Académico
falava durante o lançamento do estudo “Cidadania Urbana”
Na
cerimónia de lançamento do estudo “Cidadania Urbana”, Adriano Nuvunga foi
convidado para fazer comentários sobre o tema, mas o académico foi muito além.
Na sua longa e incisiva intervenção, Nuvunga defendeu que não faz sentido
falar-se de uma história da luta de libertação nacional, porque os seus actores
continuam a dominar o processo político. Problematizou a Constituição da
República, afirmando que ela garante à Frelimo uma superioridade em relação aos
outros partidos. Mas o director do Centro de Integridade Pública (CIP) foi
hilariante quando descreveu o protótipo do dirigente moçambicano: “quer ser
adulado, quer sentir que o povo está com medo dele, gosta que as mamanas
(senhoras) dancem para ele. Em todos os aeroportos moçambicanos, basta chegar
um dirigente, seja quem for, quer que as mamanas vão lá dançar. É preciso que
as pessoas comecem a negar que as suas mães e irmãs vão dançar para os
dirigentes. Cumprem mal o seu dever e querem que as pessoas vão dançar para
eles. Se dançar é bom, que levem as suas irmãs”.
Categórico
na definição de cidadania, Nuvunga defendeu que quem não paga imposto não é
cidadão. Mas, atenção: o académico lembra que não é por culpa própria que
milhões de moçambicanos não pagam. Falta-lhes emprego. Além do desemprego, o
analfabetismo e a pobreza extrema também condicionam o exercício da cidadania.
Concluindo, Nuvunga disse que os instrumentos de manutenção e legitimação do
poder em Moçambique não são potenciadores da cidadania, mas sim do “silêncio,
do encolher dos ombros e de esquemas individuais de sobrevivência”.
Superioridade
da Frelimo na constituição da república
“Historicamente,
a cidadania em Moçambique esteve ligada ao processo de luta armada de libertação
nacional e, no pós-independência, em torno das ODM - Organizações Democráticas
de Massas. As reformas democráticas de 1990 abriram e alargaram o espaço
político, ao consagrar a garantia das liberdades individuais, políticas, de
vida e de segurança, mas também o direito.
à diferença e ao pluralismo social. Porém, a Constituição de 1990 garantiu à Frelimo a superioridade perante os demais partidos e isso mantém-se até hoje. Basta ler o preâmbulo da nossa Constituição, que fala da luta heróica do povo moçambicano pela libertação nacional. E os livros de história, desde a 3ª à 12ª classes, falam da Frelimo heróica que conduziu a luta armada de libertação nacional. Quando combinados, estes dois instrumentos estão a dizer que é este o partido que libertou o país. E libertou reivindicando parte da nossa história colectiva. A Frelimo diz que tem mais de 50 anos, mas a verdade é que este partido nasceu em 1977. Tirou-nos a história do movimento de libertação nacional e chamou para si. E isto está lá na Constituição, que acaba superiorizando a Frelimo em relação aos outros partidos”.
Actores
da luta de libertação na política
“O
Estado moçambicano nasceu em 1975, por via de uma luta de libertação nacional.
E os actores desta luta ainda estão na direcção do processo político
moçambicano, portanto, a história da luta de libertação nacional ainda não é
história. É parte estruturante do processo político presente. As feridas desse
processo ainda estão abertas e muito do que se pode e não se pode dizer hoje na
arena política nacional, ou seja, o permitido e o não permitido, é ainda
marcado por essas feridas. O multipartidarismo, que nasceu de uma guerra civil,
entrincheirou-se nas clivagens políticas deixadas pela luta de libertação
nacional. Com o multipartidarismo, nasceram zonas de influência política da
Frelimo e da oposição, predominantemente a Renamo. Em termos da economia
política de governação, isso não é neutro. Tem implicações na relação (das
pessoas) com o Governo, que controla o Estado. Se você é de uma zona marcadamente
da Frelimo ou da Renamo, tem um tipo de relação com o Governo ou com o Estado,
e isso tem implicação directa nas possibilidades do exercício da
cidadania.”
Falta
de emprego “versus” cidadania
“Nas
zonas urbanas, há níveis elevados de desemprego e, como resultado, estudos
mostram que apenas 10 por cento da população paga imposto. Você não pode ser
cidadão se não paga imposto. Mas não paga imposto não porque não quer, porque
não tem emprego. O sector público, que é o maior empregador, é dominado por uma
politização das instituições e por uma falta de clareza sobre os critérios de
promoção e de mobilidade social. Através do clientelismo, do culto ao
paternalismo e ao ´lambebotismo´, enfatiza-se o silêncio - que é contrário à
cidadania - como caminho para a ascensão social. Do nada, uma pessoa torna-se
ministro. Mas como? Qual é o critério mínimo?”
Corrupção
e falta de segurança dos cidadãos
“A
cidadania defende a separação entre o público e o privado e nega a apropriação
do público pelas elites. A corrupção não somente mata a cidadania por aquilo
que os dirigentes tiram para eles, mas sobretudo porque ela nega ao Estado a
possibilidade do desenvolvimento socioeconómico. E essa é a base material para
que uma cidadania se desenvolva. O que se pode esperar de um Estado onde um
professor da maior e mais antiga universidade pública é atirado ao chão e
baleado e as coisas continuam a andar como se nada tivesse acontecido. O Estado
tinha que se sentir ofendido por isso. Mas não, a universidade continuou a dar
aulas e tudo andou normalmente. Isso é uma mensagem para os demais. Mas nós
temos um Presidente da República jovem e tolerante. Ele tem tudo para se
afirmar como Estadista e criar condições para o desenvolvimento de uma
cidadania.”
Emídio
Beúla – O País
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