Paulo
Agostinho, da Agência Lusa, em Malabo) - Público
Na
semana em que a Guiné Equatorial passa a fazer parte da CPLP, fomos a Malabo
ver como se vive no país de Obiang que governa há 35 anos. O segredo para tão
grande duração do regime é o medo e a violência sobre a população, dizem os
opositores. O Governo nega e diz que no país respeita-se os direitos humanos.
Teodoro
Obiang Nguema “nasceu do demónio e alimenta-se do medo de um povo medroso”.
Sentado no Centro Cultural Espanhol, em Malabo, capital insular da Guiné
Equatorial, Luís Nzó, 49 anos, não cala as críticas ao Presidente que governa o
País com mão de ferro desde 1979, entre várias acusações de violações de
direitos humanos, torturas e assassínios de opositores. “Pode escrever o meu
nome. Morto já estou eu porque não posso desfrutar da minha vida. Eu já morri”,
diz Luís, que nasceu na terra natal do Presidente, Mongomo. Já foi exilado,
voltou nos anos 1990, confiante no início do processo de democratização e
envolveu-se na vida partidária. Foi preso e agora está sem emprego, a viver
numa barraca no centro de Malabo à espera da queda de Obiang.
Da
etnia fang, a mesma do Presidente, Luís é duro nas acusações e deseja que
Obiang seja castigado pelos crimes que cometeu pelo próprio povo “e não que
esperasse pela sua morte”. O tema da sucessão está presente nas conversas das
ruas da capital, entre apoiantes e opositores. O chefe de Estado tem como um
dos vice-presidentes o seu primogénito Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido
por Teodorin. “Se o filho ficar no poder será muito pior e mais complicado para
todos nós”, desabafa Damien, morador no centro da cidade.
A
Guiné Equatorial, cuja entrada na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP) está na agenda da próxima cimeira da organização, a 23 de Julho, em
Díli, é o país do continente africano com maior rendimento per capita, graças
ao petróleo e à pouca população. No país, existem 700 mil habitantes, mas a
diáspora estima-se em 200 a
250 mil. As acusações de violações de direitos humanos e corrupção já não são
notícia em relação ao regime de Obiang. Nos últimos anos, graças às receitas do
petróleo, o país entrou numa espiral de construção de obras públicas que
oposição e várias organizações internacionais, como a Human Rights Watch ou a
Amnistia Internacional, dizem ser apenas uma forma de branquear o regime e
lavar as receitas do petróleo.
Memória
selectiva da ditadura
Luís oferece-se para percorrer as zonas mais pobres de Malabo e mostrar a outra face do país. No dia seguinte, aparece vestido com uma t-shirt com uma foto de Francisco Macías, o ditador derrubado por Obiang em 1979. As organizações internacionais de direitos humanos consideram o regime de Macías como uma das ditaduras mais brutais de África, com a morte de milhares de opositores, a destruição do sistema de ensino e de todo o sistema produtivo (encerrou roças de café e cacau e chegou a proibir a pesca). Mas para Luís, “a ditadura foi sempre a mesma. Ele [Obiang] era quem fazia as coisas”. Obiang, sobrinho de Macías, passou a ser o principal responsável militar da ilha de Bioko (antiga Fernando Pó), onde estava a capital política, quando o ditador foi para a sua terra natal, Mongomo, no início da década de 1970.
Alguns
elogios ao antigo ditador ouvem-se na rua, por oposição ao actual presidente.
Desempregado há sete anos – “apenas por ser da oposição”, diz – Andrés Ondo
Mayie recorda que “Francisco Macías tinha um dom natural para falar com as
pessoas” mas “não tinha decisões próprias”, porque quem “decidia tudo era a sua
mão direita”, Obiang. Maye não tem dúvidas: “Macías ditava mas apenas porque
era o chefe de Estado” e “foi melhor Presidente porque ajudou a construir infra-estruturas
e telecomunicações”. Além disso, “Macías sabia que havia petróleo mas exigiu
que fossem empresas e técnicos guineenses a fazer a investigação”, ao contrário
do governo actual que “está a colocar o dinheiro todo nas mãos dos
estrangeiros”.
Apesar
de tudo, o desejo de democracia levou-o a colaborar no golpe de 1979. Ainda
guarda cicatrizes no corpo de um estilhaço de bala mas Maye diz-se desiludido
com Obiang e mesmo com a independência, tendo em conta a “miséria em que o povo
vive hoje”. Durante o tempo colonial, “ganhava-se pouco, mas chegava para
colocar os filhos a estudar na escola e os encarregados das quintas até
conseguiam pô-los em Espanha”.
Hoje
Mayie, o antigo professor de hotelaria, com curso de Marbella (Espanha), diz
que o país vive “em medo permanente”. Assim se explica o receio das fotografias
que existe em todo o território. São proibidas fotos e as pessoas reclamam
quando um estrangeiro fotografa na rua. “Pode até ir preso. Há casas
fotográficas mas não há quem tire fotografias porque as pessoas têm medo”, diz.
Medo
é pilar do regime
Luís Nzó diz que os guineenses que permanecem no país vivem “paralisados pelo medo”. É esse “medo aterrorizador” que bloqueia qualquer tentativa de derrubar o regime. A isso soma-se a desorganização dos opositores e a ausência de recursos militares, porque o exército é liderado e controlado por elementos do clã presidencial, Esangui. O líder do único partido da oposição com assento parlamentar (um lugar em cem eleitos), o Convergência para a Democracia Social (CPDS), concorda e diz que o regime assenta parte da sua sobrevivência no medo. “A ditadura assenta sobre três pilares”: a pobreza, a ignorância e o medo. “O regime começou por empobrecer a população e deixou os cidadãos completamente dependentes do poder”, começa por explicar Andrés Esono Ondó. Depois, a prioridade é a “desinformação e a ignorância”. O “regime procura cultivar a ignorância e, apesar do petróleo, não constrói escolas para formar as pessoas, porque sabe que as escolas não ensinam apenas conhecimentos, mas também dão uma educação cívica e social”. Resta o medo. “O regime não apenas marginaliza, também tortura e assassina. A política é a morte. Um cidadão que queira fazer política corre o risco de sofrer prisão, torturas e mesmo a morte”, diz o dirigente, que esteve preso “várias vezes”. Quando são as eleições, “obrigam-nos a votar publicamente no partido do poder” e os “guineenses estão incapazes de reagir ao que estão a sofrer”.
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