos que nos mobilizar contra os que vivem nas águas turvas e
apostam no quanto pior melhor.
As novas centralidades são exemplares. Onde antes apenas existia mato, hoje
temos cidades modernas, com todas as infra-estruturas que dão expressão à
qualidade de vida. Os projectos de requalificação urbana são fundamentais para
que as velhas vilas e cidades tenham condições de habitabilidade. Temos de
acabar com os bairros desordenados e com as casas precárias. Não podemos
continuar a pactuar com aqueles que fazem ligações de luz ilegais ou roubam a
água das condutas. Se queremos cidades organizadas e com qualidade de vida,
temos de recusar os velhos métodos do “desenrasca” e adoptar o civismo como
modo de vida.
Enquanto nas grandes cidades não imperarem regras que todos têm de cumprir,
vamos ter sempre desgraças quando chove um pouco mais. A água e a luz vão
sempre faltar. A rede viária será sempre tão precária como as nossas vidas, em
centros urbanos sem higiene, sem espaços verdes, sem água e luz, sem saneamento
básico. As nossas cidades são o que nós quisermos. E todos devemos querer uma
vida digna em centros urbanos com qualidade.
As ocupações selvagens de terrenos não podem continuar. A construção de
casebres não pode ser tolerada. As casas construídas sem projectos, sendo
ilegais, devem ser demolidas. A autoridade do Estado tem de chegar ao caos
urbanístico e impedir que ele progrida e prospere. Mas este trabalho também diz
respeito a todos os cidadãos. Ninguém pode ficar de fora.
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