Albinos
vivem em pânico em Nampula, curandeiros pagam mais de 2,5 milhões de meticais
pelos seus órgãos
Leonardo
Gasolina - @Verdade
Em
Nampula, o rapto de pessoas com ausência de pigmentação na pele remonta aos
finais de 2014. De Dezembro a esta parte, aproximadamente uma centena de
pessoas com albinismo foi vítima. Alguns indivíduos foram mortos e outros são
dados como desaparecidos. Em conexão com esses casos, 42 indivíduos
encontram-se detidos. Curandeiros africanos chegam a pagar 75 mil dólares
norte-americanos por um conjunto completo de órgãos de um albino para usá-los
em feitiços que acreditam trazer boa sorte, amor e riqueza. Devido a esta
“caça”, os albinos vivem em pânico nesta parcela do país.
Em
Março do corrente ano Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para o
aumento de ataque contra pessoas com albinismo em vários países do sul e leste
de África devido a proximidade de eleições em vários países onde políticos
recorrem a rituais de bruxaria para aumentar as suas hipóteses de chegar ao
poder.
Para
se inteirar desta dura realidade que continua a semeiar luto nas famílias
moçambicanas, o @Verdade entrevistou familiares das vítimas. Dos nossos
entrevistados, ficámos a saber que o recrudescimento do crime deve-se à
inoperância das autoridades policiais.
Os
casos mais recentes ocorreram em Namina, Larde e Malena, nos meses de Setembro
e Outubro, onde um jovem desapareceu em circunstâncias estranhas, e outros
foram assassinados, nomeadamente Alfane António e Lídia Carlitos.
Segundo
Maurício Carlitos Pedro, irmão da Lídia Pedro que deixou duas menores de seis e
sete anos de idade, esta foi raptada na sua casa, no posto administrativo de
Muralelo, distrito de Malema, pela calada da noite. A vítima foi levada até a
uma mata, perto de um cemitério, onde viria a ser assassinada. Os malfeitores
extraíram algumas partes do corpo da malograda desde tripas, seios, dentes,
cabelo, entre outras. Os assassinos aproveitaram-se da ausência do marido de
Lídia para raptá-la.
Naquele
dia, de acordo com Pedro, o seu cunhado não dormiu em sua casa, mas descarta a
possibilidade de este ser conivente no assassinato de sua irmã. Lídia tinha 25
anos de idade e vivia nos últimos dias em pânico.
Importa
referir que o nosso interlocutor e o seu irmão Ricardo Carlitos Pedro também
são albinos e, com o sequestro e morte da sua irmã, eles sentem-se ameaçados.
Neste momento, aqueles cidadãos encontram-se na cidade de Nampula.
Pedro
disse que o caso está a ser tratado pelas autoridades policiais de Malema, mas
desde aquele dia a esta parte não houve nenhum desenvolvimento.
No
caso do Alfane
António, enfermeiro que foi raptado e esquartejado em Larde, no passado dia
17 de Setembro, o @Verdade soube que seis indivíduos, sendo um deles parente da
vítima, se encontram detidos e um processo-crime está a seguir os trâmites
legais no distrito de Angoche.
Pela
manhã do dia 17 de Dezembro de 2014, um jovem, com albinismo, identificado por
Auxílio César Augusto, de 21 anos de idade (até àquela data), desapareceu, após
receber o convite de indivíduos ainda a monte para passear. O facto deu-se no
bairro de Mutauanha, na cidade de Nampula, e o local do encontro entre a vítima
e os presumíveis malfeitores foi na Avenida do Trabalho, concretamente no posto
de abastecimento de combustível na zona da Faina.
Segundo
Eduardo César Augusto, o pai da vítima, os supostos raptores teriam convidado o
seu filho com promessas de empregá-lo na fábrica de Cervejas de Moçambique
(CDM), onde auferiria 15 mil meticais mensais.
O
pai da vítima encontrava-se fora da cidade, quando foi colhido de surpresa com
a notícia e tratou de participar o caso na 1ª Esquadra, onde foi aberto um
processo criminal sob número 2857/PIC/2014.
Augusto
disse que um dia depois do desaparecimento de Auxílio, um jovem de nome Elias
Martins teria chegado à sua casa procurando pelo seu filho, a fim de lhe
oferecer um emprego. Tal situação terá chamado a atenção da família, uma vez
que tal indivíduo apresentou uma proposta salarial igual a que motivou o
desaparecimento da vítima.
Eduardo
Augusto denunciou o indivíduo às autoridades policiais que viriam a detê-lo. O
processo para o interrogatório do acusado teria sido remetido à Polícia de
Investigação Criminal (PIC) a 05 de Fevereiro de 2015, sendo que foi ouvido no
dia 12 de Fevereiro. No dia seguinte (13), o juiz de instrução criminal que
instaurou o processo exarou um despacho deliberando que se mantivesse a prisão
preventiva do Elias Martins, mas arquivou o processo.
Segundo
o nosso entrevistado, desde aquele dia nada houve. Mas para o seu espanto tomou
conhecimento da soltura do acusado, alegadamente porque um advogado teria
requerido a liberdade do mesmo por insuficiência de provas do seu envolvimento
no rapto de Auxílio Augusto. Elias Martins foi solto a 03 de Março, fazendo-se
cumprir um despacho exarado pelo juiz, a 27 de Fevereiro, e só o processo foi
devolvido à PIC no dia 18 de Março. O acusado não foi, segundo o pai da vítima,
interrogado pela Polícia.
“O
juiz de instrução criminal é conivente no rapto do meu filho. Primeiro ele
exarou um despacho que mantinha a prisão preventiva do acusado, mas engavetou o
processo. Porquê?”, indagou Augusto, que acrescentou: “Ele revogou o seu
primeiro despacho duas semanas depois, por alegada intervenção de um advogado.
Ele engavetou o processo, porque sabia que um advogado apareceria para requerer
a liberdade do arguido”.
O
nosso interlocutor afirmou ainda que Elias Matins não tem condições financeiras
que lhe permitam constituir um advogado, daí que acredita que o mandante do
rapto do seu filho foi quem contratou os serviços daquele profissional.
Além
disso, a nossa fonte revelou que já denunciou o mandante do crime às
autoridades policiais, mas estas mostraram-se indiferentes. Eduardo Augusto
disse que já foi expôr a sua preocupação à Procuradoria Provincial há meses.
Insatisfeito com a forma como está a ser tratado o caso, o cidadão fez uma
exposição ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, a qual
deu entrada no dia 21 de Agosto do ano em curso, mas também até à data não foi
acusado.
É
de salientar que Auxílio Augusto não é/era único filho de Eduardo Augusto com
albinismo.
Abiazer
e Pedro César Augusto vivem aterrorizados por causa da onda de raptos em
Nampula. Abiazer Augusto tem 29 anos de idade, é casado, mas ele viu-se
obrigado a mudar de residência, porque descobrira que estava a ser “caçado” na
zona onde vivia, no bairro de Muatala.
O
caso de Auxílio Augusto não é o único nos arquivos das autoridades policiais e
judiciais em Nampula. Diamantino António Simila é um jovem que nasceu com
albinismo e, por isso, sofreu uma tentativa de rapto perpetrado por uma amigo
da sua irmã, que identificou por único nome de Ramadane, no passado mês de
Janeiro.
Segundo
Simila, tudo teria começado quando o seu telemóvel tocou. Era a chamada de
Ramadane, trabalhador da KENMARE em Larde, que lhe recomendou que juntasse
documentos para beneficiar de um posto de emprego em Topuito. O suposto
infractor teria obtido o número de contacto através da irmã da vítima.
Dias
depois, Simila recebeu uma chamada de Ramadane que solicitou que ele fosse ter
com este imediatamente. O encontrou foi marcado para as proximidades da Escola
Secundária de Namicopo, bairro de Carrupeia. O nosso interlocutor fez-se ao
local, onde lhe foi pedido por Ramadane para ir com ele até ao Hospital Central
de Nampula, supostamente para doar sangue a uma criança albina que se
encontrava de baixa e seria receberia 20 mil meticais.
O
indivíduo fazia-se transportar numa viatura na companhia de outras duas pessoas
que, para Simila, eram estranhas. Com o apoio de populares, Simila recusou o
convite, pese embora Ramadane tenha subido o valor para 25 mil meticais.
Chegado a casa, ele informou a sua mãe do que se passava, que tratou de
denunciar o caso à Polícia.
Dias
depois, ainda em Janeiro, Simila levou o caso à Procuradoria Provincial, onde
viria a ser solicitada a comparência de Ramadane, mas na ausência do queixoso.
Simila disse que foi dito na Procuradoria que o infractor confessou que
pretendia traficar o jovem.
O
que preocupa Simila é o facto de, volvidos cerca de 10 meses, o caso não tenha
tido nenhum desenvolvimento. “O caso está no Tribunal, mas ainda não fui
chamado para ser ouvido e quando lá vou dizem-me para aguardar”, lamentou.
O
@Verdade conversou com uma jovem, de 27 anos de idade, que pediu para não ser
identificada. Ela foi, várias vezes, vítima de uma tentativa de rapto. A última
vez que isso sucedeu foi na Rua Daniel Napatima, onde ela foi abordada por três
indivíduos que se faziam transportar numa viatura de marca Toyota Corola.
A
cidadã estava na companhia do seu irmão e cunhada, que também se encontravam
num carro. Quando ela e a sua cunhada desceram do veículo com o intuito de
entrar na loja PEP, viu-se recolhida por dois indivíduos que só a largaram
graças à pronta intervenção do seu irmão.
Nos
últimos dias, ela tem recebido várias mensagens com um ameaçador. O caso está,
segundo a nossa entrevistada, nas autoridades policiais. Algumas pessoas
albinas já desistiram das aulas sob pena de serem raptadas. Sania Muaine, de 19
anos de idade, é exemplo disso. Aluna que frequenta a 9ª classe na Escola
Secundária de Namicopo, ela viu-se obrigada a abandonar os estudos há quatro
meses.
Quarenta
e dois indivíduos detidos
Cristóvão
Mário Mondlane, procurador provincial de Nampula, disse que a onda de
raptos a pessoas com albinismo preocupa as autoridades judiciais na província,
daí que foram accionados mecanismos de forma a combater este mal.
Questionado
sobre o tratamento
dos processos-crimes que deram entrada na sua instituição, Mondlane afirmou
que nenhum dos profissionais deve ser apontado como conivente. A morosidade
deve-se aos procedimentos que devem ser seguidos. Para além disso, os acusados
nunca revelam os seus mandantes.
A
nossa fonte disse que até àquele momento que concedia a entrevista ao @Verdade,
estavam detidos 42 indivíduos, sendo que dois seriam restituídos à liberdade
por ter sido provado que não estavam envolvidos no crime. Em conexão com este
tipo de crime, a Procuradoria teria instruído 22 processos-crime, sendo que o
primeiro caso a ser julgado teve lugar na passada quarta-feira (14), mas não
teve desfecho.
Num
outro desenvolvimento, Mondlane afirmou que os supostos criminosos “caçam” as
pessoas com albinismo e, depois de assassiná-las, procuram clientes; por isso,
quando são interpelados não podem dizer quem são os mandantes, tendo dito que
“eu pessoalmente, fazendo-me passar por cliente, já fui deter oito indivíduos
que vinham aqui à procura de um comprador”.
O
albinismo é um distúrbio congénito caracterizado pela ausência de pigmento na
pele, cabelos e olhos devido a uma deficiência na produção de melanina pelo
organismo. Em alguns casos, o distúrbio também provoca problemas de visão.
"Pessoas
com albinismo estão entre as mais vulneráveis da região sul e leste de
África", disse Ikponwosa Ero, primeiro especialista de direitos humanos em
albinismo da ONU, em comunicado.
"Hoje,
o infortúnio deles tem sido agravado pelo medo constante de ataques por outras
pessoas – incluindo membros da família – que valorizam as partes de seus corpos
mais do que a vida deles."
Curandeiros
africanos chegam a pagar 75 mil dólares norte-americanos (cerca de 2,5 milhões
de meticais) por um conjunto completo de órgãos de um albino, de acordo com um
relatório da Cruz Vermelha, para usá-los em feitiços que acreditam trazer boa
sorte, amor e riqueza.
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