Felisbela
Lopes – Jornal de Notícias, opinião
Chega
hoje ao fim a campanha eleitoral para a Presidência da República, sem disso
darmos conta. Porque a caravana que atravessou o país foi pouco empolgante,
porque os candidatos não promoveram debates arrebatadores e porque os média não
tiveram coragem de criar uma agenda alternativa. Depois de amanhã, o mais
provável é que metade do país se recuse a votar. Não se trata de um fenómeno
novo, mas é uma tendência que ninguém tem conseguido travar.
Se
recuássemos à televisão a preto e branco, esta campanha seria perfeita. De
ritmo lento, de discursos fastidiosos e de gente envelhecida, a caravana que
atravessou o país não poderia estar mais sintonizada com o tempo da chamada
paleotelevisão, aquela que imaginava os portugueses como gente acrítica e que,
por isso, pouco investia em renovar-se no conteúdo e na forma. Acontece que
Portugal mudou. Já não estamos recetivos a estender passivamente a mão a
candidatos que ostentam um programa sem possibilidades práticas de ação. Quem
se apresenta a votos não conhece os portugueses, particularmente os jovens para
quem a atual política é uma espécie de universo autotélico composto por um
conjunto de marretas do tempo dos seus avós, petrificados num tempo que já não
existe. Pena que grande parte dos políticos comprove insistentemente esta tese.
Olhando
para a campanha que os média refletiram, testemunhámos um périplo por um país
envelhecido, triste, doente, iletrado. Um Portugal de feiras, de fábricas com
trabalhadores precários e de gente que se arrasta por melancólicas ruas. O tal
país da televisão a preto e branco que julgávamos superado, mas que, em tempo
de campanha, os políticos nos lembram que existe e é hegemónico fora da capital
do reino. Passa-se, assim, levianamente ao lado de uma outra parte do Portugal
de hoje, que se enche de startups de jovens empreendedores, que acolhe
cientistas reconhecidos internacionalmente e que se compõe de cidadãos que se
reinventam para recriar o seu futuro. Isso os candidatos não mostraram. Porque
ainda olham para fora de Lisboa como quem abre uma janela para um país rústico.
Poderíamos seguir o exemplo do candidato Vitorino Silva e "fazer
desenhinhos" enquanto a caravana passa, mas a maior parte de nós prefere
virar as costas a esta desoladora campanha. Não será, pois, de estranhar que,
no domingo, a abstenção suba ainda mais do que nas últimas eleições
presidenciais em que registou a impensável percentagem de 53 por cento.
Em
cada ato eleitoral, repetimos um balanço negativo do que se faz, porque os
partidos e a sociedade civil que ambiciona fazer política não conseguem alterar
o paradigma da comunicação política que põem em marcha. Mas a mudança impõe-se
e, neste contexto, o campo do jornalismo é o mais apto a iniciar esse processo reformista,
se for capaz de promover uma outra cobertura das ações dos candidatos.
A
Lei Eleitoral obriga os média noticiosos a fazer um tratamento jornalístico de
todas as candidaturas com "equilíbrio, representatividade e
equidade", mas também é um facto que a recente reformulação legislativa
acrescentou que esse trabalho deve ter em conta a respetiva "relevância
editorial". Em período de campanha eleitoral, não faz sentido colocar
repórteres permanentemente atrás dos candidatos ao serviço de uma espécie de
diário de bordo que muitas vezes se vê obrigado a integrar o anedótico porque
não há nada de significativo para contar. Mais do que seguir uma caravana, os
média deveriam criar a sua agenda noticiosa. Alternativa e exigente. Mais do
que resumir o dia, os repórteres deveriam fazer notícias apenas quando houvesse
acontecimentos significativos, adotando ângulos de reportagem diferentes
daqueles previstos pelas candidaturas. Eis uma mudança que apenas se tornará
possível quando as direções editoriais resolverem terminar com aquilo que, nos
anos 70, o jornalista e investigador Timoty Crouse refletiu no título do livro
"The boys on the bus". Porque os repórteres não estão ao serviço das
caravanas. São os candidatos que devem procurar atrair o interesse dos
jornalistas para aquilo que conseguem fazer de relevante para os cidadãos.
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