sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

HISTÓRIAS DE FEVEREIRO - I



Martinho Júnior, Luanda 

1 – O 4 de fevereiro de 1961 foi para Angola como o soar duma trombeta de revolta, impossível de não se fazer ouvir, nem sentir, dentro e muito para lá das fronteiras angolanas.

A data foi criteriosamente escolhida para a produção do acontecimento, aproveitando-se o facto de estarem presentes em Luanda muitos jornalistas estrangeiros que aguardavam a chegada do paquete Santa Maria (rebaptizado pelos revoltosos de Santa Liberdade), que deveria estar em rota desde a América Central.

O paquete tomado por revoltosos portugueses e galegos a 22 de janeiro de 1961, não chegou, mas os jornalistas tiveram “de bandeja”, o 4 de fevereiro por relatar.

Efectivamente o agrupamento daqueles 150 patriotas angolanos, que com toda a legitimidade se levantava contra o regime fascista-colonial do “Estado Novo”, ainda que recorrendo a armas arcaicas, preencheram a oportunidade e colocaram Angola no centro das atenções internacionais.
  
2 – Os revoltosos produziram um ataque a duas cadeias de Luanda (São Paulo e Casa da Reclusão), onde se encontravam presos vários dos seus compatriotas angolanos, que também haviam questionado a autoridade colonial-fascista em nome da independência, um ataque dirigido contra os instrumentos de poder, entre guardas prisionais e polícias, que visava libertar esses compatriotas presos.

O critério seguido, demarcou-se de outros acontecimentos seus contemporâneos, tendo em conta os seus objectivos, a organização do empenhamento e aqueles contra os quais foi dirigido o assalto.

Esse critério haveria de distinguir o MPLA durante a longa e justa luta contra o colonialismo, no sentido de independência: o alvo seria sempre o poder colonial-fascista, os seus instrumentos físicos e humanos de poder, em todas as opções de combate e, sob o ponto de vista ideológico-político, o inimigo identificava-se com as condutas do “Estado Novo”.

Jamais o MPLA haveria de confundir essas opções, pelo que as concepções práticas de combate nunca foram dirigidas contra o povo, qualquer que fosse sua identidade nacional, no teatro de operações, havendo sempre o cuidado de não provocar “danos colaterais”, um justificativo tão em voga nos dias de hoje.

Esse tipo de critérios com que se identificou o Movimento de Libertação em África, viria a ser evocado por René Pélissier, o historiador que mais produziu sobre Angola, Moçambique e Guiné Bissau, de modo a explicar o que era um movimento de libertação moderno, em comparação com os etno-nacionalismos seus contemporâneos.
  
3 – De entre os jornalistas presentes em Luanda a 4 de fevereiro de 1961, estava o repórter James Burke da revista “Life”, que cobriu os acontecimentos e deu notícia quer dos funerais dos polícias mortos, quer da onda de repressão que caiu sobre os angolanos, a 5 e a 17 de fevereiro, em vários bairros “indígenas” da capital de Angola.

A repressão indiscriminada que foi levada a cabo por colonialistas à margem, mas com o beneplácito, das autoridades coloniais, atingiu populações dos bairros mais pobres de Luanda, onde residiam muitos dos corajosos angolanos que levaram a cabo os assaltos de 4 de fevereiro.

No seguimento da primeira vaga de repressão, o Governador-Geral Silva Tavares visitou alguns desses bairros, a fim de com isso iniciar a manobra de contrapropaganda do colonialismo, face às reportagens de jornalistas estrangeiros que se referiram aos acontecimentos de forma muito mais isenta e com base nos factos.

O jornalista James Burke apresentou na “Life” uma reportagem fotográfica, que não deixava margem para dúvidas sobre as baixas dum lado e do outro: do lado colonial os guardas e polícias mortos (fotos dos seus funerais), do lado angolano, civis que foram alvo da repressão indiscriminada (por exemplo, a foto a que nos reportamos).

Na imprensa portuguesa (“O Século” e o “Diário de Lisboa”, entre outros) a contrapropaganda fascista-colonial sustentava o argumento das autoridades, abafando os estragos sangrentos da repressão e sem poder deixar de se referir, mesmo assim, à tomada da nave Santa Liberdade, nem aos nexos tácitos entre esses dois acontecimentos, ainda que não houvesse ainda qualquer tipo de efectivo “vaso comunicante” entre os seus protagonistas.

Na altura, o único “vaso comunicante” de facto, era a natureza fascista e colonial do Estado Novo, que fazia mover as consciências mais esclarecidas da península Ibérica, como dos patriotas angolanos.

O 4 de fevereiro desse modo não permitiu às autoridades coloniais “rédea solta” em termos de completo domínio de propaganda e contrapropaganda, como ocorreu com a revolta da Baixa do Cassanje, até por que do outro lado da barricada, para além do conhecimento público dos factos que ocorriam no Atlântico Sul, a denúncia do carácter do Estado Novo tornou-se por demais evidente! 

*Foto publicada na revista “Life” ilustrando a repressão que se abateu de forma indiscriminada sobre os angolanos, no rescaldo dos ataques às prisões a 4 de fevereiro de 1961.

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