Rui Peralta, Luanda
A Sociedade Industrial
I - A sociedade industrial constitui o resultado do processo de modernização (desenvolvimento integrado das infraestruturas e das superstruturas) desencadeado na esfera económica e social (infraestrutura) em articulação com a emergência do pensamento racional de base cientifica (superestrutura). Implica alterações institucionais e comporta alterações nos mecanismos de formação e renovação das elites nacionais e alterações profundas nos processos de mobilidade social (maior mobilidade e consecutiva fragilidade dos modelos verticais e consequente reforço e generalização dos modelos horizontais). No Ocidente estas transformações foram efectuadas a partir do estabelecimento do Estado-Nação e do amadurecimento dos processos de acumulação e dos factores concorrenciais da fase mercantilista que caracterizou o capitalismo pré-industrial europeu.
No
plano social e económico o desenvolvimento, mais ou menos rápido, da indústria
concentra e organiza a mão-de-obra em unidades de produção, mecaniza o processo
produtivo, cria fábricas e origina sistemas fabris, gera o desaparecimento do
sistema artesanal (embora este possa subsistir em determinadas áreas de
produção tradicional) e do sistema de produção domiciliar (também aqui com
excepções, até porque os sistemas de subcontratação actuais de algumas
multinacionais recorrem a estes sistemas). A mão-de-obra sofre profundas
alterações na sua composição e configuração devido aos imparáveis processos de
divisão-do-trabalho e da mecanização. Gera-se, num curto período inicial, um
excedente de mão-de-obra no mercado de trabalho (devido a factores de
impreparação da mesma e factores de transferência de tecnologias e de capitais e
ás adaptações nos processos acumulativos de capital, investimento e reinvestimento).
Inicia-se um período de crescimento intensivo da produção e da riqueza,
para além do aparecimento de novas forcas sociais que desenvolvem os seus
mecanismos associativos e reivindicativos, afirmando-se no espaço económico e
social enquanto adquirem importância politica, através de mecanismos de contrapoder
ou de inserção no aparelho político do Poder. Estas forças são constituídas por
assalariados (a industrialização implica a generalização do salariato como
relação social de trabalho.
A
ordem jurídica estabelecida nas sociedades industriais consagra o regime de
trabalho livre (associado ao direito de propriedade privada e do comércio
livre) abrangendo esta definição outros regimes além do assalariamento, como as
formas de trabalho independente e de trabalho assalariado. Subsistem formas de
trabalho comunitário (de base rural ou filosófico-religiosa), de trabalho
familiar (na agricultura, pecuária, pesca e pequeno comércio) e de trabalho
voluntario (em instituições humanitárias, de solidariedade social e ONG's).
II - A sociedade industrial caracteriza-se, em grosso modo, pela introdução de tecnologias no processo produtivo, pela concentração de mão-de-obra, pela democratização politica e pela introdução na infraestrutura económico-social do conceito de "progresso" (até aí esse conceito apenas tem aplicação na superestrutura). No entanto podem-se precisar algumas observações de carácter quantitativo, como o aumento da produção e da produtividade (devido â introdução das maquinas no processo produtivo, às novas ferramentas, á organização produtiva e aos conhecimentos técnico-científicos adquiridos); modificações na estrutura económica interna (e mercado nacional), provocados pela ascensão, nos mercados internos, dos produtos industriais e pela quebra do produto agrícola; as correlações entre mão-de-obra industrial e crescimento populacional urbano (esta relação é complexa e obriga a observações atentas. A industrialização implica urbanização, mas o inverso não. Por exemplo em Angola, mais particularmente em Luanda, assiste-se a um processo de urbanização sem qualquer crescimento industrial, ou sem que isso tenha qualquer implicação no crescimento de novas industrias ou no desenvolvimento das poucas já existentes, embora existam os Polos de Desenvolvimento Industrial que, em teoria, têm a função de ordenamento industrial nas áreas urbanas periféricas. Na prática o resultado é exíguo, como aliás acontece em todos os países que optaram pela via do "crescimento administrativo". As excepções acontecem quando estas práticas são abandonadas e o investimento privado aproveita as infraestruturas existentes, modelando a sua intervenção, uma vez que está livre da decisão burocrática, camuflada de "ordenamento"); por ultimo as correlações estatísticas entre o crescimento do PIB e os indicadores sociais ligados aos padrões de produção e de consumo, às formas de utilização dos rendimentos económicos familiares, educação, saúde, cultura, etc.
III
- Além das vertentes quantitativas atrás referidas, podem ser observadas
vertentes qualitativas como o predomínio do sistema fabril de produção; de um
modo de divisão do trabalho assente na qualificação técnica que modela a
hierarquia social; predomínio das máquinas e dispositivos técnicos nos locais
de produção e nos lares; aumento de intensidade nos ritmos de mudança, com
particular incidência no progresso tecnológico; aumento do fosso entre zonas
industrializadas e bolsas pré-industriais nas economias nacionais; maior
diversificação das actividades económicas e alargamento do mercado interna;
aumento da acumulação e concentração do capital; transformação das estruturas
familiares que deixam de ser unidades de produção e passam a unidades de
consumo; generalização do habitat urbano e predomínio das culturas (e
subculturas) urbanas; predomínio das grandes organizações; autonomização e
democratização do conhecimento, predomínio do conhecimento técnico-científico e
económico, alargamento e especialização e democratização do sistema
educacional; predomínio da mentalidade industrial, marcada pela racionalização
e pela secularização, valores cosmopolitas e pelo predomínio dos factores
adquiridos sobre os factores herdados; alteração do papel do Estado na economia
e na sociedade; diversificação social, coesão social efectuada por meio das
instituições e de funções especializadas, socialização dos processos
conflituais, pluralismo social, cultural e político, alterações na dinâmica dos
contrapoderes e reforço da importância dos movimentos sociais, maior
complexidade, autonomia e interdependência.
Mas
a sociedade industrial ao longo do seu desenvolvimento gera problemas específicos,
alguns vindos da fase pré-industrial e adquirindo novos significados e importância
renovada, outros gerados pelas dinâmicas da industrialização. Um dos problemas
- conhecido na fase anterior á industrialização, mas adquirindo um "novo
rosto" na sociedade industrial - é a crise.
IV
- Na sociedade industrial a crise não é de subsistência nem de fome
generalizada (embora gere graves problemas humanitários e possa gerar bolsas de
fome) como acontece nas sociedades não industrializadas. A crise toma uma forma
de desregulação do aparelho económico incidindo directamente sobre o mercado do
trabalho, gerando desemprego e refletindo-se negativamente na actividade
produtiva. Portanto, abrandamento da produção e contração no volume de emprego
são as duas principais características da crise nas sociedades industriais.
São
bem conhecidas, na história económica industrial, as crises de sobreprodução (a
oferta excede a procura) que geram aumentos de stocks, obrigando as fábricas a
reduzir a produção ou a encerrarem, lançando para o desemprego (e para a
miséria, nos países onde os "amortecedores sociais" - segurança
social, fundo de desemprego e outros - não funcionam ou são inexistente). Este
tipo de crises caracteriza as fases iniciais dos processos de industrialização,
que controlam o mercado do trabalho através da criação de reservas de
mão-de-obra, impedindo a valorização da força de trabalho.
Perfil
diferente assumiu a crise que ocorreu em todas as sociedades industriais entre
as duas guerras mundiais. Esta crise viria a estabelecer os alicerces da ordem
mundial que perdurou no período 1945-1990 (keynesianismo, maior intervenção
estatal na economia, politicas fiscais, o New Deal nos USA e o
Estado-Providência na Europa). No entanto esta foi uma crise atípica, mais específica
dos mecanismos de acumulação e de concorrência do capitalismo nas economias
mais industrializadas da época. Foi um "re-acerto" desses mecanismos
e no processo de renovação das elites, mais do que uma crise do processo de
industrialização.
Já
as crises ocorridas na década de 70 do século passado são crises inerentes às
sociedades industriais e devem-se à expansão industrial do pós-guerra e às
dinâmicas do crescimento. São crises que giram em torno dos custos energéticos,
do progresso tecnológico e da sua aplicação no aparelho produtivo (automação e
inicio da informatização) aos grandes aumentos da produtividade, ao início da
agonia do Estado-Providência, a estagflação, crescimento do desemprego e
respectivas alterações qualitativas, novas assimetrias regionais, etc. Grosso
modo pode observar-se que ao nível da produção a fase de saturação do desenvolvimento
estrutural comporta uma diminuição da actividade, refletida na baixa de
encomendas, aumento dos stocks e perda de mercados. Ao nível da estrutura
empresarial observa-se o encerramento de unidades de produção; falências e
liquidação de empresas, reestruturações, fusões e absorções e maior intervenção
do Estado. Ao nível do mercado do trabalho este vê o seu funcionamento afectado
pelos despedimentos, pelo congelamento das admissões de novos trabalhadores,
reformas antecipadas, reconversões profissionais, altos níveis de desemprego e
precarização do emprego. Por fim tornam-se comuns os atrasos nos pagamentos a
credores, atrasos nos descontos para a segurança social, dos impostos e outras
obrigações fiscais.
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