Khadija
Sharife e Luis Nhachote - @Verdade
Quando
em 1992, a Guerra civil terminou em Moçambique, o investimento externo começou
a entrar. Os investidores estrangeiros interessados em minas, reservas
naturais, ilhas e depósitos de petróleo e gás. Actualmente, os investidores
internacionais estão atentos a uma nova oportunidade: terras agrícolas,
especialmente no Corredor de Nacala norte de Moçambique. Mais de 95 por cento
da terra cultivada em Moçambique pertence a milhões de famílias que a cultiva
para o seu consumo e geração de algum rendimento. Mas essa terra pode estar
comprometida se um dos maiores negócios de desenvolvimento da agricultura em
África, orçado em 4,2 biliões de dólares norte-americanos, for realizado pela
Companhia de Desenvolvimento do Vale do rio Lúrio que prevê desalojar mais de
100 mil pessoas. Documentos existentes nos “Panama Papers” mostram como o
projecto está a ser orquestrado através de uma rede de empresas opacas
localizadas em paraísos fiscais e com pouca credibilidade na origem e destino
dos activos financeiros.
Uma
cópia da apresentação corporativa intitulada "resumo do projecto”, datada
de 2014 (*), identifica 240 000 hectares de terra ao longo das margens férteis
do rio Lúrio cruzando três províncias para o desenvolvimento - Cabo Delgado
(18%), Niassa (25%) e Nampula (57%). Estima-se que vivam nas terras ricas 500
mil pessoas das quais cerca de 100 mil, a maioria camponeses, poderão ser
desalojadas se o projecto – que prevê grandes machambas de cultivo industrial,
barragens e outras infra-estruturas, como canais - for adiante sem a consulta
pública adequada. Os críticos consultados defendem que um país como Moçambique
precisa desesperadamente de infra-estruturas deste género. Mas a quem servirão
essas infra-estruturas? Quem está por detrás do projecto? Se centenas de
milhares de pessoas poderão ser seriamente afectadas pelo projecto e cerca de
100 mil desalojadas, porque a estrutura corporativa não mostra com clareza os
verdadeiros beneficiários deste projecto lucrativo?
Quem
pertence a quem?
De
acordo com o documento, oficiosamente, uma empresa chamada Companhia de
Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio (DVRL, acrónimo em inglês) lidera o
projecto, e apesar da dimensão do negócio, pouco sabe se acerca da empresa.
Sabemos que DVRL é gerido por duas entidades financeiras: Turconsult e
Agricane. Esta última diz que presta serviços de consultoria para os
agricultores de grande escala e tem escritórios na África do Sul e em Malta, um
paraíso fiscal europeu. Não há números de telefone listados da Agricane e apenas
esta disponível um e-mail geral.
A
Turconsult é dirigido por Rui Monteiro, um influente empresário moçambicano com
ligações com o partido Frelimo. O perfil de Monteiro, na rede social Linkedin,
mostra que é representante moçambicano da Rani Resorts, propriedade de Sheikh
Adel Aujan, um financiador ligado a grandes investidores do Golfo Pérsico.
Aujan é considerado o rei do turismo de luxo em Moçambique. Grande parte do
turismo de Rani está em redor do corredor de Nacala: ilhas privadas, spas,
resorts e hotéis cinco estrelas, acampamentos fascinantes e lucrativas
participações imobiliárias.
Monteiro
é considerado, por pesquisadores com os quais falamos, um guia de investidores
no processo de implementação – um intermediário entre os investidores
estrangeiros e o partido no poder em Moçambique, Frelimo. Rui Monteiro é ainda
vice-presidente da poderosa Confederação das Associações Económicas de Moçambique
para o pelouro da Política Laboral e Acção Social.
Um
pedido de esclarecimentos por e-mail foi recusado por Rui Monteiro que
reencaminhou as perguntas para a empresa Arcem, que também não fez comentários.
A Arcem, que denominava-se anteriormente Arcadia Energia e Mineração, tem
relacionada com o seu endereço nas Ilhas Maurícias dezenas de empresas de
mineração listada nos “Panama Papers” tais como a Arcadia Coal, Arcadia E &
P, International Exploration Mining Company, Great Lakes Resource Company Limited
entre outras.
De
acordo com o Boletim da República da III Série número 5, de 13 de Janeiro de
2016, a empresa Arcadia Agricane Limited adquiriu 98 por cento das acções da
Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio, Limitada, e a restante quota
correspondente 2 por cento pertencem ao sócio Rui Monteiro. A empresa Arcadia
África mudou posteriormente de nome para Lurio Valley Limited e a participação
foi adquirida por outra empresa com sede nas Ilhas Maurícias denominada Arcem
Resources.
A
Arcem afirma ser uma "empresa de investimento baseada em recursos
naturais", com 20 anos de experiência, mas pouca informação consistente ou
credível pode ser encontrada relacionada à mineração como a sua actividade
principal ou qualquer outro negócio envolvendo agricultura e infra-estruturas.
Segundo
a rede social LinkedIn o principal executivo da Arcem é um cidadão sul-africano
identificado pelo nome de Paul Main.
Os
“Panama Papers” mostram uma rede de entidades fantasmas ligadas a Arcem
incluindo a Great Lakes Resource Company Limited e a International Exploration
Mining Company, que partilham o endereço nas Ilhas Maurícias com a mesma. Ela
também revela uma porta giratória de accionistas corporativos que parecem ser
entidades fantasmas ou candidatos sem actividades económicas significativas e
não proprietários ou beneficiários identificáveis. Accionistas tais como
Trillion Resources, Broadway Holdings, Read Internacional e R P Foster estão
todas sedeadas nas Ilhas Virgens Britânicas, Bahamas, Guernsey, entre outros
paraísos fiscais que protegem as empresas do escrutínio.
Informações
corporativas tornadas públicas sobre o grupo Arcem e envolvendo a empresa Arcem
Resources indicam Paul Main como o diretor. A Maitland, uma empresa com sede
nas Ilhas Maurícias, aparece como uma das empresas responsáveis pela gestão
enquanto uma outra entidade, identificada como Highlands Trust, incorporada nas
ilhas Jersey (outro paraíso fiscal), surge como o proprietário beneficiário
final.
Numa
troca de correspondência existente nos “Panama Papers” um representante da
Arcem, em resposta à Turconsult (com cópia para a Agricane, Chris Matthews),
informa que a "Arcem é uma empresa privada e um dos promotores do
projecto, juntamente com Agricane. A Arcem está interessada em participar nos
aspectos de infra-estrutura de desenvolvimento através de uma das suas
subsidiárias e actualmente tem uma participação minoritária no pretendido
desenvolvimento da empresa. A participação final da DVRL será determinada pela
contribuição financeira assim que o desenvolvimento começar".
Os
“Panama Papers” mostram que os beneficiários efectivos da Companhia de
Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio incluem as empresas Agri-Pemba e Agricane
Commercial Holdings ao lado da Highlands Trust e da Arcadia Energia e Miining
baseadas nas Ilhas Maurícias. Esta assumpção não foi confirmada nem negada pelo
representante do Arcem. A Arcem não está formalmente listada no documento
tornado público como uma entidade participante. O representante da Arcem que
coordenou a resposta, informou-nos que os comentários eram em nome do projecto
e não da Arcem e que ele não foi funcionário da empresa, e nem é capaz de falar
acerca desta.
O
papel da Turconsult foi descrita pelo representante da Arcem como de
"conselheiro do projecto no processo de consulta e de aprovação."
A
Arcem confirmou que as duas fases do projecto, estudo inicial e o processo de
consulta foram concluídas e que actualmente está na terceira fase de
"licenciamento e estudos aprofundados que devem ser concluídos antes do
lançamento do projecto previsto para um período de aproximadamente 15
anos".
Enquanto
Arcem nega quaisquer aprovações por parte do Governo de Moçambique documentos
do projecto mostram que em 2012 foram assinados memorandos de entendimento para
uso da terra e da água, depois das apresentações efectuadas a “Ministros,
Governadores e Administradores”.
Fundos
Financeiros
Uma
empresa denominada Exeed é indicada, nos documentos corporativos, como o
financiador principal para o segmento do projecto relativo a construção de uma
barragem. A Exeed é parte da National Holdings, uma empresa privada da família
real de Abu Dhabi. Dr. Kamel Abdallah, o director executivo da Exeed, dirigiu
anteriormente a Rani Investiment e foi vice-presidente executivo da Aujan
Industries. A empresa Arcem comentou que os financiadores ainda estavam a ser
formalizados mas disse que a Exeed poderia desempenhar algum papel, “dependendo
do processo de aprovação e dos estudos finais”. A empresa negou que a família
Aujan tenha qualquer interesse no negócio. Fontes com conhecimento do negócio
com quem falámos disseram que o financiamento para uma barragem foi uma troca
para possibilitar o acesso a terra rica e água abundante que os países do Golfo
precisam.
O
representante de Arcem disse-nos que o Highlands Trust, a beneficiária efectiva
da Arcem, é "uma família privada sem ligação com Moçambique." Os
“Panama Papers” indicam que a Highlands Trusts é uma entidade incorporada nas
ilhas de Jersey e que é representada pelo Church Street Trustees cuja
finalidade foi dita como sendo “locais de adoração”.
O
Highlands Trust recebe fundos emprestados por uma empresa com sede em Ilhas
Virgens Britânicas chamada Termic, cujos accionistas são o Highlands Trust e
uma família sul-africano, os Stewarts. Os fundos são emprestados a uma taxa de
juro de 0,25 por cento, uma taxa muito favorável, indicando provavelmente que
as empresas façam parte da mesma estrutura.
De
acordo com os contratos, os empréstimos da Termic foram destinados as entidade
de mineração - Gem Diamonds, onde um dos membros da família Stewart foi
indicado como director, segundo dados da empresa. Esta empresa é accionista
maioritária da lucrativa mina de diamante de Letseng no Lesoto.
Fontes
internas da estrutura da Arcem afirmaram este não é o Highlands Trust baseado
nas Ilhas Jersey mas um outro. (A empresa Gem Diamonds negou ter recebido
empréstimos do Highlands Trust e da Termic e declarou não ter qualquer relação
com a empresa Arcem).
Números
obscuros
Investidores
com financiamento pouco claros e estruturas obscuras têm agora a missão de
garantir o sustento de centenas de milhares de moçambicanos. Os responsáveis da
empresa estão, pelo menos, a adular as pessoas que vivem no Corredor de Nacala.
Em resposta a uma entrevista por e-mail, a empresa Arcem disse que enquanto o
projecto está em fase embrionária, “a comunidade é um participante importante
no projecto e só terá benefícios dos investimentos. Temos enfatizado isso em
todas as apresentações e nos processos de consulta pública”.
As
previsões de cerca de 100 mil pessoas desalojados são feitas por organizações
da sociedade civil moçambicana, como a Acção Académica para o Desenvolvimento
das Comunidades Rurais (ADECRU) com base em dados do Instituto Nacional de
Estatística. De acordo com Vicente Adriano, da ADECRU, o cálculos foram feitos
a partir do “número total de agregados familiares” que vivem ao longo do Rio
Lúrio, nos distritos e províncias indicadas como abrangidas pelo projecto e tem
uma margem de erro de 5 por cento. Adriano, cuja organização realizou uma
pesquisa nos distritos que serão afectados, disse que “não havia qualquer tipo
de consulta nas comunidades locais. Algumas das autoridades locais, mesmo a
nível provincial e nacional, nunca sequer ouviram falar deste projecto”.
Mas
os investidores privados que prestaram mais atenção ao projecto alegam que
esses números de potenciais desalojados estão inflacionados. A empresa Arcem
esclareceu que, embora a Agricane tenha experiência na agricultura de uma forma
geral o projecto é de infra-estruturas. Todavia, um documento da empresa
divulgado em Novembro de 2015, indica que o projecto expandiu a sua área-alvo
para o desenvolvimento agrícola de 240 000 hectares para 600 000 hectares. Fez
pedidos de Direitos de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) para uma área de
347 528 hectares na província de Nampula, 107 117 hectares na província de Cabo
Delgado e de 152 591 hectares na província de Niassa, tornando-se no maior
projecto de desenvolvimento agrícola do continente africano.
Cópia
do memorando de entendimento destinado ao uso da terra e da água que foi
aprovado pelo Governo não foi obtida.
Não
foi possível ouvir os comentários do ministro da Agricultura e Segurança
Alimentar, José Pacheco e da sua assessora de imprensa, Dra. Inês Catine, até
ao fecho desta publicação.
Embora
Arcem tenha dado por concluído o processo de consulta, recusa-se a divulgar os
detalhes do processo e que comunidades tomaram parte nele. O processo foi
descrito como secreto por todos aqueles com quem falamos. Por outro lado,
embora o projecto tenha sido apresentado ao Conselho de Ministros em 2015, o
Governo ainda não se pronunciou oficialmente acerca do negócio.
Mas
como o Governo assinou um memorando de entendimento com uma empresa sem dados
detalhados sobre os seus proprietários e a credibilidade dos mesmos, assim como
sem saber claramente quem são os investidores? Quando perguntado se o governo
poderia negociar o reassentamento dos cidadãos, um líder da sociedade civil
afirmou que “mesmo quando são 1000 hectares de terra há vários conflitos”. A
fonte acrescentou que, apesar da existência de leis que reconhecem os direitos
costumeiros dos camponeses o maior problema tem sido o “conflito de
interesses”.
É
um conflito de interesses na infra-estrutura que facilita a extracção de
recursos - terra, água e habitantes como futuro trabalho agrícola na terra que
será realizado - onde o projecto é feito à imagem de investidores financeiros
estrangeiros não cidadãos. O documento divulgado mostra que 77 milhões de
dólares foram alocados para a Responsabilidade Social das Empresas (RSE) -
Cerca de 500 000 pessoas vão perder seu actual sustento.
“A
maior parte do investimento tem o envolvimento directo de pessoas do Governo e
figuras importantes do partido Frelimo", declarou Vicente Adriano.
"Temos pessoas que são simultaneamente políticos, empresários e
funcionários do Governo. Não podemos esperar que o juiz faça a sua
sentença".
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