Emildo Sambo – Verdade (mz),
em Tema de Fundo
O
Governo recém-formado não é prático, não responde ao desiderato de conter o
despesismo na Administração Pública e foi, à semelhança dos anteriores
executivos, formado “no meio de muita pressão do partido de que o Presidente da
República, Filipe Nyusi, faz parte”, sem ter em conta os problemas do país.
Quem o diz é Gilles Cistac, professor catedrático de Direito Constitucional e
director-adjunto para a investigação e extensão na Universidade Eduardo
Mondlane (UEM).
Segundo
o nosso entrevistado, o actual Executivo podia ter sido reduzido ainda mais
para evitar o dispêndio que um ministério acarreta, pois é “um aparato
administrativo extremamente pesado”, que para além do “ministro, vice-ministro,
secretário permanente, assessor do ministro, director nacional” e demais
re-partições, incluem-se outras ramificações a nível local, as quais dependem
de dinheiro para funcionar “que devia ser direccionado para outros sectores
ainda problemáticos, tais como o da Saúde e da Educação”.
Se
Filipe Nyusi deu um tiro no próprio pé no que tange à promessa de combate ao
despesismo, perguntámos a Gilles Cistac qual seria, então, o número ideal de
ministérios, em Moçambique, tendo este dito que a resposta não é simples como
parece. É preciso que as principais dificuldades que o país enfrenta sejam bem
estudadas. Aliás, o constitucionalista entende que o Chefe de Estado formou a
sua máquina a pensar nos obstáculos de outras nações.
“O
Estado não pode pensar que os seus problemas sejam iguais aos de outros
Estados. A luta contra a pobreza, por exemplo, que é o principal objectivo, não
é prioridade para os estados europeus. Não é porque temos um Ministério do
Turismo em Portugal que em Moçambique vamos ter esta instituição. O erro é
pensar na estrutura governativa a olhar para fora. Não é preciso replicar em
Moçambique o que existe fora. É preciso saber o que é necessário para nós e
construir uma estrutura necessária para a resolução dos problemas (...)”,
explicou-se o constitucionalista.
Segundo
Gilles Cistac, os ministérios dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, da Defesa
Nacional, do Interior, da Economia e Finanças, da Educação e da Saúde, são
imprescindíveis para um país e devem, obrigatoriamente, existir, mas continuam
despesistas. “Temos, por exemplo, uma vice-ministra (Janete Mondlane) dos
Negócios Estrangeiros e Cooperação que ninguém sabe o que vai fazer”. Ele
declarou não estar a favor da existência de ministros e vice-ministros, mas,
sim, de um secretário de Estado, muito técnico, especializado e prático para
tratar de assuntos de desenvolvimento do país.
Em
relação ao Ministério dos Combatentes, o nosso interlocutor considera que é uma
despesa desnecessária, porque esta instituição só serve para pagar pensões aos
antigos combatentes e tratar de algumas situações sociais das famílias deste
grupo. “Será que para fazer isso é preciso ter um ministério?”, questionou
Gilles Cistac, para quem a resposta é “não”. E sugeriu que a instituição podia
ser uma direcção no Ministério da Defesa Nacional ou das Finanças para tratar
dos mesmos assuntos e poupar-se-iam custos.
De
acordo com o nosso entrevistado, o Alto Magistrado da Nação não conseguiu
reduzir o despesismo de forma eficaz devido a lobbies muito fortes dos antigos
combatentes na Frelimo e na Presidência da República. A par de outros
governantes, Filipe Nyusi não pôde evitar a criação deste ministério que “é uma
oportunidade política e não racional”.
Na
óptica de Gilles Cistac, o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e
Religiosos é também desnecessário, visto que o acesso à justiça é assegurado
pelo Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), que pode funcionar
sem este organismo do Estado. A formação dos magistrados é feita por uma escola
especializada, sita na Matola, que também podia funcionar sem a entidade
chefiada por Abdurremane de Almeida. “Hoje, o Ministério da Justiça só serve
como assessor do Governo e para tratar dos assuntos religiosos. Podia haver um
gabinete legal a nível do Primeiro-Ministro para tratar destes assuntos”.
O
Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social faz um trabalho que é
assegurado pela Inspecção do Trabalho, segundo o nosso interlocutor, que
acrescentou que o Ministério da Juventude e Desportos nem sequer tem um fundo
para erguer infra-estruturas.
“O jovem Alberto Nkutumula vai, tal como os
seus antecessores, assistir a reuniões e eventos desportivos, mas não vai investir
em nada. Quando
era vice-ministro eu não sabia o que estava a fazer. Praticamente, a ministra
concentrava todos os poderes e ele era, por vezes, chamado para dizer uma e
outra coisa, era porta-voz do Governo, ia a alguns eventos para cortar uma fita
e não mais do que isso. Não há nenhum indicador do desempenho do vice-ministro
nem uma lista de competências sobre as suas actividades”, disse o
constitucionalista.
No
que diz respeito à instrução, Cistac entende que a área da Ciência e
Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional devia estar sob tutela do
Ministério da Educação para esta ter uma visão consistente do Sistema Nacional da
Educação e não tratar apenas do ensino primário e pré-universitário. “Foi um
erro dividir estas duas instituições. E a ciência é feita pelas universidades”.
À
luz do artigo 103, número 01, “na República de Moçambique a agricultura é a
base do desenvolvimento nacional”. Porém, este sector ainda não é prioridade
para o país, indicou Cistac, acrescentando que desde a segunda Constituição, em
1994, há ausência de uma política pública agrícola séria, consistente e com
investimento necessário.
De
acordo com o nosso entrevistado, este é um sector sem estratégia, que funciona
com base em planos abstractos, cuja implementação é imposta a alguns distritos,
o que marginaliza as potencialidades locais. E recordou que políticas como a
revolução verde, produção de jatrofa e a estratégia de produção de alimentos
foram um fiasco. O ProSavana é um programa sem consenso porque as populações
não foram consultadas nem receberam as devidas explicações sobre o que se
pretende com o mesmo.
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