Rafael Marques de Morais – Folha 8, 30 agosto 2014
A
26 de Agosto de 2013, a
filha do presidente da República, Isabel dos Santos, reportou à Autoridade da
Concorrência portuguesa que detém a totalidade da participação de 49.9 por
cento no Banco de Fomento de Angola (BFA). No mesmo relatório, a empresária
revelou ainda que a sua participação no Banco Internacional de Crédito (BIC) é
de 50 por cento.
A
Entidade da Concorrência, conforme declarações da empresária, registou o
seguinte:
“Na
banca, detém uma participação de [<50]% no Banco BIC Angola (através da
[CONFIDENCIAL - segredo de negócio relativo à estrutura de participações],
detida por si a 100%) e, através da [CONFIDENCIAL - segredo de negócio
relativo à estrutura de participações] detém uma participação de [<50]% no
BFA – Banco de Fomento de Angola, em que o Banco BPI detém 50,1% do capital”.
As
informações foram prestadas no âmbito do negócio de fusão entre a Zon
Multimédia, detida maioritariamente por Isabel dos Santos, de um lado, e a
Sonaecom, do bilionário português Belmiro de Azevedo, do outro.
Como
adiante se verificará, em ambos os casos, as entidades reguladoras portuguesas,
incluindo a CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários), caucionam a
prestação de falsas informações por parte dos bancos, parcialmente detidos por
entidades portuguesas, acerca das suas estruturas accionistas.
BFA
A
12 de Setembro de 2008, o Banco Português de Investimentos (BPI) revelou à CMVM
o memorando de entendimento que subscrevera com a Unitel, “com vista à constituição
de uma parceria estratégica em Angola, através da venda de 49.9 por cento do
capital do Banco de Fomento de Angola (BFA) à Unitel”.
O
BPI, enquanto accionista único do BFA, estabeleceu como valor de venda da
referida participação um total de US $475 milhões (338 milhões de euros).
De
acordo com o banco, “esta parceria representa a criação de uma base de
colaboração entre o BPI e a maior empresa privada angolana, de elevado valor
acrescentado para as entidades envolvidas e para a economia angolana em geral”.
No
documento, o BPI afirmou, na altura, que a operação estava sujeita “à obtenção
de autorizações das autoridades competentes”. O mesmo documento discriminou os
sócios da Unitel como sendo a “Mercury, subsidiária da Sonangol (25%); GENI
(25%); Vidatel (25%); Portugal Telecom (25%)”.
O
negócio foi concluído em Dezembro do mesmo ano. Desde então, o BFA mantém nos
seus relatórios e contas, bem como no seu portal, que o Banco Português de
Investimentos (BPI) detém 50.1 por cento das suas acções, enquanto 49.9 por
cento das acções cabem à Unitel S.A.
A
Entidade da Concorrência portuguesa omitiu o total de acções detido por Isabel
dos Santos na Unitel, referindo apenas que é uma “participação direta de [...]%
e indireta de [...]% (por via da [CONFIDENCIAL - segredo de negócio relativo
à estrutura de participações]) (…)”.
Meses
antes, a 21 de Janeiro de 2013, no documento de aprovação de novos membros do
Conselho de Administração da Zon Multimedia, do qual Isabel dos Santos faz
parte, a empresária anunciou ser detentora de 25 por cento das acções da
Unitel, informação que se mantém. O mesmo documento foi enviado à CMVM.
O
Estado angolano, através da Sonangol, detém 25 por cento das acções da Unitel.
Quando e em que circunstância a filha do presidente abocanhou, através da
Unitel, a participação correspondente do Estado no BFA não é um mistério. A
diferença entre o que pertence ao Estado e o que pertence à família
presidencial é cada vez mais clara: o que pertence ao Estado pertence ou pode
pertencer, a qualquer altura, à família presidencial. O que pertence à família
presidencial é propriedade privada do clã Dos Santos.
É
através dessa lógica de promiscuidade entre o público e o privado que,
inicialmente, havia sido acordada e anunciada a venda das acções do BFA à
Sonangol.
A
usurpação das acções da Sonangol pela Unitel constitui um acto de flagrante
violação da Lei da Probidade por parte de Isabel dos Santos e mais um acto de
corrupção apadrinhado pelo seu pai, o presidente da República.
Enquanto
empresa participada pelo Estado, através da Sonangol, os gestores e
responsáveis da Unitel sujeitam-se também à Lei da Probidade. De acordo com a
lei (Art. 15.º, 1.º, I), são considerados agentes públicos os gestores, os
responsáveis e os funcionários das empresas participadas pelo Estado.
Isabel
dos Santos assumiu as funções de vice-presidente do BFA, em representação da
Unitel e, consequentemente, do Estado.
Por
essa razão, ao integrar, de forma ilícita, as acções do Estado no seu
património privado, Isabel dos Santos está na verdade a cometer o acto de
enriquecimento ilícito previsto e punido pela Lei da Probidade (Art. 25º, 1.,
j) como crime de corrupção.
BIC
No
princípio do mês, a imprensa portuguesa noticiou as negociações em curso entre
Isabel dos Santos e Américo Amorim para que este venda à primeira os 25 por
cento que detém no Banco BIC. A concretização do negócio, segundo a imprensa,
garantirá a Isabel dos Santos o controlo de metade do capital do banco.
A
julgar pelas declarações da própria Isabel dos Santos, confirmadas por parte
da Entidade da Concorrência, a empresária angolana passará a controlar 75 por
cento do capital do banco, quer em Angola quer na sucursal portuguesa. O documento
da EC, importa reiterar, afirma que Isabel dos Santos “detém uma participação
de [<50]% no Banco BIC Angola (através da [CONFIDENCIAL - segredo de
negócio relativo à estrutura de participações], detida por si a 100%)”.
Maka
Angola apurou que o veículo de investimento de Isabel dos Santos no BIC é a
Sociedade de Participações Financeiras, detida por si a 100 por cento.
Oficialmente,
o banco tem apresentado a seguinte estrutura accionista: Isabel dos Santos e
Américo Amorim detêm 25 por cento do capital social cada um. Segue-se o
presidente do conselho de administração do banco, Fernando Teles, com 20 por
cento. O grupo brasileiro Ruagest tem 10 por cento. Por sua vez, Sebastião
Lavrador, antigo governador do Banco Nacional de Angola e amigo do
presidente, bem como os empresários Luís Santos (Soclima) e Manuel Pinheiro
Fernandes (Grupo Martal), detêm cada um 5 por cento das acções do banco. O
Banco BIC Portugal tem, também, formalmente, a mesma estrutura accionista que o
Banco BIC Angola.
Tendo
o banco uma quota máxima de 100 por cento, distribuída pelos sócios conforme a
descrição acima, há duas hipóteses para explicar os 50 por cento de Isabel dos
Santos declarados à Entidade da Concorrência. Primeiro, Isabel dos Santos poderá
estar a usar alguns dos sócios, excepto Américo Amorim, apenas como figuras de
palha na tutela de mais 25 por cento das acções, que na verdade lhe pertencem.
Na segunda hipótese, a Autoridade da Concorrência pode ter-se enganado nos
números e prefere manter-se no erro.
Ambas
as hipóteses revelam a cumplicidade das autoridades portuguesas ou uma
desatenção permanente para com a falsidade das estruturas accionistas quer
do BIC, quer do BFA.
A
impunidade de que Isabel dos Santos goza em Angola, por via do poder absoluto
e arbitrário do seu pai, o presidente da República, dispensa comentários sobre
a ilicitude dos seus actos. A sua vontade é lei e as instituições do Estado
sujeitam-se.
Outro
exemplo da impunidade de que Isabel dos Santos goza é o facto de acumular
funções de responsabilidade em dois bancos rivais. Segundo a Lei das
Instituições Financeiras, “os membros dos órgãos de administração das
instituições financeiras bancárias não podem, cumulativamente, exercer cargos
de gestão ou desempenhar quaisquer funções em outras instituições
financeiras bancárias ou não bancárias”.
Isabel
dos Santos é cumulativamente vice-presidente do BFA e administradora do BIC.
Não parece necessário acrescentar mais nada.
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