Martinho
Júnior, Luanda
1
– O 4 de fevereiro de 1961 foi para Angola como o soar duma trombeta de
revolta, impossível de não se fazer ouvir, nem sentir, dentro e muito para lá
das fronteiras angolanas.
A
data foi criteriosamente escolhida para a produção do acontecimento,
aproveitando-se o facto de estarem presentes em Luanda muitos jornalistas
estrangeiros que aguardavam a chegada do paquete Santa Maria (rebaptizado pelos
revoltosos de Santa Liberdade), que deveria estar em rota desde a América
Central.
O
paquete tomado por revoltosos portugueses e galegos a 22 de janeiro de 1961,
não chegou, mas os jornalistas tiveram “de bandeja”, o 4 de fevereiro por
relatar.
Efectivamente
o agrupamento daqueles 150 patriotas angolanos, que com toda a legitimidade se
levantava contra o regime fascista-colonial do “Estado Novo”, ainda que
recorrendo a armas arcaicas, preencheram a oportunidade e colocaram Angola no
centro das atenções internacionais.
2
– Os revoltosos produziram um ataque a duas cadeias de Luanda (São Paulo e Casa
da Reclusão), onde se encontravam presos vários dos seus compatriotas
angolanos, que também haviam questionado a autoridade colonial-fascista em nome
da independência, um ataque dirigido contra os instrumentos de poder, entre
guardas prisionais e polícias, que visava libertar esses compatriotas presos.
O
critério seguido, demarcou-se de outros acontecimentos seus contemporâneos,
tendo em conta os seus objectivos, a organização do empenhamento e aqueles
contra os quais foi dirigido o assalto.
Esse
critério haveria de distinguir o MPLA durante a longa e justa luta contra o
colonialismo, no sentido de independência: o alvo seria sempre o poder
colonial-fascista, os seus instrumentos físicos e humanos de poder, em todas as
opções de combate e, sob o ponto de vista ideológico-político, o inimigo
identificava-se com as condutas do “Estado Novo”.
Jamais
o MPLA haveria de confundir essas opções, pelo que as concepções práticas de
combate nunca foram dirigidas contra o povo, qualquer que fosse sua identidade
nacional, no teatro de operações, havendo sempre o cuidado de não provocar “danos
colaterais”, um justificativo tão em voga nos dias de hoje.
Esse
tipo de critérios com que se identificou o Movimento de Libertação em África,
viria a ser evocado por René Pélissier, o historiador que mais produziu sobre
Angola, Moçambique e Guiné Bissau, de modo a explicar o que era um movimento de
libertação moderno, em comparação com os etno-nacionalismos seus
contemporâneos.
3
– De entre os jornalistas presentes em Luanda a 4 de fevereiro de 1961, estava
o repórter James Burke da revista “Life”, que cobriu os acontecimentos e
deu notícia quer dos funerais dos polícias mortos, quer da onda de repressão
que caiu sobre os angolanos, a 5 e a 17 de fevereiro, em vários bairros “indígenas” da
capital de Angola.
A
repressão indiscriminada que foi levada a cabo por colonialistas à margem, mas
com o beneplácito, das autoridades coloniais, atingiu populações dos bairros
mais pobres de Luanda, onde residiam muitos dos corajosos angolanos que levaram
a cabo os assaltos de 4 de fevereiro.
No
seguimento da primeira vaga de repressão, o Governador-Geral Silva Tavares
visitou alguns desses bairros, a fim de com isso iniciar a manobra de
contrapropaganda do colonialismo, face às reportagens de jornalistas
estrangeiros que se referiram aos acontecimentos de forma muito mais isenta e
com base nos factos.
O
jornalista James Burke apresentou na “Life” uma reportagem
fotográfica, que não deixava margem para dúvidas sobre as baixas dum lado e do
outro: do lado colonial os guardas e polícias mortos (fotos dos seus funerais),
do lado angolano, civis que foram alvo da repressão indiscriminada (por
exemplo, a foto a que nos reportamos).
Na
imprensa portuguesa (“O Século” e o “Diário de Lisboa”, entre outros)
a contrapropaganda fascista-colonial sustentava o argumento das autoridades,
abafando os estragos sangrentos da repressão e sem poder deixar de se referir,
mesmo assim, à tomada da nave Santa Liberdade, nem aos nexos tácitos entre
esses dois acontecimentos, ainda que não houvesse ainda qualquer tipo de
efectivo “vaso comunicante” entre os seus protagonistas.
Na
altura, o único “vaso comunicante” de facto, era a natureza fascista
e colonial do Estado Novo, que fazia mover as consciências mais esclarecidas da
península Ibérica, como dos patriotas angolanos.
O
4 de fevereiro desse modo não permitiu às autoridades coloniais “rédea
solta” em termos de completo domínio de propaganda e contrapropaganda,
como ocorreu com a revolta da Baixa do Cassanje, até por que do outro lado da
barricada, para além do conhecimento público dos factos que ocorriam no Atlântico
Sul, a denúncia do carácter do Estado Novo tornou-se por demais evidente!
*Foto
publicada na revista “Life” ilustrando a repressão que se abateu de
forma indiscriminada sobre os angolanos, no rescaldo dos ataques às prisões a 4
de fevereiro de 1961.
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