O professor John
Volmink considerou que a morte de Nelson Mandela foi seguida pelo “receio” de
que “o caos” se instalasse na África do Sul, mas tal “não aconteceu” e hoje o
país tem “muitos Mandelas”.
Em entrevista à Lusa, em Lisboa, onde está para participar nos trabalhos de
criação de uma rede internacional de Academias Ubuntu, o professor
universitário sul-africano apresentou-se como “um micro-mandela”, que tenta
“continuar a construir o sonho” do histórico líder negro contra o apartheid.
“Hoje, há muitos, muitos Mandelas na África do Sul”, garantiu, reconhecendo que
“havia muito receio que, uma vez que Mandela partisse, se instalasse o caos e
as pessoas se matassem umas às outras”. Porém, “isso não aconteceu”, o que
confirmou a "verdadeira liderança” de Mandela.
“Os piores líderes são os temidos, os líderes bons são admirados, mas os
melhores líderes são os que, terminado o seu trabalho, levam as pessoas a dizer
‘conseguimos’. Agora, nós não pensamos em Mandela diariamente, mas o espírito
dele vive em nós”, explicou John Volmink.
“Sabemos que o melhor líder desta era viveu na África do Sul, mas ele nunca
escreveu um livro nem desenvolveu um manual sobre liderança, porque ele é um
livro”, distinguiu, assinalando “o privilégio” que o país teve por conviver com
Nelson Mandela durante 24 anos, depois de este ter passado 27 preso.
John Volmink destacou que o primeiro Presidente negro da África do Sul
“recorria muito” à tradição oral africana. “Nós falamos dos assuntos, não
[recorremos aos] grandes livros em bibliotecas, isso é mais a tradição
ocidental. Em África, partilhamos ideias, sentamo-nos juntos, falamos… Mandela
fazia muito isso. Esse é o espírito ubuntu, que nos consciencializa de que
estamos ligados uns aos outros”, disse.
As Academias Ubuntu espalhadas pelo mundo – em Portugal coordenada pelo
Instituto Padre António Vieira – vão reunir-se hoje, na Fundação Gulbenkian,
com o objetivo de criarem uma rede global.
John Volmink teve um papel central na reforma curricular do ensino
pós-apartheid. Em 1994, havia “currículos escolares diferentes” para cada
comunidade, “um para negros, outro para brancos, outro para indianos, etc.”,
recordou.
O Governo de Mandela começou a trabalhar “num só” currículo, que “abraçasse
toda a gente” e “removesse” todos “os termos ofensivos”, transmitindo valores
de confiança, respeito e compaixão.
Não foi tarefa fácil, porque, em 1994, os sul-africanos seguiam a “ética da
obediência” e viviam “com medo”. Mas, assinalou o professor, “a História não é
o que aconteceu na realidade, é o que as pessoas dizem que aconteceu”, o que
oferece “uma oportunidade” para a “reinterpretar”.
Por isso, Volmink sempre defendeu um tronco escolar comum e rejeitou “a
segregação”, como a que ainda existe, por exemplo, nos manuais dos países que
pertenciam à Jugoslávia. “O separatismo é contra o espírito ubuntu, que se
baseia na conexão e em dizer ‘o teu medo é também o meu medo'”, enunciou,
frisando que é preciso evitar a generalização que diz “todos os negros são
assim”.
O professor é um otimista. “Acho que era o Albert Einstein que dizia
‘aprendemos com o passado, aprendemos com o presente, temos esperança no
futuro’. A esperança é muito importante, temos de a manter viva”, frisou.
Porém, sublinhou, a esperança exige ação, “não basta dizer que se espera que a
situação melhore”, porque isso são “apenas boas intenções”.
Lusa, em Jornal da
Madeira
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