Tim
Berners-Lee, o criador da web, quer uma rede livre das megaempresas que
controlam, capturam e vendem nossos dados vitais. Conheça o Solid, seu projeto
de decentralização e autonomia radicais
David
Weinberger*, no Digital Trends – Outras Palavras - Tradução: Gabriela
Leite
Quando
a World Wide Web decolou
pela primeira vez, na metade dos anos 90, o sonho não era apenas grande, era
distribuidor: todas as pessoas teriam sua própria homepage, todos iriam publicar
seus pensamentos — isso não era chamado de “blog” até 1999 — e iriam ter posse de
seus próprios dados, afinal ninguém estava oferecendo possuí-los por nós. A web
consistia em nós, unidos por links, sem qualquer centro.
Como
os tempos mudaram. Agora, um punhado de empresas dominam vastas áreas da
atividade da web — o Facebook para rede social, o Google para pesquisa, o eBay
para leilões — e literalmente possuem os dados que seus usuários entregam e
criam. Isso dá a essas empresas um poder sem precedentes sobre nós, e lhes dá
tamanha vantagem competitiva que é muito ingênuo pensar que seria possível
lançar uma iniciativa capaz de vencê-los em seu próprio jogo. O fato de que o
Facebook já tem os dados de 1,7
bilhões de perfis de usuários e — mais importante que isso — a
história das interações de seus usuários, significa que você provavelmente não
vai conseguir atrair muitos investidores experientes. Além disso, é lá onde já
estão todos os seus amigos. A dependência do fornecedor é real.
Isso
inspirou um esforço para re-descentralizar a web. Duas das tentativas mais importantes
— alguns contariam o blockchain como
uma terceira — são arquiteturalmente muito promissoras. A questão é: até que
parte a arquitetura será suficiente?
A
primeira iniciativa inovadora vem de Tim Berners-Lee, a
pessoa que inventou a web e a deu de presente para nós, sem patentes,
copyrights ou marcas registradas. O novo projeto de Berners-Lee, a caminho
através de seu laboratório no
MIT, chama-se Solid (“social
linked data”, ou “dados sociais interligados”, em tradução livre), um jeito de
fazer as pessoas terem os direitos sobre seus próprios dados, ao mesmo tempo em
que os disponibilizam para os aplicativos que quiserem utilizar.
Com
o Solid, você armazena seus dados em “pods” (“personal online data stores”, ou
“repertórios de dados pessoais online”, em tradução livre) que ficam hospedados
onde você quiser. Mas o Solid não é apenas um sistema de armazenamento: ele
permite que outros aplicativos requeiram os dados. Se o Solid autentifica o app e
— importante — se você der permissão para acessar os dados, o Solid os entrega.
Por
exemplo, você pode manter suas informações pessoais em um dos muitos pods: o
tipo de dados que você põe em seu perfil no Facebook; uma lista de seus amigos,
família e colegas; suas informações bancárias; mapas pelos lugares por onde
você viajou; algumas informações de saúde. Desta maneira, se alguém construir
um novo aplicativo de rede social — talvez para competir de frente com o
Facebook, ou, mais provavelmente, oferecer serviços especializados a pessoas
com interesses em comum — você pode fazer parte dele, dando a ela permissão
para acessar as informações apropriadas em seu pod. Seus dados armazenados
permaneceriam sendo seus, de todas as maneiras: completamente sob seu controle,
estocados onde você preferir, e utilizáveis apenas pelos aplicativos aos quais
você der permissão.
O
Solid é projetado de cima abaixo para permitir a descoberta e compartilhamento
de informações. Por isso o “linked data” (“dados interligados”) no lid, no
nome do projeto. Linked Data é
outra invenção de Berners-Lee, uma maneira de se referir a dados cuja
interligação é facilitada por meio de repositórios. Embora Linked Data seja um
concieito difícil de dominar, o Solid pode tornar a informação na internet mais
inteligente. Por exemplo, se você quiser, pode dar informação para um site de
viagens ou para um grupo de ação sobre mudança climática, para acessar a
informação em seus pods sobre seus dados demográficos e as viagens que fez.
Esse grupo poderia tabular suas informações em conjunto com os dados de pods de
outras pessoas, para conseguir um quadro atualizado dos locais para onde se
está viajando, como isso afeta as economias locais, a emissão de carbono, e
talvez até atitudes de nações em relação a estrangeiros.
O
Solid faz tudo isso sem ter que centralizar a informação em mãos nas quais
confiamos — nem deveríamos confiar.
O Inter Planetary File System (IPFS, ou “sistema
de arquivos interplanetário”, em tradução livre) tem uma abordagem diferente.
Começa pela convicção de que mesmo a existência de páginas da web armazenadas
num único servidor é algo que implica muita centralização. Por que não, ao
invés disso, seguir o caminho do BitTorrent e
permitir que múltiplos computadores forneçam partes de uma página, todos ao
mesmo tempo? Desta maneira, se um servidor cair, não levará com eles todas as
suas páginas. O IPFS faria a web mais flexível, e menos sujeita à censura.
Para
utilizar o IPFS a tal ponto, você pode instalar extensões noChrome e
no Firefox,
ou recorrer à abordagem mais techie, usando linhas de comando. O IFPS
espera, no entanto, que seus padrões sejam aceitos pelo W3C e pelo IETF, os grupos que decidem o que conta como
parte oficial da web e da internet. Isso ajudaria a motivar os browsers a
construir, com suporte nativo, de acordo com o novo protocolo.
O
Solid, de Berners Lee, e o IPFS irão re-descentralizar a web? Tudo se resume a
exigir: as pessoas vão se importar o suficiente para aceitar medidas que
pareçam ser um temporário passo atrás? Por exemplo, é improvável que novos
aplicativos de redes sociais basiados no Solid sejam lançado com toda a
sofisticação do Facebook. Por outro lado, para os serviços de redes sociais
projetados para tipos particulares de pessoas — cientistas, pesquisadores,
artistas colaborativos — talvez seja mais fácil começar assim. E parece bem
plausível que organizações que se importam com a preservação a longo prazo de
seus materiais na web percebam que o IPFS é bastante atraente. O mesmo poderá
ocorrer com as pessoas que compartilham conteúdos que demoram tempo demais para
carregar na web normal.
Portanto,
há alguma esperança. No curto prazo, os novos projetos não precisam disputar
com os atuais hubs gigantes. Basta oferecer algumas alternativas a eles. No fim
das contas, a grande questão é: as forças que transformaram a web numa série de
hubs centralizados recuarão, diante da possível pressão de arquiteturas que
permitem re-descentralizar a rede? A resposta, imagino, é não. A não ser que
nós, usuários da web, o exijamos…
* Outras Palavras agradece ao leitor Guilherme Moro, que sugeriu a
tradução deste texto
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