domingo, 31 de agosto de 2014

BES, BESA, MÁFIA E POR AÍ FORA



Folha 8, 30 agosto 2014

Tanto em Portu­gal como por cá, ninguém sabe com exactidão o que foi o Banco Espírito Santo e o que é o Banco Espírito Santo Angola. E como as autoridades dos dois países sabem que as ramificações são, no mínimo, bilaterais e podem implicar meio mun­do da alta finança e da não menos alta política, tudo estão a fazer para encontrar um bode expiatório irrele­vante e, ao mesmo tempo, engendrar uma engenharia financeira que tape toda esta cratera. Embora não sendo um país sério, Por­tugal ainda tenta disfarçar. Angola também não é, mas não se preocupa com isso.

O vice-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Ricardo de Abreu, diz que nas “próximas se­manas” haverá uma defini­ção clara e inequívoca da relação entre o Banco Espí­rito Santo (BES) português e o angolano, este último alvo de “medidas de saneamento”.

“Teremos nas próximas semanas uma definição me­lhor”, disse o vice-gover­nador, questionado sobre a situação do crédito de 3,3 mil milhões de euros que o BES tem na filial angolana, o BESA.

Como o BESA, à semelhan­ça do BES embora com outros protagonistas, está a ser intervencionado pelo banco central desde o início deste mês, com a nomeação de uma administração pro­visória, o pagamento de to­dos os créditos está suspen­so, de acordo com o artigo 117 da Lei das Instituições Financeiras de Angola.

Esta intervenção, com medidas de saneamento daquele banco, controla­do em 55,71 por cento pelo BES português, poderá pro­longar-se por um prazo de um ano e, como recordou o vice-governador, a solução foi acertada entre os dois países. E um ano é tempo suficiente, calculam as au­toridades portuguesas e an­golanas, para serenar as ca­lemas que poderiam, caso o nosso regime não fosse o que é, transformar-se num devastador tsunami.

“Houve coordenação e tem havido coordenação com o Banco de Portugal naquilo que diz respeito às zonas de intercepção entre o pro­blema do BES e o problema do BESA, em Angola. Existe um espírito de colaboração e de coordenação e por isso estamos confiantes com o desfecho deste processo”, insistiu Ricardo de Abreu.

É verdade. Neste caso, as autoridades dos dois países estão ambas interessadas no mesmo objectivo. Ou seja, provar que a monta­nha pariu um rato. E, com a habilidade que se lhes reco­nhece para estas matérias, ainda vão concluir que nem havia montanha nem rato, e que tudo não passou de um mal-entendido.

A “degradação da carteira de créditos” do banco an golano, afectou, segundo o BNA, os seus “níveis de li­quidez e de solvabilidade”, levando à emissão, pelo Estado angolano, de uma garantia soberana, que en­tretanto será revogada.

“O Banco Nacional de An­gola actuou na medida da­quilo que achava que seria importante para garantir a estabilidade do sistema financeiro. Não vislumbra­mos qualquer risco sistemico, estamos confiantes que as coisas se irão recu­perar”, disse ainda Ricardo de Abreu.

Informações tornadas pú­blicas em Portugal e Angola nas últimas semanas apon­tam para um volume de crédito malparado no BESA que ascende a 5,7 milhões de dólares (4,1 milhões de euros). Coisa pouca. Aliás ainda há muita gente do regime em fila de espera para obter empréstimo cujo reembolso se enquadra na cláusula das doações.

O BNA nomeou dois qua­dros próprios, António Ma­nuel Ramos da Cruz e João Fernando Quiuma, para a administração provisória do BESA, no âmbito das medidas de “saneamento”.

De acordo com o banco central angolano, estas me­didas visam “a reposição dos termos de sustenta­bilidade financeira e ope­racional do banco”. Não contemplam, “para já”, a intervenção do Estado no BESA, ou o envolvimento de fundos públicos. Não quê? Pois. Como poderia ser contemplada a interven­ção do Estado se o BESA é um dos bancos Estado?

O financiamento concedi­do pelo BES aos negócios do Grupo Espírito Santo foi considerado o maior dos problemas para o banco, pois emprestou cerca de 1,5 mil milhões de euros, tor­nando-se mesmo o maior credor do seu próprio gru­po.

No entanto, no início de Junho de 2014, surge o ou­tro dos grandes problemas para o BES: o escândalo fi­nanceiro no BES Angola, cujas tentativas de silencia­mento falharam porque as comadres da família Espí­rito Santo se zangaram. O BESA perdeu o rasto a em­préstimos concedidos/doa­dos de forma discricionária a destacados membros do clã presidencial, pela sua administração, no valor de 5,7 mil milhões euros, 80% do total da carteira. Se não fosse esse facto, Estado an­golano não teria prestado uma garantia de cerca de 4,3 mil milhões de euros, como contraparte dos cré­ditos concedidos pelo BES Angola.

Como se isso não bastasse, ficou também a saber-se que, em sentido lato, o clã de Eduardo dos Santos tam­bém tinha beneficiários em Portugal. Ou seja, alguns (muitos) dos milhões desa­parecidos em Angola ater­raram em contas pessoais de Ricardo Salgado e do seu braço-direito, Amílcar Mo­rais Pires. Tudo mafiosa­mente dentro do acordado.

A participação do BES no BESA avaliada em 670 mi­lhões de euros e o banco português tem emprésti­mos concedidos ao BESA no valor de 3 mil milhões de euros. A garantia no valor de 4,3 mil milhões de euros, prestada pelo Estado ango­lano, foi revogada e o BES foi impedido de reclamar os créditos concedidos ao BESA.

O início do mês de Junho é também a altura em que o BES termina um novo au­mento de capital na ordem dos mil milhões de euros. Mais uma operação de re­forço do seu nível de capital que pretenderia equilibrar os empréstimos concedi­dos pelo BES ao restante GES.

A família, para evitar que a sua participação ficasse de­masiado diluída no capital do banco, tenta acompa­nhar o aumento de capital. Pede 100 milhões de euros ao banco japonês Nomura e acaba o aumento de capital com 25% do BES. Deixa de ter uma posição de contro­lo mas continua a ser o seu maior accionista. Como garantia de boa cobrança daquele empréstimo de 100 milhões, a família dá 5% das acções do próprio BES.

Um mês depois, face ao crescendo de dúvidas le­vantas quanto à solidez do GES e à dimensão da expo­sição do BES ao seu grupo, as acções do BES desvalori­zam abruptamente e a famí­lia Espírito Santo acaba por perder os 5% do BES para o banco Nomura. A participação da família ficou nos 20%.

A crescente desconfiança na solidez do GES e do BES culmina, no dia 14 de Julho, com a substituição do líder histórico Ricardo Salga­do por Vítor Bento. Para a nova administração entram também João Moreira Rato, que vai ocupar o cargo de administrador financeiro, e José Honório, como vice­-presidente da comissão executiva do banco.

Os últimos dias de Julho de 2014 são o fim de uma era: Ricardo Salgado é de­tido, ouvido em tribunal e constituído arguido no caso Monte Branco, estando em causa a prática de crimes de burla, abuso de con­fiança, falsificação e bran­queamento de capitais. O banqueiro sai em liberdade mediante o pagamento de uma caução de 3 milhões de euros, uma das mais altas da história portuguesa. Mas quem tem dinheiro…não morre na cadeia.

No dia 30 de Julho, o BES apresenta prejuízos semes­trais nunca antes vistos em Portugal - 3,6 mil milhões euros. Estes resultados, segundo palavras de Car­los Costa, governador do Banco de Portugal (BdP), reflectem “a prática de ac­tos de gestão pela adminis­tração de Ricardo Salgado gravemente prejudiciais aos interesses do BES e a violação de determinações do BdP que proibiam o au­mento da exposição a ou­tras entidades do GES.”

No dia 31 de Julho são des­cobertas, supostamente pelo BdP, perdas de 1,5 mil milhões de euros pro­venientes da actuação da administração de Ricardo Salgado, nos seus últimos dias no BES. Este valor con­tribuiu para que os prejuí­zos do Banco aumentassem exponencialmente e alcan­çassem o valor de 3,6 mil milhões de euros.

O culminar de todo o epi­sódio dá-se com o BES a deixar de ter liquidez asse­gurada pelo BCE, a par da obrigação daquele reem­bolsar a totalidade do seu crédito junto do Eurosiste­ma, em cerca de 10 mil mi­lhões de euros. Sem acesso às linhas de financiamento do BCE, o BES está em sus­penso. No dia 3 de Agosto de 2014, sob a orientação do BCE, e contra todas as promessas do Governo e BdP, dá-se a intervenção do Estado no Banco e no GES.

Em matéria de bancos, em­bora seja um pais pequeno, Portugal é uma porta aberta para a actividade bancária angolana, confundindo-se muitas vezes com uma ou­tra actividade contígua que dá pelo nome de lavandaria.

Ao todo existem actual­mente cinco bancos a ope­rar no mercado nacional: Banco BIC Portugal, Atlân­tico Europa, Banco Ango­lano de Investimentos Eu­ropa (BAI Europa), Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC) e Banco de Negócios Internacional Europa (BNI Europa).

O Banco BIC, depois de ter feito o sui generis negócio da compra do BPN, afirma­-se como o mais lucrativo. A instituição na qual Isabel dos Santos, a empresária que é a mulher mais rica de África e filha do presidente Eduardo dos Santos, detém 25 por cento do capital, lucrou quase cinco milhões de dólares no primeiro se­mestre do ano. Bem mais do que, proporcionalmente, lucrava com a sua activida­de inicial de venda de ovos.

Em segundo lugar apresen­ta-se o Atlântico Europa, que teve uma evolução de 6,4 por cento face a igual período do ano passado, chegando aos 3,78 milhões de dólares de resultados lí­quidos, ultrapassando o BAI Europa – o primeiro a mar­car presença em Portugal – cujo lucro recuou para 3,38 milhões de dólares. Feitas as contas, as três institui­ções referidas somam um lucro de mais de nove mi­lhões de euros.

Já o Banco Angolano de Ne­gócios e Comércio (BANC) entrou em Portugal em Novembro do ano passa­do e ainda não apresentou contas semestrais. Tendo como presidente do Conselho de Administração José Aires, o banco conta como principal accionista com o general Kundi Paihama, ex­-ministro da Defesa de An­gola e actual governador do Huambo, que detém 41 por cento do capital, de acordo com dados do jornal Pú­blico. Quanto ao Banco de Negócios Internacional Eu­ropa, este é o mais recente interveniente em Portugal, tendo começado as opera­ções apenas no passado dia 15 de Julho.­

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