Uma
das frentes mais activas do conflito político-militar, que decorre há vários
meses em diversas regiões de Moçambique, acontece no distrito de Murrupula, na
província de Nampula, norte de Moçambique, onde oficialmente um contingente da
Polícia da República de Moçambique(PRM) foi enviado para a localidade de
Naphuco para repor a ordem, alegadamente perturbada por homens armados da
Renamo, e um agente terá sido raptado. Na verdade, um esquadrão de elite das
forças governamentais foi enviado para o local.
“(...)fizemos
uma defesa circular, em que todos parámos e concentramos o fogo. Mas sem
esperar que aqueles podiam responder, porque nós fomos de madrugada. Quando
responderam cada um correu à sua maneira e ele ficou”, relata um agente das
forças especiais da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da Polícia da República
de Moçambique (PRM), que revela ainda ter realizado várias "missões"
de eliminação de alvos previamente identificados pelos comandantes, uma das
quais a 25 de Setembro de 2015, em Zimpinga (41 quilómetros a leste de Chimoio
na Estrada Nacional Número 6, entre Gondola e a Missão de Amatongas ), onde a
ordem era eliminar fisicamente Afonso Dhlakama, líder da Renamo. “Aquele velho
(Dhlakama) não morre”, disse.
Leia
a seguir um relato arrepiante, feito por quem diz ter participado e por isso
testemunha. “Estamos cansados. Não ganhamos nada e estamos a sonhar com
aquilo”, diz o agente. O referido agente, cuja identidade não revelamos, nasceu
na cidade de Maputo em 1985.
“Cumpri
a tropa no Centro de Formação de Forças Especiais de Nacala Porto”, diz o
agente. “Estava lá como Instrutor Auxiliar de Armamento e Tiro”. Cumprido o
serviço militar, e depois de algum tempo em que trabalhou para uma empresa
privada de segurança, foi incorporado nas fileiras da PRM. “Entrei para a
polícia; fizeram uma seleção. Queriam aqueles que tinham sido militares e que
tivessem feito o curso de armamento, para serem da Intervenção Rápida, mas
estando na Presidência da República. Trabalhei na RP1 e na RP2”, diz ele. RP é
a sigla para Residências Protocolares pertencentes à Presidência da República.
P
– Qual é o seu percurso até chegar às Forças Especiais?
Agente
– Fui militar das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). Comecei a
minha formação militar na Catembe, na Escola de Fuzileiros Navais. Depois
fiquei dois anos à procura de emprego, até ser incorporado na polícia. Aqueles
que foram à tropa não podem ser cinzentinhos; têm que pertencer às forças
especiais. Fui fazer outra formação de anti-motim, de controlo de multidões, no
caso de greves. Essa formação anti-motim é uma especialidade, Força de
Intervenção Rápida é outra. Intervenção Rápida é uma força tipo bombeiro, que
aparece para resolver um problema e acabar. Então, porque é que levam os que
foram à tropa? É Porque estes sabem disparar vários tipos de armas. Por
exemplo, eu sei disparar cerca de 26 tipos de armas. Esses das esquadras só
sabem disparar pistola e AKM. Por isso é que aqueles que estiveram na tropa não
pode estar numa esquadra; têm de estar num quartel, então nós temos uma dupla
função; operamos como militares e como polícias também.
P
– Em que ramo da corporação está afecto?
Agente
– Sou agente da Polícia, da Unidade de Intervenção Rápida. Estive a trabalhar
na Presidência da República. Fiz curso de franco atirador. Vocês não sabem o
que existe aqui, guerra existe só que nas cidades não há guerra.
P
– Onde e desde quando é que há guerra?
Agente
– Estava na escolta presidencial, mas fui destacado para Nampula porque
precisavam de franco-atiradores lá para operar as armas pesadas que estão lá;
canhões novos de fabrico russo ZU 23. Já existiam do mesmo tipo antigas, mas
recentemente chegaram novas. Só na posição de Gorongosa, onde estive em 2012 e
2015, existiam pelo menos oito. Éramos uma força conjunta que estávamos lá a
realizar tiros com Dragunov, essa é uma arma que usamos para procurar as
pessoas indicadas e abater, porque temos tido esse trabalho.
P
– Que trabalho é esse, com quem você realiza?
Agente
– Somos mais ou menos um pelotão de 20 especiais. Quando começou aquele
problema em Gorongosa, em 2011, fizemos uma reciclagem e a primeira missão foi
em 2012. Nós vamos lá quando a situação não está nada bem. Primeiro, tem
pessoas que avançam para lá e quando a situação não está nada bem chamam os
atiradores de armas pesadas para chegar e destruir. Nós é que entramos lá e
matamos aquele comandante que diziam que era anti-bala; aquele morreu com
canhão em Muxúnguè.
P
– Que outras missões em que você esteve envolvido?
Agente – Nós ficamos no quartel, mas eles nos
chamam, e dizem vão para a província x. Saímos daqui de avião, e lá apanhamos
viaturas dos comandos provinciais. O que me deixa revoltado é que o meu
trabalho é combater a criminalidade, manter a ordem e tranquilidade públicas. A
polícia não é para matar; é para apanhar a pessoa, isolar e entregar à justiça
para ser ouvida e de lá darem seguimento. É o que nós entendemos. Mas aqui
neste nosso país alguém pode chegar, dar ordens para entrar no carro, e nós só
temos que cumprir ordens. Ninguém vai aparecer a dizer que não quero, porque há
consequências. Vinham com a foto e diziam que “está aqui, vão mata-bichar e aí
onde vão mata-bichar virá alguém, então aquele que vier, mesmo primeiro isolam
o guarda-costas dele porque virá acompanhado”. Dão toda a informação que “este
virá acompanhado, o nome não vamos vos dizer mas é esta pessoa na foto e deve
ser abatido”.
P
– Então, as missões não são só contra os homens armados da Renamo?
Agente
– Em Maputo nunca usamos armas contra militares. Conforme eu disse, dão-nos a
foto e depois são vão ouvir que um desconhecido foi encontrado morto na zona x,
como se tivesse sido um assalto.
P
– Quer dizer que também operam nas cidades?
Agente
– Na cidade da Beira, mas onde trabalhei mais foi em Nampula. Em Nampula já
seguimos um Nissan Navarra branco dupla cabine, com matrícula vermelha.
Seguimo-lo desde o hotel, no centro da cidade, fomos via Cipal, um pouco depois
da Faina, contornou para a estrada Nampula-Cuamba, e era ali mesmo que o
queríamos. Passamos o mercado Waresta, fomos até antes de Namina, tem o distrito
de Ribáuè, quando saímos de Rapale tem uma grande distância de mato. O nosso
primeiro carro, um Prado preto, ultrapassou e atrás estava outro Prado, ele
praticamente ficou no meio. Furámos o pneu de frente, ele perdeu a direcção e
foi parar perto da linha férrea. Nós queríamos um que estava atrás, a mexer o
telefone, um saiu e queria responder o fogo mas levou na cabeça. O responsável
e o motorista também quando iam sair, atiramos mortalmente. Ficaram ali.”
P
– Que outras missões de que se recorda?
Agente
– Há bocado fomos a Manica, tivemos um trabalho, só que lá fomos à paisana.
Recebemos a foto da pessoa que nos disseram que devia ser abatida. Nós não
conhecemos bem as pessoas (a serem abatidas). Eles trazem e dizem “vão até à
zona x, vai passar alguém”, dão nos a informação toda da pessoa (vestuário,
carro), dizem para persegui-la até uma zona onde a polícia não estará lá.
P
– Já realizou alguma missão contra Afonso Dhlakama?
Agente
– Já, só que aquele também é drogado. Para o líder da Renamo, primeiro lhe
tentamos no distrito de Moma, mas o falhamos. Em Manica agora, só que aquele
senhor não morre.
P
– Quer dizer que o vosso pelotão estava em Manica atrás de Afonso Dhlakama?
Agente
– O trabalho ali foi assim; mandaram-nos para lá alguns dias antes. Fomos
recebidos por um dirigente (nome omitido). Primeiro eles (o líder da Renamo e a
comitiva) estavam num comício, a força da escolta que estava lá dava-nos
informações. Quem organizou aquilo, quem nos estava a dar refeições, em que
sítio nós dormimos em Manica, o responsável dizia, “que tal hoje não pode
falhar nada”.
P
– Mas falharam...
Agente
– Não falhamos. Muitos morreram, mas aquele velho (Dhlakama) não morre,
desapareceu. Ali tem montanhas, nós ficamos na parte alta, não podiam ir outros
colegas lá em baixo porque senão podia haver fogo cruzado, naquilo de que o
carro que passasse havia de levar, porque não estávamos com armas ligeiras;
usamos armas próprias para estragar carros. Pusemos ali a mira, sabíamos que
Dhlakama vinha, porque estavam no comício e de lá ligavam para o nosso
comandante a avisar que daí a pouco tempo Dhlakama havia de passar, que já
partiu, alimentem as armas, e posicionamo-nos com as metralhadoras, mas não sei
como é que é possível um carro passar a poucos metros e não ser atingido.
Vários morreram ali mas Dhlakama conseguiu sair. Ainda perseguimos mas eles
responderam.
P
– Quem é que deu as ordens para essas missões em que você participou?
Agente
– Sabe, aqui em Moçambique tem pessoas que nunca são mencionadas, de quem nunca
se fala. Quando há problemas, sempre fala a polícia, os militares, mas há uns
que sempre ficam por detrás disso: SISE(Serviços de Informaçao e Segurança do
Estado). São grandes, têm informação de tudo isto aqui.
P
– Só actuaram em Nampula, Manica e Sofala?
Agente
– Realizamos missões de porta-à-porta na província de Sofala, nos distritos de
Caia, Marromeu e Gorongosa. Chegávamos, batíamos à porta, e aqueles que saiam
eram mortos. Obtemos informação dos líderes comunitários; são eles que nos
informam sobre a presença de homens da Renamo numa determinada região.
P
– Onde é que foi a missão mais recente?
Agente
– Eu fui chamado para Murrupula, em Nampula, em Janeiro de 2016. Porque
conforme já disse, os líderes comunitários conseguem observar os movimentos nas
aldeias, e verificar a chegada de pessoas ou grupos estranhos. Então,
chamaram-nos para lá. Não permanecemos lá; ficamos num hotel, como civis, à
espera de indicações para irmos trabalhar”.
P
– Que tipo de trabalho foi esse?
Agente
– Há uma base da Renamo numa aldeia, é uma coisa de 42 quilómetros depois da
Estrada Nacional. Deixamos os carros para não provocar ruído. É uma zona onde
não entram frequentemente carros; os únicos carros que vão para lá vão à
procura de carvão e lenha. Nós fomos a pé. Mesmo agora que estou a falar tem lá
forças pertencentes à 6ª Unidade da Intervenção Rápida, tentando resgatar um
homem que desapareceu com a sua arma.
P
– Está a falar de um vosso colega que desapareceu? Como é que desapareceu?
Agente
– Nós fomos lá e identificamos uma base da Renamo. Fizemos uma defesa circular,
em que todos paramos e concentramos o fogo, mas sem esperar que eles pudessem
responder, já que era de madrugada. Quando responderam fogo cada um correu à
sua maneira e ele ficou, tinha uma metralhadora PK de 475 munições (é uma
metralhadora Kalashnikov russa vulgarmente conhecida por PK), tinha dois
carregadores. Depois o Comandante ligou e disse que queria o esse elemento vivo
ou morto, e com a sua arma.
P
– Como é que vocês comunicam com os líderes comunitários?
Agente
– Todos os líderes comunitários, nas províncias, trabalham com as forças
governamentais; eles dão informação. Têm a missão de vigiar na aldeia, e
informar sobre a presença de elementos da Renamo; quem são os responsáveis,
quem são os delegados, etc. Então nós chegamos, batemos a porta e levamos a
pessoa.
P
– Então, está a dizer que os homens armados da Renamo vivem no meio das
populações?
Agente
– Eles (os homens armados da Renamo) vivem muito bem com a população, e a
população não denuncia.
P
– Esses homens armados da Renamo são jovens?
Agente
– Dos que já capturamos nunca vi jovens. Aqueles jovens que aparecem a
entregar-se como membros da Renamo são informadores. Muitos daqueles que se
entregam estão a ser chantageados e agora estão a ter problemas para
regularizar os documentos. Muitos nem são guerrilheiros.
“Em
Tete é que foi mais vergonhoso porque o comandante que estava lá em frente
disse queimam lá”
P
– Quantos homens armados da Renamo estavam em Murrupula?
Agente – Não sabemos quanto são, porque muitos
não andam fardados, eles vivem com a população. Eles nunca foram a uma aldeia e
começarem a disparar. A Força de Intervenção Rápida é que queima escolas, se
não sabiam. Nós quando íamos atacar, quando entrávamos numa aldeia, começávamos
a disparar de um lado para o outro, e todos fugiam. O comandante ligava e dizia
que “os homens da Renamo fizeram isto aqui”, e logo vinham ordens superiores a
dizer “destruam isso aí”.
P
– Então, quando as populações fogem porque dizem estarem a ser atacadas pelas
Forças Governamentais não estão mentir?
Agente
– Não estão a mentir. Em Tete é que foi mais vergonhoso porque o comandante que
estava lá em frente disse queimam lá essas palhotas, matem os cabritos, bois e
outros animais.
P
– Quem foi esse comandante?
Agente
– O comandante é (nome omitido). Ele teve problemas de tráfico de drogas. Foi
condenado mas não cumpriu a pena, foram lhe tirar quando começaram essas
confusões e foi colocado como comandante em Nampula. Quando começou a
instabilidade em Nampula foi-se instalar a Intervenção Rápida na rua dos Sem
Medo, e foi aí que tudo começou. Aquele Dhlakama tem medo dele, e do (nome
omitido), mais conhecido por Adolfo, foi comandante dos comandos, um desertor
da Renamo. Quem anima cumprir missões com ele é o comandante (nome omitido),
porque nas missões que ele comanda não morre ninguém. Agora, ir com o
comandante (nome omitido) morre o próximo dele, porque aquele no mato não tira
a mão do bolso e não é atingido pelas balas. O comandante (nome omitido) foi
comandar em Nampula, então aqueles (Afonso Dhlakama e os seus homens) fugiram
para a Gorongosa, ele foi atrás deles como comandante do batalhão independente
de Gorongosa, até agora.
P
– Então o comandante (nome omitido) está em Sofala ou em Tete?
Agente
– Esse (nome omitido) está em Gorongosa, mas é chamado em todo o sítio onde há
confusão, por isso mandaram-lhe para Tete. Fomos juntos para lá, entre Maio e
Setembro.
P
– Além do vosso pelotão existem outros que realizam essas missões?
Agente
– Não é o único. Outros estão espalhados pelas províncias.
P
– E existe armamento?
Agente
– Têm carros blindados novos com canhões. Chegaram novos carros na brigada
montada, foram buscar ao porto de madrugada já estão aí homens a serem
formados. Há canhões ZU23, armas de precisão Dragunov, e metralhadoras Pecheneg
, todas de fabrico russo.
“No
dia em que fomos roubar votos em Nampula, em 2014”
P
– Porque é que decidiu revelar-nos tudo o que tem feito?
Agente
– Tenho filhos por criar, e aquele trabalho me está a criar perturbações
mentais. Desde que esta confusão da Renamo começou as pessoas estão a morrer.
Fui fazer outra formação anti-motim, de controlo de multidões, no caso de
greves. Não é para isto que nós juramos. É por isso que alguns já foram
expulsos, por se recusarem a cumprir certas missões. Por exemplo, somos
chamados para uma formatura, e daqui para a aqui, nos dizem, “senhores, entram
no carro, levem bazucas”. Bazucas não são para o controlo anti-motim. Para
debelar um motim precisa-se de pressão de ar e gás lacrimogéneo. Agora, quando
te dizem para levar roquetes isso é guerra, e para mim não faz sentido.
P
– Também já participou em manifestações? Porque é que levam armas com balas
verdadeiras?
Agente
– Quando se vai a um sítio para se manter a ordem contra um motim só tinha que
ser com gás lacrimogéneo e pressão de ar, mas leva-se Makarov, leva-se AKM para
com o gás lacrimogéneo afugentar a multidão e fazer demonstração. Em todas as
manifestações tem que se fazer demonstração, tem que cair pessoas para aquilo
parar, é como temos feito. Para as pessoas saberem que a próxima bala pode ser
para mim, é aquilo que nós chamamos de demonstração.
P
– Quer dizer que há entre vós um sentimento generalizado de revolta?
Agente
– Uma das razões é que estamos a fazer um trabalho que não corresponde com
aquilo porque nós juramos e também porque não nos pagam horas extras, porque
nós somos solicitados a altas horas da noite ou de madrugada. Estamos a fazer
coisas que não são aquilo que a lei manda. Até aí os nossos chefes ... nós
pensamos que eles recebem mas não nos dão.
P
– Qual foi a sua primeira operação?
Agente
– A minha primeira operação foi em Nampula, na Rua dos Sem Medo, naquele ataque
à residência de Afonso Dhlakama, na Rua das Flores. Íamos lá com ordens do
Comandante (nome omitido); ele era o Comandante Provincial. Ele agora foi
substituído pelo (nome omitido).
P
– Quantos são vocês no vosso grupo?
Agente
– Estou num grupo separado porque tem um grupo normal da Intervenção Rápida, e
tem o grupo de acções especiais, que é o meu grupo. No meu grupo somos cerca de
50.
P
– E o vosso alvo são os homens armados da Renamo?
Agente
– É o que pensávamos, mas mais tarde fomos ver que não só eram eles porque há
certos dias que vinham com fotos para fazermos certos trabalhos, mas só que
aqueles já não aparentavam ser homens da Renamo.
P
– Em Nampula?
Agente
– Nampula é o sítio onde havia mais problemas. Porque para acabar aquilo ali em
Nampula teve que se fazer o trabalho de porta a porta. Porque os líderes
comunitários tinham o seu papel de identificar as pessoas; quem é o líder, quem
é o delegado da Renamo. Então a gente ia lá... sem o líder, o líder só dizia
aos homens do reconhecimento e o reconhecimento não abate quem abate somos nós
das operações especiais.
P
– Os teus colegas também estão descontentes?
Agente
– Lá há muito descontentamento. Só que ali não se pode fazer o que... no meio
de muitos estar a murmurar porque ali há muita gente que quer subir na base do
outro. Pode ir dar informação.. uma informação dali dentro vale muito. Então
ali há muito risco. O dinheiro é pouco, mas o risco é grande. Nós temos todas
as provas que podem implicar muitos comandantes, porque são eles que dão as
ordens.
P
– Não teme represálias?
Agente
– Para eu tomar a decisão de falar sobre isto é porque eu acabava de cumprir
uma missão. Acabava de fazer um trabalho que todos nós saímos a murmurar;
saímos mesmo mal, lesados, fomos atirar nas pessoas e nós saímos lesados. Fomos
atirar mesmo nas pessoas.
P
– Que operação foi?
Agente – Tivemos um trabalho... primeiro fomos
a Tete. Então vinha um D4D, nós estávamos num sítio ali. Saímos com uns carros
Prados fomos até a um sítio numa sombra onde tomamos refrescos e sumos.
Apareceu um agente do SISE e disse a foto é esta aqui; uma foto bem grande.
Este aqui quando aparecer vocês hã de ver; o movimento só hão de ver. De facto,
ninguém nos disse. Vimos ele a vir primeiro já guarda costas ele estava no
meio, e notou-se que este estava protegido. Saímos com ele, seguimos. O nosso
carro avançou primeiro, ficou um outro Prado porque eram quatro Prados; ficou
um Prado atrás um outro adiantou. Quando ele vinha foi bloqueado. Primeiro
atiramos contra o ADC. O ADC deu um tiro para o ar mas ele foi atingido
mortalmente. Logo que ele fez aquilo o carro foi bater num arbusto, e ele (o
alvo) quando tentou sair foi mesmo à queima roupa. Daí saímos e apanhamos o voo
e voltamos para Maputo.
Outro
dia já fomos a Nampula fardados. Nós não fazemos isto porque gostamos de
guerra. Não ganhamos nada. Vale a pena eles, ganham porque quando a gente mata,
eles rebocam gado nos camiões; por exemplo, o meu comandante, o carro que está
a andar com ele, é por causa daquele gado que se levou lá em Gorongosa. Nós não
levamos nada. E um comandante lá também foi bem chantageado porque o dia que
fomos queimar, tivemos ordens de queimar motorizadas, aquelas todas motorizadas
da Renamo, nós a incendiar ele levou isolou aquela mota foi andar com ela, até
hoje está a andar com aquela mota, Badjadja, uma mota vermelha, sem matrícula
até... Comandante (nome omitido).
P
– Esta Unidade de Intervenção Rápida onde você está já participou em
manifestações? Porque levam armas com balas de verdade?
Agente
– Quando se vai num sítio para se manter a ordem de motim só tinha que ser com gás
lacrimogéneo e pressão de ar, mas leva-se makarov, leva-se AKM para com o gás
lacrimogéneo afugentar e fazer demonstração. Todas manifestações tem que se
fazer demonstração, tem que cair pessoas para aquilo parar, é como temos feito.
Para as pessoas saberem que a próxima bala pode ser para ti, é aquilo que nós
chamamos de demonstração.
P
– Pode revelar-nos uma situação de motim onde usaram balas reais?
Agente
– No dia em que fomos roubar votos em Nampula, em 2014. Ali na escola de
Belenenses, escola secundária 12 de Outubro, escola secundária de Nampula,
fomos de voo com homens do SISE, homens encasacados. Tem reconhecimento que
ficam de tranças, tipo marginais, foram atribuídos tarefas vocês vão para lá
fazer confusão por que os da Renamo têm influência. Para nós conseguirmos
sacudir aqueles primeiro tiveram que ir lá colegas à paisana, que tinham
tranças e roupas rasgadas, foram formar bicha e instigar, «a Frelimo aqui tem
que perder » diziam e quando outro queria responder então armava-se confusão, é
muito fácil de agitar macua. Depois ligaram-nos e disseram venham lá. Aí foi a
Intervenção Rápida numa de que é legítima defesa e está a ir manter a ordem.
Gás lacrimogéneo e fumaça, aquilo ficava escuro, levávamos as urnas nos
blindados e íamos entregar homens do SISE que preenchiam Frelimo, Frelimo...
Enquanto lá na escola continuávamos a disparar. Depois os carros saiam e
entravam no meio da confusão enquanto eles estavam ali a preencher. OMM aquelas
senhoras são malandras, estavam lá no quartel da Intervenção Rápida em Nampula
cheias a preencher Frelimo, Frelimo... houveram pessoas que se fizeram de
corajosos e aí o comandante disse agora batem quatro para eles verem que a
coisa é séria.
P
– Ao longo deste período o Governo tem dito que não quer guerra e até quer
dialogar com o partido Renamo para se alcançar a paz, acha que vão entender-se?
Agente
– Sabe qual é o problema é que lá no Norte é onde há riqueza, Dhlakama foi
roubado nos votos mas ganhou. Eu não entendo a política só cumpro missões, mas
eles não vão deixar Dhlakama governar.