O facto de um partido nacionalista, populista e xenófobo obter, num país como a Holanda, intenções de voto entre os 15 e os 20 por cento é um sintoma de um mal social profundo
Carlos Zorrinho – jornal i, opinião
A Holanda vai hoje a votos. Segundo os estudos de opinião, a direita nacionalista e xenófoba, liderada pelo populista Geert Wilders, atingirá uma votação expressiva, ainda que muito provavelmente insuficiente para formar governo e concretizar o seu desejo de referendar a continuação do país na União Europeia.
O facto de um partido nacionalista, populista e xenófobo obter, num país como a Holanda, intenções de voto entre os 15 e os 20 por cento é um sintoma de um mal social profundo. Um mal holandês e europeu, e que progressivamente está a contaminar todas as sociedades do designado mundo desenvolvido.
A Holanda tem tecnicamente pleno emprego, cresceu 2,1 % em 2016, registou um superávite comercial no mesmo ano, tem contas públicas saudáveis e ocupa os primeiros lugares em todos os rankings do desenvolvimento humano e da qualidade vida. É um país de referência, mas no qual um número relevante de eleitores quer interromper o ciclo político e dar crédito a um discurso de negação e fechamento.
Como é isto explicável? As eleições são cada vez menos sobre o que temos e cada vez mais sobre o que esperamos ter. Os holandeses e muito eleitores dos países mais desenvolvidos já perceberam que a possibilidade de continuarem a progredir com o mesmo modelo com que progrediram no passado está limitada pela concorrência global, pelos recursos e pelas oportunidades.
Esta perceção gera incerteza e medo e dá gás a uma visão populista e xenófoba que apresenta a saída da UE e o discurso contra os migrantes e refugiados como o remédio milagroso para tirar todas as nuvens negras do horizonte.
As lições a tirar são claras. Os partidos europeístas e, em particular, os partidos europeístas de esquerda não podem continuar a propor mais do mesmo. O mal holandês exige novas terapias ideológicas e políticas para ser democraticamente banido.
É preciso retomar a esperança, envolvendo os cidadãos no desenho e na concretização de um futuro desejável para o qual se motivem, não apenas exercendo o seu direito democrático de escolha, mas também o seu direito (e dever) cidadão de participação ativa.
Um futuro que implica ter em conta que as pessoas e o seu bem-estar devem ser o fim último dos modelos económicos e sociais e que os recursos existentes no planeta são finitos e devem ser usados de forma sustentável.
As pessoas têm de sentir as propostas políticas como algo que lhes diz diretamente respeito e em que podem ser ganhadoras. Os discursos defensivos e tecnocráticos têm os dias contados. Em seu lugar é preciso elaborar, de forma colaborativa, novos modelos inteligentes e apelativos de vida em sociedade, inspirada pelos valores sempre atuais da liberdade, igualdade, solidariedade, dignidade e felicidade.
Um pouco por todo o mundo, as eleições e referendos recentes mostram que, para os progressistas, jogar à defesa é derrota certa. Mantendo a solidez que lhes é dada pela História, é tempo de quem acredita no progresso justo e equitativo da humanidade passar ao ataque. Vencer o mal holandês é uma prioridade nesse caminho.
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