NA
ASPAR, PARA QUE NÃO HAJA MAIS VOLÁTIL ABANDONO
Martinho Júnior, Luanda
Debaixo
dum acolhedor e viçoso abacateiro, dum perdido quintal do Zango, na protectora
penumbra que abriga da ardência do sol tropical, entre os odores de apetitosos
frutos e as tenras e sussurrantes folhas tocadas pela brisa, morreu Jacob em
sua última alvorada…
Sua
família contou-me que se havia levantado cedo, como todos os dias, tomado um
banho retemperador e ido para o seu local preferido para ali ver o sol nascer…
O
carinho ferido de espanto e pranto de sua família, colocou ali mesmo, nessa
difusa sombra, uma singela mesa com sua fotografia, para que solenes os vivos
se inclinassem face ao seu meio ignorado regresso ao pó.
Nunca
tinha ido a esse lugar, apesar de tantas vezes enquanto Secretário-Geral da
ASPAR o ter adivinhado, pelas notícias que vão chegando de cada um dos finados
membros duma comunidade que se despedem sem maior carinho, ou reconhecimento,
senão o de suas próprias famílias e amigos mais chegados.
Aquele
quadro transporta-me para muitos outros quadros similares, Angola adentro…
…
Chamaram-me e disseram-me: mais uma pequena vela, mais uma pequena biblioteca,
que se apaga num volátil abandono, um ser cuja vida patriótica foi mais uma
contribuição em benefício do povo angolano!...
…
A liberdade haveria de ser repartida entre iguais, mas Jacob não teve apoio,
nem pensão, nem a devida solidariedade, nem o honesto reconhecimento que os
justos devem honrar com seus deveres e obras perante os iguais e a história!
Jacob
foi uma pequena gota que integrou o caudal que nasceu do grito dos escravos
libertos (é preciso lembrar sempre a revolução libertária dos escravos no
Haiti, em princípios do século XIX, mesmo que em Angola os descendentes dos
antigos escravos e os descendentes dos “indígenas”nunca tenham ouvido
sequer falar do Haiti)…
…
Uma pequena gota alvoraçada e plasmada entre tantas outras gotas num leito de
turbulentas corredeiras, com a coerência própria que dá sentido gravitacional e
oceânico às águas tornadas torrentes impetuosas e às bandeiras erguidas da
fluência de tão árduos desafios!
Experimentando
o abandono que marcou a carne e a alma bruscamente despovoada, Jacob nem se
quis juntar a outras gotas desperdiçadas desde a década de 90 do século
passado, muitas das quais se foram evaporando sem remissão…
Deixou-se
pairar abandonado no ar, por que afinal o abrigo do abacateiro lhe bastava: era
com ele que Jacob dialogava, como os camponeses dialogam com a terra e com os
embriões dilectos nascidos de suas mãos.
Por
isso sua apagada trajectória (e seu sulco humano) deixou de ser conhecida e
ainda menos reconhecida e no entanto, aqueles que também nele se reviam,
bateram-me à porta e com sua voz embargada pelo inesperado da hora da grande
angústia, apontaram-me o abacateiro do seu trânsito final, ali onde morreu um
camarada!
Essa
é a estória, dentro da história, de uma entre muitas outras vidas iguais, duma
mortalha que foi sendo tecida, nas duas últimas décadas, no silêncio e na
solidão!
Cada
gota dessas, mesmo evaporada, reforça a convicção de quão premente é alimentar
a lógica com sentido de vida!
*Fotos
do camarada Jacob Daniel Francisco ao abrigo ainda dum perdido abacateiro no
Zango…
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