Luís
Osório – jornal i, opinião
Afinal
o que quis dizer Merkel? que Portugal precisa de gente bruta...
Merkel
disse à bruta o que reconhecemos entre amigos: Portugal é um país de doutores,
onde é mais importante o panache do canudo que a sua utilidade para a economia
e o futuro do que se licenciou. Ser chamado doutor já não distingue ninguém,
pelo contrário. Arrisco dizer que uma parte das pessoas são o título e só
depois o nome. Senhor doutor, senhor engenheiro, senhor arquitecto e as
lenga-lengas que conhecemos bem. Talvez um dia os dados da equação se invertam
e possamos reconhecer as pessoas pelo nome, pela sua essência, talento e
capacidade de se adequarem profissionalmente ao que o país precisa.
Na
Alemanha um quarto dos alemães tem um curso superior. Em Portugal, 17 em cada
100 são licenciados. Em média há mais doutores alemães que portugueses, notável
evolução a que assistimos nos últimos anos. Quando frequentei a universidade,
no final da década de 1980,o ensino superior formava muito menos de 20 mil jovens
por ano. Em 2002 saíram das faculdades 81
410 novos doutores. Não há comparação, evoluímos, e isso faz toda a diferença.
Agora precisamos de um país que saiba encontrar as prioridades certas para
aproveitar a mais-valia de ter gente educada.
Afinal
o que quis dizer Merkel? Que os países do Sul da Europa, incapazes de gerar
riqueza que se veja, não precisam de gente educada, mas de gente bruta disposta
a aceitar ser pau para toda a obra. Mão-de-obra barata para que possamos
desempenhar o nosso papel na economia comum sem sermos um encargo.
Ela
não o diz com preconceito, é apenas o que pensa. Afinal cada qual é para o que
nasce, e Portugal deve aproveitar a crise para mudar de vida, empobrecer e
adequar a maioria da população ao fatal destino - deixar de estar na mesa dos
fidalgotes e ser um país disposto ao trabalho sem os resmungos de quem se julga
especial por ter uma licenciatura. O Estado Novo existiu também nessa premissa.
Merkel
é licenciada e ninguém a trata pelo título. Bem o podíamos fazer - na verdade é
doutorada em
Química Quântica. Aposto sem medo de perder que a maioria,
quando a trata por chanceler, o faz com embaraço, como se a designação não lhe
assentasse bem. Por isso, quando a ela nos referimos, dizemos senhora Merkel.
Maneira elegante de a reconhecer como mulher, de a distinguir, mas também de
lhe segurar a porta. E de lhe pagar a conta. Que é o que continuamos a fazer,
tão subservientes com os grandes como arrogantes com os mais pequenos. É o pior
traço da nossa personalidade colectiva. Mais grave do que termos doutores a
mais. Quando nos dermos ao respeito e soubermos respeitar toda a gente por
igual, quando o momento do Ipiranga chegar, saberemos perguntar a Merkel porque
não se cala. E não faremos tanta escandaleira com os pobres timorenses.
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