Folha
8, 30 agosto 2014
Tanto
em Portugal como por cá, ninguém sabe com exactidão o que foi o Banco Espírito
Santo e o que é o Banco Espírito Santo Angola. E como as autoridades dos dois
países sabem que as ramificações são, no mínimo, bilaterais e podem implicar
meio mundo da alta finança e da não menos alta política, tudo estão a fazer
para encontrar um bode expiatório irrelevante e, ao mesmo tempo, engendrar uma
engenharia financeira que tape toda esta cratera. Embora não sendo um país
sério, Portugal ainda tenta disfarçar. Angola também não é, mas não se
preocupa com isso.
O
vice-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Ricardo de Abreu, diz que
nas “próximas semanas” haverá uma definição clara e inequívoca da relação
entre o Banco Espírito Santo (BES) português e o angolano, este último alvo de
“medidas de saneamento”.
“Teremos
nas próximas semanas uma definição melhor”, disse o vice-governador,
questionado sobre a situação do crédito de 3,3 mil milhões de euros que o BES
tem na filial angolana, o BESA.
Como
o BESA, à semelhança do BES embora com outros protagonistas, está a ser
intervencionado pelo banco central desde o início deste mês, com a nomeação de
uma administração provisória, o pagamento de todos os créditos está suspenso,
de acordo com o artigo 117 da Lei das Instituições Financeiras de Angola.
Esta
intervenção, com medidas de saneamento daquele banco, controlado em 55,71 por
cento pelo BES português, poderá prolongar-se por um prazo de um ano e, como
recordou o vice-governador, a solução foi acertada entre os dois países. E um
ano é tempo suficiente, calculam as autoridades portuguesas e angolanas, para
serenar as calemas que poderiam, caso o nosso regime não fosse o que é,
transformar-se num devastador tsunami.
“Houve
coordenação e tem havido coordenação com o Banco de Portugal naquilo que diz
respeito às zonas de intercepção entre o problema do BES e o problema do BESA,
em Angola. Existe
um espírito de colaboração e de coordenação e por isso estamos confiantes com o
desfecho deste processo”, insistiu Ricardo de Abreu.
É
verdade. Neste caso, as autoridades dos dois países estão ambas interessadas no
mesmo objectivo. Ou seja, provar que a montanha pariu um rato. E, com a
habilidade que se lhes reconhece para estas matérias, ainda vão concluir que
nem havia montanha nem rato, e que tudo não passou de um mal-entendido.
A
“degradação da carteira de créditos” do banco an golano, afectou, segundo o
BNA, os seus “níveis de liquidez e de solvabilidade”, levando à emissão, pelo
Estado angolano, de uma garantia soberana, que entretanto será revogada.
“O
Banco Nacional de Angola actuou na medida daquilo que achava que seria
importante para garantir a estabilidade do sistema financeiro. Não vislumbramos
qualquer risco sistemico, estamos confiantes que as coisas se irão recuperar”,
disse ainda Ricardo de Abreu.
Informações
tornadas públicas em Portugal e Angola nas últimas semanas apontam para um
volume de crédito malparado no BESA que ascende a 5,7 milhões de dólares (4,1
milhões de euros). Coisa pouca. Aliás ainda há muita gente do regime em fila de
espera para obter empréstimo cujo reembolso se enquadra na cláusula das
doações.
O
BNA nomeou dois quadros próprios, António Manuel Ramos da Cruz e João
Fernando Quiuma, para a administração provisória do BESA, no âmbito das medidas
de “saneamento”.
De
acordo com o banco central angolano, estas medidas visam “a reposição dos
termos de sustentabilidade financeira e operacional do banco”. Não
contemplam, “para já”, a intervenção do Estado no BESA, ou o envolvimento de
fundos públicos. Não quê? Pois. Como poderia ser contemplada a intervenção do
Estado se o BESA é um dos bancos Estado?
O
financiamento concedido pelo BES aos negócios do Grupo Espírito Santo foi
considerado o maior dos problemas para o banco, pois emprestou cerca de 1,5 mil
milhões de euros, tornando-se mesmo o maior credor do seu próprio grupo.
No
entanto, no início de Junho de 2014, surge o outro dos grandes problemas para
o BES: o escândalo financeiro no BES Angola, cujas tentativas de silenciamento
falharam porque as comadres da família Espírito Santo se zangaram. O BESA
perdeu o rasto a empréstimos concedidos/doados de forma discricionária a
destacados membros do clã presidencial, pela sua administração, no valor de 5,7
mil milhões euros, 80% do total da carteira. Se não fosse esse facto, Estado angolano
não teria prestado uma garantia de cerca de 4,3 mil milhões de euros, como
contraparte dos créditos concedidos pelo BES Angola.
Como
se isso não bastasse, ficou também a saber-se que, em sentido lato, o clã de
Eduardo dos Santos também tinha beneficiários em Portugal. Ou seja,
alguns (muitos) dos milhões desaparecidos em Angola aterraram em contas
pessoais de Ricardo Salgado e do seu braço-direito, Amílcar Morais Pires. Tudo
mafiosamente dentro do acordado.
A
participação do BES no BESA avaliada em 670 milhões de euros e o banco
português tem empréstimos concedidos ao BESA no valor de 3 mil milhões de
euros. A garantia no valor de 4,3 mil milhões de euros, prestada pelo Estado
angolano, foi revogada e o BES foi impedido de reclamar os créditos concedidos
ao BESA.
O
início do mês de Junho é também a altura em que o BES termina um novo aumento
de capital na ordem dos mil milhões de euros. Mais uma operação de reforço do
seu nível de capital que pretenderia equilibrar os empréstimos concedidos pelo
BES ao restante GES.
A
família, para evitar que a sua participação ficasse demasiado diluída no
capital do banco, tenta acompanhar o aumento de capital. Pede 100 milhões de
euros ao banco japonês Nomura e acaba o aumento de capital com 25% do BES.
Deixa de ter uma posição de controlo mas continua a ser o seu maior
accionista. Como garantia de boa cobrança daquele empréstimo de 100 milhões, a
família dá 5% das acções do próprio BES.
Um
mês depois, face ao crescendo de dúvidas levantas quanto à solidez do GES e à
dimensão da exposição do BES ao seu grupo, as acções do BES desvalorizam
abruptamente e a família Espírito Santo acaba por perder os 5% do BES para o
banco Nomura. A participação da família ficou nos 20%.
A
crescente desconfiança na solidez do GES e do BES culmina, no dia 14 de Julho,
com a substituição do líder histórico Ricardo Salgado por Vítor Bento. Para a
nova administração entram também João Moreira Rato, que vai ocupar o cargo de
administrador financeiro, e José Honório, como vice-presidente da comissão
executiva do banco.
Os
últimos dias de Julho de 2014 são o fim de uma era: Ricardo Salgado é detido,
ouvido em tribunal e constituído arguido no caso Monte Branco, estando em causa
a prática de crimes de burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento
de capitais. O banqueiro sai em liberdade mediante o pagamento de uma caução de
3 milhões de euros, uma das mais altas da história portuguesa. Mas quem tem
dinheiro…não morre na cadeia.
No
dia 30 de Julho, o BES apresenta prejuízos semestrais nunca antes vistos em
Portugal - 3,6 mil milhões euros. Estes resultados, segundo palavras de Carlos
Costa, governador do Banco de Portugal (BdP), reflectem “a prática de actos de
gestão pela administração de Ricardo Salgado gravemente prejudiciais aos
interesses do BES e a violação de determinações do BdP que proibiam o aumento
da exposição a outras entidades do GES.”
No
dia 31 de Julho são descobertas, supostamente pelo BdP, perdas de 1,5 mil
milhões de euros provenientes da actuação da administração de Ricardo Salgado,
nos seus últimos dias no BES. Este valor contribuiu para que os prejuízos do
Banco aumentassem exponencialmente e alcançassem o valor de 3,6 mil milhões de
euros.
O
culminar de todo o episódio dá-se com o BES a deixar de ter liquidez assegurada
pelo BCE, a par da obrigação daquele reembolsar a totalidade do seu crédito
junto do Eurosistema, em cerca de 10 mil milhões de euros. Sem acesso às
linhas de financiamento do BCE, o BES está em suspenso. No dia 3 de Agosto de
2014, sob a orientação do BCE, e contra todas as promessas do Governo e BdP,
dá-se a intervenção do Estado no Banco e no GES.
Em
matéria de bancos, embora seja um pais pequeno, Portugal é uma porta aberta
para a actividade bancária angolana, confundindo-se muitas vezes com uma outra
actividade contígua que dá pelo nome de lavandaria.
Ao
todo existem actualmente cinco bancos a operar no mercado nacional: Banco BIC
Portugal, Atlântico Europa, Banco Angolano de Investimentos Europa (BAI
Europa), Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC) e Banco de Negócios
Internacional Europa (BNI Europa).
O
Banco BIC, depois de ter feito o sui generis negócio da compra do BPN, afirma-se
como o mais lucrativo. A instituição na qual Isabel dos Santos, a empresária
que é a mulher mais rica de África e filha do presidente Eduardo dos Santos,
detém 25 por cento do capital, lucrou quase cinco milhões de dólares no
primeiro semestre do ano. Bem mais do que, proporcionalmente, lucrava com a
sua actividade inicial de venda de ovos.
Em
segundo lugar apresenta-se o Atlântico Europa, que teve uma evolução de 6,4
por cento face a igual período do ano passado, chegando aos 3,78 milhões de
dólares de resultados líquidos, ultrapassando o BAI Europa – o primeiro a marcar
presença em Portugal – cujo lucro recuou para 3,38 milhões de dólares. Feitas
as contas, as três instituições referidas somam um lucro de mais de nove milhões
de euros.
Já
o Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC) entrou em Portugal em Novembro
do ano passado e ainda não apresentou contas semestrais. Tendo como presidente
do Conselho de Administração José Aires, o banco conta como principal
accionista com o general Kundi Paihama, ex-ministro da Defesa de Angola e
actual governador do Huambo, que detém 41 por cento do capital, de acordo com
dados do jornal Público. Quanto ao Banco de Negócios Internacional Europa,
este é o mais recente interveniente em Portugal, tendo começado as operações
apenas no passado dia 15 de Julho.
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