A
ODISSEIA DA “VITÓRIA OU MORTE”
Martinho Júnior, Luanda
1
– A internacional fascista em África, no início da década de 60 do século XX,
estava relativamente à vontade na África Austral, enquanto grande parte do
continente estava mergulhado em profundo neocolonialismo (apesar da cosmética
das independências de bandeira) e por isso no Congo, as aspirações mais
legítimas de liberdade foram sacrificadas com o assassinato do desamparado e
heroico Primeiro-Ministro Patrice Lumumba, com o desmantelamento dos escassos
suportes progressistas que o apoiavam e com a sobrevivência durante três
décadas, meio incógnita, meio isolada, de Laurent Kabila!
Nessa
altura as linhas da internacional fascista estendiam-se continente adentro e
sem obstáculos ou percalços de maior desde a emanação fulcral na África
Austral, com ponto forte integrando os processos sócio-políticos do
colonialismo entrosados com os do “apartheid”, garantindo um campo de
manobra importante nas direcções em que grassava o neocolonialismo, com todo o
cortejo de manifestações próprias, características dos países da cauda dos
Índices de Desenvolvimento Humano.
O
quadro não poderia ser tão desafiador para o movimento de libertação em África,
que procurava lançar-se na refrega de armas na mão perante o tão arcaico quão
renitente colonialismo português, com o “apartheid” e o risco de
neocolonialismo a nu e a cru, bem presente na expressão do seu “diktat” quotidiano,
a ponto de por vezes se entrecruzar com as cenas próprias da sobrevivência, ou
da morte.
Até
sensorialmente o MPLA foi posto à prova nesse dilema, como se esse fenómeno se
tratasse duma autêntica “prova de vida”!
O
movimento de libertação efetivamente nacionalista e moderno, teve de enfrentar
no seu dia-a-dia racismo, tribalismo, regionalismo, enfim, todo o tipo de
divisionismos, além do obscurantismo e confusão própria das imensas massas
populares analfabetas e brutalizadas pela barbárie escravocrata e colonial,
expedientes que eram compulsados como armas ideológicas preferenciais dos
interesses e conveniências das potências externas a África, ou aos fulcros
retrógrados da África Austral à disposição dos interesses dominantes para
depois se traduzirem e animarem nos extremos sanguinários e repressivos dos
agentes-fantoches da ocasião.
Em
1963 e 1964 o MPLA sofreu uma ofensiva em Léopoldville (Kinshasa) que procurou
alterar profundamente o seu carácter, conjugando-se duas linhas de impacto: uma
interna, no rescaldo da cisão de orientação pró-chinesa com o resto do universo
socialista, personificada por Viriato da Cruz e a outra externa, com Kasavubu a
determinar a expulsão do MPLA do Congo e a proibição da guerrilha do MPLA poder
passar por território congolês a fim de levar a cabo a luta no interior de
Angola.
O
objetivo era tornar o MPLA em mais um etno-nacionalismo dócil e vulnerável às
ingerências, manipulações e ambiguidades de que o campo capitalista dava provas
com expressão na prática por toda a África de então, sobretudo em Léopoldville
com Kasavubu e Mobutu, agentes diletos da construção da base da hegemonia
unipolar no continente.
Quando
se chegou a meados da década de 60, tornou-se claro que era necessário reforçar
a CONCP, Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas,
passando da unidade nos esforços político-diplomáticos, para uma unidade em
luta no terreno e a quente, face a face às linhas favoráveis à arquitetura
internacional fascista, cujo último ponto forte foi ganho em Léopoldville
(Kinshasa), na sequência da sangrenta ascensão de Mobutu e das conjunturas que
se desencadearam para alterar o MPLA, tendo como consequência a sua expulsão de
Léopoldville!
Por
essa altura a recém-formada Organização da Unidade Africana demonstrou o estado
de confusão neocolonial que grassava no continente, reconhecendo apenas a
etno-nacionalista UPA-FNLA (e o GRAE), como o legítimo representante da luta
levada a cabo pelo povo angolano na sua ânsia de se libertar do colonialismo
português.
Essa
seria a sorte do MPLA, não fosse a clarividência, tenacidade e capacidade
geoestratégica de Agostinho Neto enquanto líder do MPLA, que se apercebeu que
os fatores externos procuravam por duas vias e aproveitando as conjunturas, alterar
profundamente o carácter da luta, “domesticando-a”a favor de interesses
cosmética e vagamente nacionalistas e aprontando-a para os desígnios que
animavam, entre outros, os presidentes Kasavubu e Mobutu.
Os
que seguiam Agostinho Neto, assumiram com coragem o “Victória ou Morte”,
que ressoou como um grito de guerra nas fileiras, desde os CVAAR (Corpo
Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados) à UNTA (União Nacional dos
Trabalhadores Angolanos), passando pela própria organização e estruturas do
MPLA.
Pouco
a pouco atravessar o rio Congo entre Léopoldville e Brazzaville era assumir a
vitória, caso se conseguisse alcançar o Congo, ou aceitar o risco de
clandestinidade (conforme a de todos os militantes condignos), de prisão
(conforme Chipenda e Toca), ou mesmo de morte (conforme o caso do Comandante
benedito), caso sua detecção no espaço territorial do Zaíre.
Entre
1963 e 1966, em função da expulsão do MPLA de Léopoldville e a sua remissão à
clandestinidade na capital do Congo, a FNLA assassinou, de acordo com o
compêndio histórico do MPLA, citando várias fontes e o Memorando da Comissão de
Reconciliação da OUA, 41 militantes, entre eles o Comandante Benedito.
2
– Alguns analistas, comentaristas e historiadores contemporâneos, argumentam de
forma a “apagar” da visibilidade pública desde factos históricos
segundo as experiências de vida individual, coletiva e institucional, pior
ainda quando tendem a interpretar.
De
facto esses analistas, comentaristas e historiadores, correspondem de forma “independente” (que
predicado mais enganador) aos estímulos neoconservadores e neoliberais da época
que estão a viver, beneficiando quantas vezes dos espaços públicos a que têm
acesso (rádio, televisão, jornais, contactos de toda a ordem inclusive em
fóruns, assembleias, etc.).
Correspondendo
a conveniências, interesses, ingerências, ou manipulações de forma aberta, mas
particularmente de forma velada, eles tendem a “apagar a história” com
vista a impor narrações que em nada correspondem à época a que se reportam,
tendendo a, por via de suas interpretações, “reinventar a história” em
processos “revivalistas” que são úteis a quem servem… subvertendo de
facto a história.
Fiquemos
com esta extrapolação: se fosse possível levá-los à vida “transportá-los” à
época a que se referem e apagar a sua vivência no presente como eles procuram “apagar” o
passado histórico, eles estariam precisamente na pele das personagens mais
retrógradas e mais negativas de África, no caso da experiência do MPLA em
Léopoldville, ao nível provável dum Kasavubu, dum Mobutu, dum membro da cisão
do grupo de Viriato da Cruz, ou dum Holden.
Ao
procurar “apagar a história” para contá-la à sua maneira, essa gente
assume um comportamento em tudo similar aos “jihadistas” do Estado
Islâmico, que por causa da ideologia que os norteia destrói monumentos
históricos milenares; as ideologias indexadas aos expedientes de capitalismo
neoliberal, permitem a existência dessas pontes fundamentalistas, conforme aos
conceitos neoliberais da “nova vaga pop” com o nome de Francis
Fukuyama (“O fim da história e o último homem”)!…
De
facto seguir entre 1963 e 1966 um líder como Agostinho Neto não era um processo
fácil e nada tinha a ver com caprichos, por que naquela época havia toda a
admissibilidade internacional, por reflexo neocolonial e sob pressão da
internacional fascista, abrindo caminho na direcção etno-nacionalista (conforme
à projecção conferida à UPA-FNLA, GRAE), ao mesmo tempo que se procurava a todo
o transe, seguindo trilhas ideológicas repressivas mais diversas e processos de
inteligência, processos policiais, ou processos militares, “apagar do
mapa” sócio-político africano, o movimento de libertação!
Em
1963 e 1964 o MPLA teve uma verdadeira “prova de vida” face à
expulsão e perseguições de que foi alvo em Léopoldville e uma das armas que o
salvou numa fronteira de “Vitória ou Morte”, foi precisamente a doutrina e
a ideologia materialista dialética com que Agostinho Neto fez a gestão a quente
e enfrentando obstáculos de toda a ordem, que se saldaram na sobrevivência da
maioria dos militantes como da instituição e isso ninguém poderá “apagar”!
Percebeu
a revolução cubana, percebeu o Che, pelo que em 1965, a unidade de luta entre a
revolução cubana e o movimento de libertação em África, abria uma página
singular no âmbito do Não Alinhamento ativo, “multiplicando os Vietnames” então
e garantindo hoje a lógica com sentido de vida que anima as relações fraternais
entre Angola e Cuba!
Os
iluminados pelas ideologias indexadas à terapia neoliberal preferem o “apagar
da história” o carácter da trajetória do MPLA, para hoje introduzir a
narração à sua maneira e respondendo docilmente aos incentivos das correntes
dominantes (que lição a dos reflexos de Pavlov): assumem o mercenarismo tal e
qual Francis Fukuyama, em 1989, no fim da chamada “Guerra Fria” e
precisamente quando em África se aprestava o início do choque neoliberal (que
em Angola teve impacto entre 1992 e 2002)!
Como
cobardes não pegaram em armas, nem dum lado, nem de outro, enquanto durou o
choque neoliberal (a guerra para eles não dava lucro e Fukuyama abria o caminho
a iniciativas mercenárias de outro tipo)… pegam portanto agora nas canetas em
plena terapia neoliberal (o que vai dando algum lucro, não ao nível de Francis
Fukuyama, mas pelo menos na esteira dele, formatados pelos mesmos donos)!
Martinho
Júnior. Luanda, 17 de Novembro de 2016, 41º ano de independência de Angola.
Imagens
- Mapa
de África mostrando a expressão geográfica da internacional fascista com seu
fulcro na África Austral e as independências de bandeira prontas, muitas delas,
para a ambiência neocolonial.
- “O
fim da história e o último homem” e o “iluminado” Francis
Fukuyama: a anestesia antes do choque neoliberal e um dos produtos injetáveis
nas espectativas da terapia neoliberal!
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