A
exigência é do analista Corsino Tolentino, ex-combatente na guerra pela
independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
Caboverdiano
e ex-combatente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC), Corsino Tolentino, que é atualmente administrador não executivo da
Fundação Amílcar Cabral, faz o ponto da situação nesta entrevista concedida à
DW África.
DW África:
Com a decisão de nomear um novo primeiro-ministro à revelia do PAIGC e sem o
apoio da sociedade civil guineense, o Presidente José Mário Vaz está
praticamente isolado na cena política da Guiné-Bissau. Como perspectiva o
futuro imediato daquele PALOP?
Corsino
Tolentino (CT): Creio que se todos os responsáveis políticos guineenses
assumirem as devidas responsabilidades e pararem para pensar no povo, na razão
porque se candidataram a esses cargos, que ainda vamos a tempo de restabelecer
as condições do diálogo, de haver negociações pacíficas e voltar às origens, às
promessas que fizeram à respetiva população, e evitar o pior, que é a
violência. Mas há um problema sério: o partido político PAIGC não está em
condições de ser de facto um partido político. Porque o Presidente da
República, o primeiro-ministro, o recém-nomeado, constitucionalmente ou não,
primeiro-ministro, teoricamente são todos membros do PAIGC. Um partido político
age em nome coletivo. Ao vermos os diferendos e a gravidade das atitudes desses
responsáveis políticos, penso que devia ser revisitado o conceito de partido
político e ver o que não vai bem na Guiné-Bissau neste sentido. São necessárias
negociações orientadas pelo princípio do bem-estar da Guiné-Bissau, e o
bem-estar tem que passar pela paz.
DW África: Fala-se
da inconstitucionalidade da decisão do Presidente. Sendo verdade, poderá
ocorrer na Guiné-Bissau um desmoronamento das instituições do Estado? Eleições
legislativas antecipadas poderá ser o próximo passo?
CT: Teoricamente
tudo isso é possível. As constituições são leis humanas, e, como tais, são
imperfeitas. Eu creio que, mais do que tentar saber se um governo de iniciativa
presidencial é possível na Guiné-Bissau, devíamos era procurar dialogar entre
as instituições oficiais existentes e procurar a melhor solução para a
Guiné-Bissau. Parece-me que a situação atual vai mais no sentido de saber quem
tem mais poder na Guiné-Bissau, do que realmente defender o país, o Estado de
Direito. A pergunta à qual é preciso responder é esta: existe, ou não existe um
Estado de Direito na Guiné-Bissau?
DW África: Acha
que a comunidade internacional está disposta a apoiar novas eleições?
CT: Acho
que não. O que se chama comunidade internacional ao fim e ao cabo toma
compromissos na base de negociações sobre a utilização do dinheiro dos
contribuintes desses países. Não é justo nem eficaz a Guiné-Bissau não assumir
as suas responsabilidades através das instituições democraticamente eleitas, e
depois, se decidirem que há novas eleições, não poderem financiar essas
eleições e exigir à comunidade internacional que pague. Tanto mais que ela tem
sido generosa com a Guiné-Bissau.
DW África: Nas
redes sociais afirma-se que mais do que um desentendimento pessoal entre José
Mário Vaz e Domingos Simões Pereira, esta é uma disputa que opõe a lusofonia à
francofonia. Há anos que o país adotou como unidade monetária o franco cfa.
Está inserido numa região cem por cento francófonona, tendo como vizinho
imediato o Senegal. Partilha desta tese?
CT: Não
partilho dessa tese. Há dois factores que temos que distinguir. Um dos fatores
é as relações internacionais com os seus interesses mais ou menos organizados e
a inserção da Guiné-Bissau neste contexto. Outra coisa é a soberania de um
Estado que quer ser democrático. Recentemente houve eleições na Guiné-Bissau.
Falta dar conteúdo ao termo soberania, assumir as responsabilidades próprias do
país, e depois defender da forma mais inteligente mais empenhada possível os
interesses nacionais. Nesta espécie de luta pelo poder, está-se a esquecer uma
coisa importantíssima, que é a soberania do Estado da Guiné-Bissau. Quer
queiramos quer não, todas as relações internacionais, e as forças conservadoras
da lusofonia, da francofonia, etc., têm que ser geridas eficazmente pelas
autoridades da Guiné-Bissau. Compreendo as dificuldades que as autoridades da
Guiné-Bissau enfrentam, mas insisto que não estão a explorar todas as vias
pacíficas e os fatores que possam contribuir, nomeadamente nas relações
internacionais.
DW África: Como
alguém que lutou na era colonial pela independência da Guiné-Bissau, ver a
situação em que o país se encontra 40 anos depois é decepcionante? Ou permanece
otimista quanto ao futuro do país, acreditando que o sacrifício não foi em vão?
CT: Há
algo que eu aprendi ao longo da vida, que é haver uma diferença muito grande
entre a vida e o percurso de uma Nação, e a vida e o percurso de uma pessoa. Os
caminhos de uma Nação são muito mais complexos e longos. Portanto continuo a
ser otimista. Registo que apesar de todas as decepções que possamos ter, a
Guiné-Bissau continua a fazer o seu próprio caminho. Apesar de tudo, há sinais
de avanço. Mas volto a insistir que as autoridades, principalmente porque são
livremente eleitas, têm a obrigação de fazer mais para garantir a paz e a
estabilidade, e começarmos o desenvolvimento da Guiné-Bissau finalmente.
António
Rocha – Deutsche Welle
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