Realizadas
as Convenções dos Partidos Republicano e Democrata, somente restam na corrida
para a Casa Branca dois candidatos importantes: Hillary Clinton e Donald Trump,
qual deles o mais reacionário e perigoso para a humanidade.
Neste
artigo, publicado em Setembro do ano passado na Revista Vermelho, António
Santos comenta a influencia que o pensamento fascista do III Reich teve na
formação da ideologia predominante nos Estados Unidos.
Não perdeu atualidade.
António
Santos*, em Diário Liberdade
Ao
avesso do tradicional ramerrão eleitoral da direita portuguesa que, de quatro
em quatro anos, prega um discurso tacticamente moderado nos mais empedernidos
candidatos conservadores, a antecipação do escrutínio presidencial
estado-unidense dá azo a uma invulgar competição de reaccionarismo entre os
dirigentes do Partido Republicano.
Ao
passo que para o PS, PSD ou mesmo CDS-PP, um acesso de frontalidade equivaleria
a cometer harakiri político, nos EUA, os homens que se perfilam para a nomeação
republicana assumem as mais virulentas declarações de guerra ao progresso como
um trunfo mediático.
Arca
de Noé da Direita Americana
O
senador do Texas, Ted Cruz, inaugurou a campanha às primárias republicanas com
um desafio aos outros candidatos: «Todos vão dizer que “Eu sou o homem mais
conservador que alguma vez viveu”, mas falar é fácil. Digam-me antes o que
defenderam e pelo que lutaram», rematou.
Estava lançado o mote para uma bizarra corrida de pureza ideológica em que o pódio pertence aos titulares das melhores credenciais religiosas, aos currículos estaduais que abonarem a favor da destruição das funções sociais do Estado e aos paladinos do racismo, homofobia e da xenofobia: uma verdadeira arca de Noé.
Entre
os 15 principais candidatos à nomeação, cinco, John Kasich, Ben Carson, Rick
Perry, Rick Santorum e Mike Huckabee, garantem ter sido escolhidos por deus; Já
Jeb Bush (irmão de George W.) prometeu «pôr um ponto final» no Medicare, o
único programa de saúde pública que disponibiliza serviços mínimos à população
mais carenciada; por seu turno, Ted Cruz não tem pejo em denunciar uma «guerra
contra a masculinidade» e promete proibir o aborto, mesmo nos caso de violação
ou perigo de vida para as mulheres; Não ficando atrás, Scott Walker, que
promete encerrar o Departamento de Educação (equivalente ao ministério),
perguntava-se, em jeito de campanha: «Se fui capaz de acabar com cem mil
sindicalistas no Wisconsin, o que é que acham que sou capaz de fazer a nível
internacional?».
Malgrado
o sestro, asinino e boçal, de que se fazem acompanhar estas declarações, o reaccionarismo
republicano não é, de todo, uma reacção psicossomática, mas sim o bilhete de
entrada na liça política. Prova disto é Donald Trump, a quem as sondagens
elevaram ao primeiro lugar entre os republicanos depois de ter dito que os
«mexicanos são violadores e criminosos», para prometer expulsar todos os
imigrantes ilegais.
O
fantasma de João Calvino
Na
verdade, o reaccionarismo norte-americano insere-se numa longa tradição de
«política de pretexto», em que o capitalismo cria um quadro cultural e psicológico
favorável ao seu desenvolvimento, uma ideologia nacionalista que reclama
obediência e ameaça com uma gradação moral maniqueísta e implacável. Neste
processo, que não é contínuo, os antagonismos económicos são acompanhados, na
vida social, pela desconexão entre o futuro e o progresso e entre a realidade e
a moralidade.
Os
ardentes fundamentalistas religiosos que, ao longo do século XVII, colonizaram
o que viria a ser os Estados Unidos produziram, para consumo interno, uma
narrativa moral que pretendia unificar a sociedade e justificar o status quo.
De acordo com o calvinismo, a mais influente das seitas protestantes entre os
«peregrinos» originais, o destino dos homens está, à partida, traçado por deus.
Deste modo os homens e as mulheres já estão condenados, à nascença, ao paraíso
ou ao inferno, pelo que nenhuma acção pode alterar o rumo pré-destinado, nem
mesmo a exploração, o genocídio ou a crueldade: começa a nascer o pretexto para
«uma nação escolhida por deus». Esta relação dialéctica entre a moralidade e a
economia foi o alvo certeiro da obra de Max Weber, A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo, mas, ao contrário do que é insinuado pelo autor, não
só não foi a ética que pariu o capitalismo, como a forragem espiritual do
capitalismo foi, historicamente, um pretexto.
O
mercado de Wall Street
A
infra-estrutura económica do capitalismo norte-americano, assente sob o
trabalho forçado de quatro milhões de escravos africanos, gerou, ao longo do
séc. XIX, contradições que acabariam por conduzir à guerra civil de 1861-1865.
Longe de ser uma batalha ética pela libertação dos escravos, nas origens do
conflito estiveram discrepâncias económicas entre a indústria do Norte e o modo
de produção esclavagista no Sul.
Sangrenta
para os trabalhadores, a guerra civil criou importantes fracturas entre as
classes dominantes que se mantêm até aos nossos dias. Não é curiosidade
histórica que Wall Sreet, centro nevrálgico da banca, tenha começado por ser um
mercado de escravos. Com efeito, durante a guerra, a alta finança do Norte
nunca deixou de apoiar a Confederação, mas soube lucrar com o seu ocaso. JP
Morgan Chase ou Lehman Brother foram, de resto, os principais investidores das
plantações de escravos mas adaptaram-se com ligeireza à nova «liberdade». Não
pôr todos os ovos no mesmo cesto é, como ser verificará mais tarde, o adágio
eterno da facção mais radical do capital estado-unidense.
A
inspiração de Hitler
Para
suturar as profundas feridas da guerra civil e controlar a maré de progressos
sociais e lutas de classe que floresceram espontaneamente durante a era da
Reconstrução, a aristocracia do Sul e os capitalistas do Norte pactuaram um
conceito de nação dogmático e moralista. A partir da última década do séc. XIX,
«ser americano» começa a implicar a adesão a uma ideologia nacionalista, a
subscrição de uma moral cristã e capitalista, o reconhecimento da natureza
divina da nação, bem como a obediência cega às leis e aos símbolos nacionais. A
nova narrativa moral sobre o nacionalismo foi o pretexto ideal para uma
escalada de perseguição dos sindicatos que se formavam sob a influência do
socialismo e que desembocou, em 1886, na revolta de Haymarket, cuja violenta
repressão daria mais tarde origem ao 1.º de Maio, Dia Internacional do
Trabalhador.
Surge
assim, em 1892, a obrigação de repetir diariamente o juramento de bandeira em
todas as escolas públicas. Originalmente, as crianças faziam a saudação romana
enquanto repetiam: «Juro obediência à bandeira dos EUA e à república que ela
representa, uma nação, sob deus, indivisível, com liberdade e justiça para
todos». Depois, gritavam em uníssono: «Um país! Uma Língua! Uma Bandeira!».
É
também durante esta época que, nos EUA, nascem os primeiros programas de
eugenia do mundo, destinados a exterminar os indivíduos «geneticamente
inferiores». Em resposta às ideias marxistas que chegavam da Europa, magnatas
como Andrew Carnegie e John Rockefeller investiram milhões na promoção do
pretexto de que a pobreza e o crime eram o corolário de «genes inferiores». Em
1907 os Estados de Washington, Connecticut, Califórnia, Virgínia, Nevada, Iowa,
Nova Jersey, Nova Iorque e Indiana operavam programas para a esterilização
forçada de pobres, nativos americanos, doentes mentais e presidiários. Foi nos
EUA que a Alemanha nazi bebeu a inspiração para o seu próprio programa eugenia
e, desde o primeiro Congresso Internacional de Eugenia, em 1911, cientistas
alemães tornaram-se alunos assíduos dos centros americanos de esterilização em
massa.
A
primeira ameaça vermelha
A
Revolução Bolchevique de 1917, porventura o acontecimento mais relevante da
História humana, é interpretado pela burguesia norte-americana como uma ameaça
indirecta ao ethos nacionalista do pós-guerra civil e ao próprio poderio da sua
classe. A Revolução de Outubro mostrara que os trabalhadores podiam viver
melhor gerindo, eles mesmos, a sociedade, sem necessidade de exploradores,
racismo, deuses ou discriminação sexual.
Após
uma tentativa frustrada de sufocar, via invasão militar, a jovem revolução, o
capital estado-unidense lançou uma campanha doméstica de histeria
anti-comunista para evitar que a fagulha de Petrogrado incendiasse as planícies
americanas. Entre 1917 e 1920, milhares de sindicalistas, comunistas e
anarquistas da International Workers of the World foram assassinados, deportados
ou, simplesmente, desapareceram.
Também
para os afro-americanos, a Revolução de Outubro foi uma janela de esperança. A
escravatura fora substituída por um novo sistema de opressão racista, mais
adequado às novas condições económicas e através do encarceramento massivo, da
discriminação salarial e da segregação, os antigos escravos continuavam a ser
brutalmente oprimidos. No entanto, como fez notar o presidente Woodrow Wilson,
«negros americanos a regressar do estrangeiro seria o melhor meio para conduzir
o bolchevismo para a América».
Para
responder às organizações de classe operária que os negros formavam por todo o
país, o capital respondeu com três instrumentos. Por um lado, foram levados a
cabo dezenas de massacres que culminaram com o Verão Vermelho de 1919, que
registou matanças de negros em 34 cidades. Por outro, acelerou-se o processo de
gestação de um nacionalismo cada vez mais intolerante, moralista, dogmático e
agressivo, que se impôs na educação pública, nos meios de comunicação social e
através da propaganda. Finalmente, foi criada uma poderosa organização fascista
de massas, o Ku Klux Klan.
O
KKK, que em 1924 atingiu quatro milhões e meio de membros, representava a
materialização do pretexto nacionalista. Sem surpresas, só uma organização
fascista, altamente violenta e ao serviço das classes dominantes do Sul,
poderia garantir a obediência a uma moralidade cada vez menos ética.
A violência exercida pelo KKK e quejandos sobre negros, sindicalistas e comunistas permitiu ao patronato manter baixos níveis salariais e reduzir para metade, em apenas cinco anos, ao longo dos anos 20, a percentagem de trabalhadores sindicalizados nos EUA.
A
cultura do fascismo
Nos
anos 30, apesar de um significativo passo atrás na economia com o New Deal de
Franklin Roosevelt, o reaccionarismo norte-americano continua a ganhar
expressão com o chamado «americanismo», a primeira tentativa de organizar a
ideologia moral do nacionalismo americano.
O
americanismo, promovido por homens como Henry Ford, defendia a preservação da
cultura e valores americanos de influências estrangeiras e procurava equiparar
o comunismo com o judaísmo. Ford, que se dedicava à publicação de literatura
anti-semita desde os anos 20, é um exemplo claro da aproximação cultural da
ideologia nacional americana ao fascismo.
Nos
anos 30, receoso de sindicatos nas suas fábricas, Ford começou a conceder aos
trabalhadores a possibilidade de trabalhar cinco dias por semana e oito horas
por dia, desde que vivessem vidas «de acordo com a moral nacional» e com a
religião.
O
famoso Departamento de Sociologia de Ford levava a cabo buscas domiciliárias na
casa dos operários para garantir que viviam «vidas regradas» de acordo com a
moral do patrão. A Liga de Protecção Americana, que chegou aos 250 mil membros
nos anos 30, garantia a vigilância e delação dos costumes dos trabalhadores,
expondo não só os «imorais» como os «traidores» e, claro, os «comunistas».
Nazis e americanos, uma história de amor
Nazis e americanos, uma história de amor
Ao
longo dos anos 30, as pontes económicas e culturais entre a Alemanha Nazi e os
Estados Unidos da América não pararam de se desenvolver, ao ritmo dos negócios
de empresas como a General Motors, a IBM ou a Coca-Cola. Na verdade, o fascismo
tornou-se extremamente popular na América da década de 30: em 1934, o Departamento
de Estado classificava a vitória do Partido Fascista, por 99,8%, no «referendo»
de 1934 como uma «demonstração da popularidade incontestável do fascismo» e, em
1937, elogiava o mesmo regime por ter «substituído o caos pela ordem, a
anarquia pela disciplina e a bancarrota pela solvência».
O
embaixador dos EUA na Alemanha Nazi, William Dodd, escrevia, em 1937, que «uma
clique de industriais dos EUA está determinada em substituir a nossa democracia
por um Estado fascista. No meu posto em Berlim pude verificar como algumas das
famílias que mandam no nosso país são próximas do regime nazi. […] Certos
industriais americanos tiveram muito a ver com a chegada dos regimes fascistas
ao poder na Alemanha e em Itália. Ajudaram o fascismo a chegar ao poder e agora
estão a ajudá-lo a manter-se lá».
As
famílias de que Dodd falava eram, nem mais nem menos que os Hearst, os Kennedy,
os Lindbergh, os Rockefeller, os DuPont e os Bush. Entre as empresas,
distinguem-se nomes como a Coca-Cola, a General Electric e a Exxon, entre
muitas outras. Como prova o crescimento em quase 50% dos investimentos
norte-americanos na Alemanha até ao começo II Guerra Mundial, ao contrário do
desinvestimento verificado no resto da Europa, o capital estado-unidense
repetiu a receita da guerra civil: financiar os amigos sem se comprometer
politicamente. Mesmo durante a guerra, as relações comerciais e financeiras
mantiveram-se clandestinamente, em alguns casos com requintes de malvadez, como
é o caso da IBM de Thomas Watson, pessoalmente galardoado por Hitler por ter
produzido e emprestado à Alemanha máquinas, feitas à medida, para contar e
seriar as vítimas do holocausto. O patrão da IBM que expressou «a mais alta
estima por Hitler, o seu país e o seu povo», esperava que as máquinas fossem
devolvidas «quando os alemães acabassem».
A casa de Hitler nas montanhas
A casa de Hitler nas montanhas
No
entanto, para a construção do reaccionarismo americano, o fundamental foi a
acção da Hearst Publications, o maior grupo de imprensa do mundo. Se, hoje em
dia, o grupo Hearst detém 300 revistas, 50 jornais e 31 canais de televisão,
nos anos 30 era ainda mais poderoso, controlando dois terços de todo o mercado
editorial dos EUA. O seu dono, William Hearst, um reconhecido nazi, não foi só
o fundador do conceito de imprensa sensacionalista, como foi também o inventor
de alguns dos mitos anti-comunistas mais antigos.
Em
1937 a Revista Fortune, propriedade de Hearst, escrevia: «O bom jornalista deve
reconhecer no fascismo as boas virtudes da raça. Entre elas, a disciplina, o
dever, a coragem, a glória, o sacrifício».
Já
na Reader’s Digest, também de Hearst, lia-se: «A forma como Hitler conquistou
os corações dos alemães é tão completa que mesmo que os camisas castanhas
desaparecessem continuaria a ser o homem mais poderoso da Alemanha: Hitler é reconhecido
por toda a intelligentsia política como um homem extraordinário, um profeta.
[…] Não encontrei um único alemão que sonhasse com a possibilidade de uma
guerra. A verdade é que a mente dos nazis está concentrada em problemas
internos e não vai querer ser incomodada com assuntos estrangeiros durante
muito tempo».
Entretanto,
em 1938, a Better Holmes and Gardens, do mesmo dono, dava ao prelo: «Hitler é
um homem de bom gosto e a sua casa na montanha mostra como é simpático, humilde
e acessível».
A
História provou que o III Reich financiava directamente a máquina de propaganda
de Hearst, mas nem todas mentiras nazis morreram com Hitler. Uma delas, criada
pelo Ministério Alemão da Propaganda em 1934 vive até aos nossos dias: o
«holodomor», a ideia que os bolcheviques empurraram deliberadamente a Ucrânia
para a fome. Foram os tablóides de Hearst, a pedido dos nazis e com fontes
nazis que criaram esse mito.
A
segunda ameaça vermelha
A
declaração de guerra aos nazis foi um processo complexo e extremamente contraditório.
Tal e qual como na guerra civil, a entrada dos EUA na II Guerra Mundial
resultou da pugna pelo poder político entre diferentes sectores do grande
capital monopolista. Como sintetizou o Secretário de Guerra, Henry Stimson, «se
vais entrar numa guerra ou preparar-te para uma guerra num país capitalista,
tens de deixar que as empresas façam dinheiro com a guerra ou não vai
funcionar». Nesta esteira, é sintomático que todas as empresas atrás referidas
tenham sido indemnizadas pelos EUA por todos os estragos provocados às suas
propriedades na Alemanha, incluindo em bases militares nazis. Merece ainda
destaque a contratação, em massa, de cientistas e oficiais nazis pelos EUA,
após a guerra para liderar missões científicas ou como «caçadores de comunistas»
dispersos pelo mundo.
Anti-comunismo
sem comunistas
Terminada
a Guerra, começa a maior caça às bruxas de todos os tempos nos EUA: a segunda
ameaça vermelha. Entre 1947 e 1957, o chamado Macartismo, em referência ao
senador Joseph McCarthy, embutiu na cultura da direita americana os últimos
elementos anti-comunistas, ultra-conservadores, racistas e radicalmente
nacionalistas.
O
violento anti-comunismo dos anos 50 é singular porque dispensa a existência de
uma verdadeira ameaça comunista, ideologia que, nessa década, representava, nos
EUA, uma minoria com pouca influência política. Sobressai, mais uma vez, a
ideologia americanista como um pretexto para alavancar objectivos económicos de
classe.
Da
mesma forma que, na década de 50, bastava aos afro-americanos o fantasma do
comunismo para precipitar os direitos civis, também aos capitalistas bastava
esse espectro para desencadear a repressão. Com efeito, a segunda vaga
anti-comunista, não teve como principal alvo dirigentes comunistas,
sindicalistas, operários e camponeses, mas principalmente os agentes culturais,
os intelectuais, os estudantes e os artistas.
América
Anti-intelectual
O
McCartismo marcou de forma indelével o significado de «ser americano» porque
intrelaçou de forma inexpugnável as ideias de comunismo, traição e
intelectualidade. Se, até 1920, o comunista era um imigrante europeu, barbudo e
selvagem, agora, nos anos 50, o comunista era representado na propaganda como
um professor culto e sofisticado que, através de perigosos argumentos, consegue
lavar o cérebro de americanos leais à nação.
O
resultado da política de perseguição de académicos, escritores e intelectuais
que, mesmo sem serem comunistas, questionavam e ousavam pensar instituiu uma
alergia geracional à cultura que se mantém nos nossos dias, a par de um
anti-intelectualismo que perdura na política como atestado de patriotismo.
Actividades
anti-americanas
O
Comité das Actividades Anti-Americanas, HUAC nas siglas em inglês, cuja vida de
terror se prolongou entre os anos 30 e os anos 70, foi a pedra-de-toque na
instalação de um ambiente de permanente ansiedade anti-comunista: a acusação de
324 trabalhadores do espectáculo, adicionados à infame Lista Negra, e a
condenação de dez profissionais do cinema foram o suficiente para obrigar Hollywood
inteira a entrar numa competição indigna para mostrar quem era mais
anti-comunista, mais conservador, mais nacionalista, ou, numa palavra, mais
americano.
Durante
os anos cinquenta, o nacionalismo americano tornou-se também sinónimo de
militarismo, sexismo, homofobia e apoio incondicional ao conceito de «tropas».
O
sonho americano
O
actual reaccionarismo da direita estado-unidense é o produto cultural de dois
séculos de desenvolvimento de capitalismo. Ao contrário da maioria dos Estados
capitalistas desenvolvidos, os EUA nunca abandonaram uma noção de nação que
incorpora elementos fascistas. Na verdade, ao longo destes 200 anos, a
definição da ideologia americana, ou americanista, foi crescendo, até se
transformar, hoje em dia, numa fina película super-estrutural muito semelhante
ao fascismo, que filtra a percepção da realidade vivida por milhões de
estado-unidenses.
Mais
do que mero ersatz da histeria anti-comunista dos anos cinquenta, o
nacionalismo estado-unidense mantém-se como um instrumento de luta de classes
ao serviço do grande capital e um elemento unificador nacional que se estende
da extrema-direita do Partido Republicano ao centro do Partido Democrata.
Na
actualidade, a ideologia americanista é um pretexto para justificar o
belicismo, a tortura, a espionagem e a repressão policial. Por outro lado,
permite manter a opressão económica e social dos afro-americanos, fechar
alternativas políticas ao capitalismo bicéfalo e, ao mesmo tempo, convencer os
trabalhadores de que no «sonho americano», ao contrário de todos os outros
países, é possível enriquecer trabalhando arduamente. Nesta perspectiva
individualista, os trabalhadores que não enriquecem devem-se culpar unicamente
a si próprios, aos seus genes, à sua inteligência, à sua falta de fé, ou à sua
força de vontade, mas nunca ao seu patrão.
Publicado
na Revista Vermelho em Setembro de 2015
*António Santos - Nasceu
em Lisboa e é Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Nova de
Lisboa. Escreve regularmente para várias publicações em Portugal, no Estado
espanhol e nos EUA.
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