segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Portugal. CHAMAR OS BOIS PELOS NOMES



Rui Sá – Jornal de Notícias, opinião

A semana foi marcada pela decisão do Tribunal Constitucional sobre as pensões vitalícias de ex-titulares de cargos políticos. Sobre isto li e ouvi muitos comentários que, na verdade, têm o condão de se afastarem do fundamental. Importa, assim, ver os factos e chamar os bois pelos nomes.

Em primeiro lugar, a criação das subvenções vitalícias remonta a 1985, numa altura em que o país era liderado pelo Bloco Central. Logo, os autores daquilo que hoje se considera, e muito justamente, uma imoralidade, têm pai e mãe: o PS e o PSD, que implementaram a medida com o apoio do CDS. Medida essa que contou com a oposição do PCP. Isto são factos! Por isso, esta coisa de dizer que foram os "políticos" mais não é do que uma forma de apaziguar a consciência por parte dos que, tendo contribuído para a eleição de determinados políticos concretos que criaram e aprovaram esta legislação, procuram sacudir a água do capote das suas próprias responsabilidades.

Em segundo lugar, e dentro da mesma linha de branquear a paternidade (e maternidade) da legislação que criou as subvenções vitalícias, procura agora atribuir-se a responsabilidade pela sua manutenção ao Tribunal Constitucional. Naturalmente que podemos discordar das decisões do Tribunal Constitucional, mas, em matéria tão técnica, convenhamos que a maior parte das pessoas que se pronuncia mais não é do que "treinador de bancada". O Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre a existência, ou não, de subvenções vitalícias. Pronunciou-se, isso sim, sobre um artigo concreto do Orçamento do Estado que altera a essência dessas subvenções, que foram criadas como "prémio" pelo exercício de funções públicas e, com alteração proposta pelo Governo PSD/CDS, se transforma num regime de "assistência social" a ex-políticos em "dificuldades económicas". Logo, a culpa deste privilégio de ex-políticos não é do Tribunal Constitucional mas sim, repito, de quem criou as subvenções vitalícias.

Em terceiro lugar, a crítica aos deputados que solicitaram ao Tribunal Constitucional a análise da constitucionalidade dessa norma, com o "picante" de Maria de Belém, candidata presidencial, ser uma das subscritoras. Em abstrato diria que sou a favor de que todos os cidadãos, quando consideram os seus direitos atingidos, lutem pela sua defesa. Há, no entanto, neste caso, um problema moral: o facto de os deputados que se insurgiram contra este corte nos seus "direitos" não terem sentido a mesma necessidade de recorrerem a esse mesmo Tribunal Constitucional para analisar a constitucionalidade dos cortes nos "direitos" de pensionistas bem mais penalizados do que eles e a viverem em condições económicas e sociais muito mais difíceis. Com a agravante de os deputados do PSD que o solicitaram terem aprovado esses mesmos cortes à generalidade dos pensionistas...

Por isso, nesta como em outras matérias, os bois têm nomes. E chamam-se deputados do PSD, PS e CDS, por muito que isso custe a muitos dos seus eleitores que não podem assobiar para o ar...

*Engenheiro

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