domingo, 31 de agosto de 2014

Angola: COMO A FILHA DO PRESIDENTE USURPA O ESTADO E SE APODERA DOS BANCOS



Rafael Marques de Morais – Folha 8, 30 agosto 2014

A 26 de Agos­to de 2013, a filha do pre­sidente da República, Isabel dos Santos, re­portou à Autoridade da Concorrência portuguesa que detém a totalidade da participação de 49.9 por cento no Banco de Fo­mento de Angola (BFA). No mesmo relatório, a empresária revelou ainda que a sua participação no Banco Internacional de Crédito (BIC) é de 50 por cento.

A Entidade da Concor­rência, conforme declara­ções da empresária, regis­tou o seguinte:

“Na banca, detém uma participação de [<50]% no Banco BIC Angola (atra­vés da [CONFIDENCIAL - segredo de negócio re­lativo à estrutura de par­ticipações], detida por si a 100%) e, através da [CON­FIDENCIAL - segredo de negócio relativo à estru­tura de participações] de­tém uma participação de [<50]% no BFA – Banco de Fomento de Angola, em que o Banco BPI detém 50,1% do capital”.

As informações foram prestadas no âmbito do negócio de fusão entre a Zon Multimédia, detida maioritariamente por Isa­bel dos Santos, de um lado, e a Sonaecom, do bilioná­rio português Belmiro de Azevedo, do outro.

Como adiante se verificará, em ambos os casos, as en­tidades reguladoras portu­guesas, incluindo a CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários), cau­cionam a prestação de fal­sas informações por parte dos bancos, parcialmente detidos por entidades por­tuguesas, acerca das suas estruturas accionistas.

BFA

A 12 de Setembro de 2008, o Banco Português de Investimentos (BPI) revelou à CMVM o me­morando de entendimen­to que subscrevera com a Unitel, “com vista à cons­tituição de uma parceria estratégica em Angola, através da venda de 49.9 por cento do capital do Banco de Fomento de An­gola (BFA) à Unitel”.

O BPI, enquanto accionis­ta único do BFA, estabele­ceu como valor de venda da referida participação um total de US $475 mi­lhões (338 milhões de eu­ros).

De acordo com o banco, “esta parceria representa a criação de uma base de colaboração entre o BPI e a maior empresa privada angolana, de elevado va­lor acrescentado para as entidades envolvidas e para a economia angolana em geral”.

No documento, o BPI afirmou, na altura, que a operação estava sujeita “à obtenção de autori­zações das autoridades competentes”. O mesmo documento discriminou os sócios da Unitel como sendo a “Mercury, subsi­diária da Sonangol (25%); GENI (25%); Vidatel (25%); Portugal Telecom (25%)”.

O negócio foi concluído em Dezembro do mesmo ano. Desde então, o BFA mantém nos seus relató­rios e contas, bem como no seu portal, que o Banco Português de Investimen­tos (BPI) detém 50.1 por cento das suas acções, enquanto 49.9 por cento das acções cabem à Uni­tel S.A.

A Entidade da Concor­rência portuguesa omitiu o total de acções detido por Isabel dos Santos na Unitel, referindo apenas que é uma “participação direta de [...]% e indire­ta de [...]% (por via da [CONFIDENCIAL - se­gredo de negócio relativo à estrutura de participações]) (…)”.

Meses antes, a 21 de Janei­ro de 2013, no documento de aprovação de novos membros do Conselho de Administração da Zon Multimedia, do qual Isa­bel dos Santos faz parte, a empresária anunciou ser detentora de 25 por cento das acções da Unitel, in­formação que se mantém. O mesmo documento foi enviado à CMVM.

O Estado angolano, atra­vés da Sonangol, detém 25 por cento das acções da Unitel. Quando e em que circunstância a filha do presidente abocanhou, através da Unitel, a parti­cipação correspondente do Estado no BFA não é um mistério. A diferença entre o que pertence ao Estado e o que pertence à família presidencial é cada vez mais clara: o que pertence ao Estado per­tence ou pode pertencer, a qualquer altura, à famí­lia presidencial. O que pertence à família pre­sidencial é propriedade privada do clã Dos Santos.

É através dessa lógica de promiscuidade entre o público e o privado que, inicialmente, havia sido acordada e anunciada a venda das acções do BFA à Sonangol.

A usurpação das acções da Sonangol pela Unitel constitui um acto de fla­grante violação da Lei da Probidade por parte de Isabel dos Santos e mais um acto de corrupção apadrinhado pelo seu pai, o presidente da Repúbli­ca.

Enquanto empresa parti­cipada pelo Estado, atra­vés da Sonangol, os ges­tores e responsáveis da Unitel sujeitam-se tam­bém à Lei da Probidade. De acordo com a lei (Art. 15.º, 1.º, I), são considera­dos agentes públicos os gestores, os responsáveis e os funcionários das em­presas participadas pelo Estado.

Isabel dos Santos assu­miu as funções de vice­-presidente do BFA, em representação da Unitel  e, consequentemente, do Estado.

Por essa razão, ao inte­grar, de forma ilícita, as acções do Estado no seu património privado, Isa­bel dos Santos está na verdade a cometer o acto de enriquecimento ilícito previsto e punido pela Lei da Probidade (Art. 25º, 1., j) como crime de corrupção.

BIC

No princípio do mês, a imprensa portuguesa noticiou as negociações em curso entre Isabel dos Santos e Américo Amorim para que este venda à primeira os 25 por cento que detém no Banco BIC. A concretiza­ção do negócio, segundo a imprensa, garantirá a Isabel dos Santos o con­trolo de metade do capi­tal do banco.

A julgar pelas declara­ções da própria Isabel dos Santos, confirmadas por parte da Entidade da Concorrência, a empre­sária angolana passará a controlar 75 por cento do capital do banco, quer em Angola quer na su­cursal portuguesa. O do­cumento da EC, importa reiterar, afirma que Isabel dos Santos “detém uma participação de [<50]% no Banco BIC Angola (atra­vés da [CONFIDENCIAL - segredo de negócio rela­tivo à estrutura de parti­cipações], detida por si a 100%)”.

Maka Angola apurou que o veículo de investimen­to de Isabel dos Santos no BIC é a Sociedade de Participações Financei­ras, detida por si a 100 por cento.

Oficialmente, o banco tem apresentado a se­guinte estrutura accio­nista: Isabel dos Santos e Américo Amorim detêm 25 por cento do capital social cada um. Segue-se o presidente do conselho de administração do ban­co, Fernando Teles, com 20 por cento. O grupo brasileiro Ruagest tem 10 por cento. Por sua vez, Sebastião Lavrador, an­tigo governador do Ban­co Nacional de Angola e amigo do presidente, bem como os empresários Luís Santos (Soclima) e Manuel Pinheiro Fernandes (Gru­po Martal), detêm cada um 5 por cento das acções do banco. O Banco BIC Portugal tem, também, formalmente, a mesma estrutura accionista que o Banco BIC Angola.

Tendo o banco uma quota máxima de 100 por cento, distribuída pelos sócios conforme a descrição aci­ma, há duas hipóteses para explicar os 50 por cento de Isabel dos Santos declarados à Entidade da Concorrência. Primeiro, Isabel dos Santos pode­rá estar a usar alguns dos sócios, excepto Américo Amorim, apenas como figuras de palha na tutela de mais 25 por cento das acções, que na verdade lhe pertencem. Na segunda hipótese, a Autoridade da Concorrência pode ter-se enganado nos números e prefere manter-se no erro.

Ambas as hipóteses reve­lam a cumplicidade das autoridades portuguesas ou uma desatenção per­manente para com a falsi­dade das estruturas accio­nistas quer do BIC, quer do BFA.

A impunidade de que Isa­bel dos Santos goza em Angola, por via do poder absoluto e arbitrário do seu pai, o presidente da República, dispensa co­mentários sobre a ilicitude dos seus actos. A sua von­tade é lei e as instituições do Estado sujeitam-se.

Outro exemplo da impu­nidade de que Isabel dos Santos goza é o facto de acumular funções de res­ponsabilidade em dois bancos rivais. Segundo a Lei das Instituições Finan­ceiras, “os membros dos órgãos de administração das instituições financei­ras bancárias não podem, cumulativamente, exercer cargos de gestão ou de­sempenhar quaisquer fun­ções em outras institui­ções financeiras bancárias ou não bancárias”.

Isabel dos Santos é cumulativamente vice­-presidente do BFA e ad­ministradora do BIC. Não parece necessário acres­centar mais nada.

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