Aleksander Medvedovsky
– Voz da Rússia
Em 1965, vinte anos
depois do final da Segunda Guerra Mundial, o cineasta Mikhail Romm produziu o
filme chamado “Fascismo Ordinário” (também conhecido como "Fascismo de
Todos os Dias"), um documentário que conta a história do nascimento do
fascismo na Alemanha e suas consequências, e que foi o primeiro filme a ter o
objetivo de fazer não esquecer aquilo que a humanidade nunca poderá esquecer.
Nos anos seguintes,
aqui e ali, surgiram alguns movimentos neonazistas, até mesmo nas grandes
democracias europeias. Engraçado é que os mais atingidos foram os países
que mais sofreram na Segunda Guerra Mundial.
Um dos países onde
o fascismo gradualmente começou a ganhar força foi a Ucrânia, devastada durante
aquele conflito. Ela foi campo de grandes batalhas contra as forças alemãs, e
se transformou numa imensa cova de milhares de soldados que deram suas vidas
pela liberdade e pela Pátria.
Passaram-se 69
anos. O ultradireitista Dmitri Yarosh, criminoso procurado por participar da
guerrilha chechena, defensor da limpeza étnica, dono de um fortemente armado e
treinado exército de paramilitares – base da Guarda Nacional ucraniana, de
acordo com as revelações da imprensa internacional –, candidatou-se ao cargo de
presidente da Ucrânia.
O Governo da Rússia
repassou à Interpol a documentação sobre o mandado de prisão desse criminoso,
líder da organização ultranacionalista ucraniana Setor de Direita, que mantém o
poder em Kiev. O Comitê de Investigação da Rússia emitiu uma ordem de busca e
captura internacional para Yarosh, sob a acusação de incitar o terrorismo
através da mídia, depois que o ucraniano requisitou pelas redes sociais o apoio
do líder extremista e terrorista checheno Doku Umarov.
O líder
ultranacionalista ucraniano anunciou em entrevista a uma agência de notícias de
seu país que, no caso de um conflito armado da Ucrânia com a Rússia, a sua
organização Setor de Direita iria atacar e danificar a infraestrutura de
transporte de petróleo e gás russos para a Europa, cortando assim a fonte de
renda de Moscou com estes recursos.
Dias depois, Yarosh
foi igualmente acusado pelo Comitê de Investigação russo de ter participado de
combates contra soldados russos na Chechênia em 1994 e 1995. A informação foi
prestada pelo porta-voz do Comitê, Vladimir Markin. Segundo ele, Yarosh
considera que a Rússia é um inimigo eterno da Ucrânia e está convencido da
necessidade de uma guerra entre os dois países.
Yarosh exigiu do
governo da Ucrânia a imediata formação de um Comando Supremo e a declaração de
uma mobilização geral da população. Junto a isso, pediu que os armamentos
estocados nas regiões fronteiriças fossem transferidos para o interior do país,
e requisitou o fornecimento de novas armas junto aos países da União Europeia.
No currículo dele e da sua tropa constam a participação mais do que ativa no
golpe de estado do dia 22 de fevereiro e a derrubada do legítimo presidente da
Ucrânia.
São bem conhecidos
os métodos da turma dele, de convencer os deputados de Parlamento Ucraniano a
votar de acordo com os seus desejos. A demissão forçada, inclusive com força
física, do diretor do primeiro canal de televisão da Ucrânia, só porque
permitiu aos espectadores assistir às palavras do presidente da Rússia Vladimir
Putin, foi amplamente divulgada pela mídia internacional.
E como reagiram os
novos amigos ocidentais – senadores, membros do Parlamento Europeu e governos
da Europa, e consultores de toda espécie do novo governo “pré-democrático"
da Ucrânia, apoiado pelas forças de extrema direita? Não reagiram, não
perceberam nada, muito pelo contrário, abraçaram o pessoal de direita nas ruas
de Kiev e declararam que não existem violência e antissemitismo na Ucrânia, e
somente em situações superalarmantes pediram um pouco de calma.
Levando em
consideração a prática de violência e terror demonstrada recentemente pelos
seus correligionários em Kiev e outras cidades ucranianas, e o descontrole que
domina o país, o caminho de Dmitri Yarosh para a presidência pode ser bem mais
curto do que muita gente imagina, lembrando a Alemanha dos anos 40 do século
passado.
Não seria,
portanto, uma boa ideia exibir "O Fascismo Ordinário" para todos
aqueles que por "ingenuidade" ou "amnésia" não lembram ou
esqueceram as palavras "nazismo", "assassinatos",
"violência", "guerra mundial"?
Vamos deixar os
conselhos de lado. Essa gente boa não precisa de conselhos. Eles conhecem a
história, mas pensam que ela preparou para eles outro desfecho.
Os dirigentes da
Polônia, por exemplo. Auschwitz não está tão longe da capital, e o gueto estava
na própria Varsóvia, mas não se fala do fascismo no país vizinho. Em
compensação, há ameaças a outro vizinho, e doze aviões de caça americanos em
sua própria terra.
Angela Merkel, que
está recebendo críticas no Bundestag (o parlamento alemão) pela inexplicável
passividade em relação à ultradireita no país vizinho, quer ensinar o pai-nosso
e boas maneiras aos russos?
A França... A
ultradireita já está batendo à sua porta, mas o discurso dos dirigentes
continua... Sem comentários...
A subsecretária de
Estado dos EUA, Wendy Sherman, depois de visita à praça da Independència, em
Kiev, e conversas com seus novos parceiros na luta “pela democracia e a
liberdade”, por sua vez deverá estar muito ocupada no próximo Yom Kippur – o
dia mais sagrado para os judeus – quando cada um deverá pedir perdão pelas
besteiras que cometeu.
Tudo isso é ao
mesmo tempo triste, nojento, mas tremendamente ridículo e medíocre como são
aqueles que se consideram democratas e os únicos e perpétuos donos da verdade,
na sua ganância e interesses mesquinhos, sempre distantes da vontade de seus
povos.
E o fascismo de
2014? Horroroso, intragável, abominável, mas continua ordinário como todo
fascismo, porque não tem como ser diferente.
Finalmente, três
pequenos acréscimos para concluir:
1 – Vazou
recentemente para a imprensa a conversa da ex-primeira-ministra e possível
candidata à presidência da Ucrânia, Yulia Tymoshenko, na qual ela foi muita
clara ao dizer “matar todos os russos”, referindo-se aos oito milhões de russos
que moram na Ucrânia.
2 – Em 24 de março
completam-se 15 anos do bombardeio da Iugoslávia pela Força Aérea dos Estados
Unidos, cuja autorização não foi concedida pelo Conselho de Segurança da ONU.
3 – Poucos dias
antes do golpe de Estado em Kiev, nos Jogos Olímpicos de Sochi, a jovem
patinadora russa Yulia Lipnitskaya conquistou a medalha de ouro ao dançar a
música-tema de “A Lista de Schindler”, numa homenagem a uma famosa cena desse
filme de Steven Spielberg.
Que coincidências
marcantes.
Como diz a
expressão popular, “Cada macaco no seu galho”.
Foto: Flickr.com/pasa47/cc-by-nc
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