segunda-feira, 14 de abril de 2014

NA CRISE DA CRIMEIA, PUTIN TEM MAIS TRUNFOS QUE OBAMA




Sanções, palavras afiadas e uma colaboração com o governo interino em Kiev: a Casa Branca está gastando todas as suas cartas no conflito ucraniano, enquanto o Kremlin ainda parece longe de esgotar suas opções.

No embaralhado jogo de cartas da crise na Crimeia, uma coisa já está clara para os americanos: o presidente russo, Vladimir Putin, tem à disposição muito mais trunfos que os Estados Unidos. Enquanto as possibilidades de Barack Obama estão se esgotando, o chefe do Kremlin ainda possui diferentes meios para incomodá-lo.

A crise se intensifica justamente no ano em que Obama pretende levar dezenas de milhares de soldados americanos no Afeganistão de volta para casa – uma das principais rotas para a retirada passa pela Rússia.

"Em relação à chamada Rede de Distribuição do Norte (NDN), acho que os EUA estão particularmente vulneráveis", diz Christopher Chivvis, especialista em assuntos de defesa do instituto Rand, de Washington. "Ela foi implantada para garantir o suprimento das nossas tropas no Afeganistão."

A retirada dos 38 mil soldados americanos também deveria ser executada através dessa rede de abastecimento. A rota parte dos países bálticos, atravessa a Rússia e a Ásia Central até o Afeganistão. Durante a guerra, por volta de 40% de todos os recursos militares americanos passaram por esse trajeto para chegar ao Afeganistão.

O preço é alto: Washington paga anualmente cerca de 1 bilhão de dólares a Moscou – e Obama espera que Putin continue a precisar desse dinheiro. "Se Vladimir Putin dificultar ou até mesmo encerrar completamente nossas possibilidades, certamente a situação vai ficar difícil para nós", diz Chivvis. Segundo ele, a retirada das tropas por outra rota não implicaria somente um custo maior, mas também um risco maior.

Alternativas perigosas

Diante de uma eventual recusa de Moscou, restaria às caravanas militares dos EUA somente a estrada através do perigoso território dos talibãs até a cidade portuária de Karachi. Ali, as tropas e os equipamentos poderiam ser trasladados para navios de guerra, já que para a alternativa do transporte aéreo de todos os veículos militares blindados do Afeganistão, os EUA teriam que cavar fundo no bolso.

"Existe ainda uma linha sul da NDN, que passa pelo Cáucaso", afirma Chivvis. "Imagino que existam, atualmente, esforços para levar mais material do que o previsto através de regiões do Cáucaso, nas quais a Rússia não tem nenhuma soberania."

A questão é quantas concessões os EUA teriam de fazer a países como Geórgia, Armênia e Azerbaijão. Enquanto ainda não se pode perceber que Putin tenha em vista a retirada das tropas, ele já alfinetou outro importante projeto do governo Obama: o acordo Start.

Fechado com o antecessor de Putin na Presidência e atual premiê russo, Dimitri Medvedev, o acordo foi uma conquista de Obama em seu primeiro mandato. Através dele, EUA e Rússia se comprometem a reduzir o número de ogivas nucleares estacionadas, permitindo aos dois países a inspeção mútua de seus arsenais de armas nucleares.

Acordo Start

Agora, Putin cogita não permitir mais inspeções estrangeiras. Segundo o cientista político David Cortright, do Instituto de Pesquisa da Paz da Universidade Notre Dame, nos EUA, uma circunstância infeliz, mas que não implica necessariamente o fim desse importante acordo de desarmamento.

"Acho que é algo que pode ser aceito, desde que não seja de longo prazo", opina. "Existem outras formas de investigar as instalações militares russas. Mesmo se os inspetores das instalações não puderem mais atuar durante algum tempo, isso não é um perigo irreversível."

Para Cortright, o perigo estaria antes no sinal que a violação do tratado de desarmamento enviaria a países como a Coreia do Norte e o Irã. Outro problema, diz o especialista, seria que, com base no chamado Memorando de Budapeste de 1994, após a dissolução da União Soviética, a Ucrânia concordou em entregar 1.600 ogivas nucleares.

Em contrapartida, EUA, Reino Unido e Rússia se comprometeram a garantir a integridade territorial da Ucrânia. Agora, naturalmente, a Rússia considerou esse memorando como anulado. O grande medo, afirma Cortright, é que o colapso das garantias de segurança dadas à Ucrânia em 1994 possa afetar o desarmamento, já que as garantias de segurança são importantes para convencer Estados a entregar suas armas nucleares.

E Putin ainda tem outro trunfo na mão. Ele poderia criar dificuldades tanto nas negociações sobre o programa nuclear iraniano quanto na destruição das armas químicas sírias. Ambas são preocupações sinceras do presidente americano.

No caso da Síria, muitos em Washington acreditam que Putin ainda não perdeu o interesse na destruição das armas químicas. E no caso do Irã, de qualquer forma, até agora Putin não tem ajudado muito. "Acreditamos que agora isso vá depender das negociações bilaterais entre os EUA e o Irã", diz Chivvis.

Sufoco

Com vista às sanções econômicas dos americanos, Putin poderia reagir e sufocar a economia europeia através do corte do fornecimento energético para o Ocidente. Assim, diz Cortright, ele também puniria os EUA, "com o objetivo de jogar os europeus contra os americanos". Mas é provável que os europeus hesitariam em atender o apelo por sanções de Washington, devido à sua dependência econômica do gás russo.

De acordo com Cortright, a consequência mais devastadora da agressão de Putin na Crimeia já é outra: por meio de suas ações, ele minou a autoridade de leis internacionais e dos direitos humanos, podendo assim virar a ordem internacional de cabeça para baixo. "A esperança de que existam alguns princípios internacionais que são respeitados pelas nações foi enfraquecida", diz o especialista. "O princípio do direito internacional está ameaçado."

Para Cortright, a UE, os EUA e outros países não devem aceitar tal situação e deveriam agir em consenso: "Isso é uma ameaça para todo o conceito da ordem internacional. E contra isso deve haver resistência – em todas as formas pacíficas possíveis."

Os americanos já deixaram claro que um conflito militar seria fatal – não é sequer cogitado. No entanto, restam poucos trunfos a Obama. Os restantes estão todos nas mãos de Putin.

Deutsche Welle - Autoria: Antje Passenheim (ca) – Edição: Rafael Plaisant

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