sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Portugal. CAMPANHA A PRETO E BRANCO



Felisbela Lopes – Jornal de Notícias, opinião

Chega hoje ao fim a campanha eleitoral para a Presidência da República, sem disso darmos conta. Porque a caravana que atravessou o país foi pouco empolgante, porque os candidatos não promoveram debates arrebatadores e porque os média não tiveram coragem de criar uma agenda alternativa. Depois de amanhã, o mais provável é que metade do país se recuse a votar. Não se trata de um fenómeno novo, mas é uma tendência que ninguém tem conseguido travar.

Se recuássemos à televisão a preto e branco, esta campanha seria perfeita. De ritmo lento, de discursos fastidiosos e de gente envelhecida, a caravana que atravessou o país não poderia estar mais sintonizada com o tempo da chamada paleotelevisão, aquela que imaginava os portugueses como gente acrítica e que, por isso, pouco investia em renovar-se no conteúdo e na forma. Acontece que Portugal mudou. Já não estamos recetivos a estender passivamente a mão a candidatos que ostentam um programa sem possibilidades práticas de ação. Quem se apresenta a votos não conhece os portugueses, particularmente os jovens para quem a atual política é uma espécie de universo autotélico composto por um conjunto de marretas do tempo dos seus avós, petrificados num tempo que já não existe. Pena que grande parte dos políticos comprove insistentemente esta tese.

Olhando para a campanha que os média refletiram, testemunhámos um périplo por um país envelhecido, triste, doente, iletrado. Um Portugal de feiras, de fábricas com trabalhadores precários e de gente que se arrasta por melancólicas ruas. O tal país da televisão a preto e branco que julgávamos superado, mas que, em tempo de campanha, os políticos nos lembram que existe e é hegemónico fora da capital do reino. Passa-se, assim, levianamente ao lado de uma outra parte do Portugal de hoje, que se enche de startups de jovens empreendedores, que acolhe cientistas reconhecidos internacionalmente e que se compõe de cidadãos que se reinventam para recriar o seu futuro. Isso os candidatos não mostraram. Porque ainda olham para fora de Lisboa como quem abre uma janela para um país rústico. Poderíamos seguir o exemplo do candidato Vitorino Silva e "fazer desenhinhos" enquanto a caravana passa, mas a maior parte de nós prefere virar as costas a esta desoladora campanha. Não será, pois, de estranhar que, no domingo, a abstenção suba ainda mais do que nas últimas eleições presidenciais em que registou a impensável percentagem de 53 por cento.

Em cada ato eleitoral, repetimos um balanço negativo do que se faz, porque os partidos e a sociedade civil que ambiciona fazer política não conseguem alterar o paradigma da comunicação política que põem em marcha. Mas a mudança impõe-se e, neste contexto, o campo do jornalismo é o mais apto a iniciar esse processo reformista, se for capaz de promover uma outra cobertura das ações dos candidatos.

A Lei Eleitoral obriga os média noticiosos a fazer um tratamento jornalístico de todas as candidaturas com "equilíbrio, representatividade e equidade", mas também é um facto que a recente reformulação legislativa acrescentou que esse trabalho deve ter em conta a respetiva "relevância editorial". Em período de campanha eleitoral, não faz sentido colocar repórteres permanentemente atrás dos candidatos ao serviço de uma espécie de diário de bordo que muitas vezes se vê obrigado a integrar o anedótico porque não há nada de significativo para contar. Mais do que seguir uma caravana, os média deveriam criar a sua agenda noticiosa. Alternativa e exigente. Mais do que resumir o dia, os repórteres deveriam fazer notícias apenas quando houvesse acontecimentos significativos, adotando ângulos de reportagem diferentes daqueles previstos pelas candidaturas. Eis uma mudança que apenas se tornará possível quando as direções editoriais resolverem terminar com aquilo que, nos anos 70, o jornalista e investigador Timoty Crouse refletiu no título do livro "The boys on the bus". Porque os repórteres não estão ao serviço das caravanas. São os candidatos que devem procurar atrair o interesse dos jornalistas para aquilo que conseguem fazer de relevante para os cidadãos.

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