segunda-feira, 19 de junho de 2017

Portugal | CAMINHO DO INFERNO



Jornal de Notícias, editorial

Quando a tragédia se agiganta a cabeça tende a perder-se em porquês. E, no entanto, ainda não é tempo de entender. Esse será o depois. O agora é duro e o combate dos bombeiros, cada vez mais extenuados e dispersos, é crucial para travar as chamas. Há ainda muitas pessoas, demasiadas, aflitas a cuidar do que têm.

Será preciso rigor técnico e meses para apurar as causas, reconstituir os movimentos do fogo e perceber o que falhou. Porque falhou, e admiti-lo será o único caminho para evitar que o inferno volte a repetir-se. O inquérito terá de responder a todas as dúvidas: do socorro aos meios disponíveis, dos mecanismos de alerta ao comportamento da população.

A origem da ignição está identificada e fenómenos naturais extremos criaram condições para que o fogo alastrasse com uma violência rara e que ninguém conseguiria suster. Mas na evolução do fogo concorrem muitos fatores. Seja as estratégias de combate ou as condições de vegetação. As condições naturais não explicam tudo. E quem conhece o estado em que está aquela que já foi orgulhosamente classificada como a maior mancha contínua de pinheiro bravo da Europa não pode fingir que não vê o risco.

A dispersão da propriedade, a cada vez menor produtividade da floresta, a total ausência de investimento, tudo contribui para um abandono perigoso. E, lá está mais uma vez o nosso desequilíbrio, uma larga faixa do país despovoado que corta raízes com a ruralidade. A floresta é cada vez menos rentável. Sendo cada vez menos rentável, cada vez se cuida menos dela. Está instalado o ciclo vicioso.

De tempos a tempos, os responsáveis políticos prometem fazer tudo o que nunca foi feito. Reformas sucessivamente adiadas. Não adianta apontar dedos e nenhum partido político poderá cair no erro da demagogia. Por razões orçamentais ou por dificuldade em entrar num domínio que mexe com a propriedade privada, não fomos capazes. Essa é a única verdade que dói.

O pior que podemos fazer, ao tocar a morte, é temer a vida. Cada um dos 61 mortos tem uma história. E só quem perdeu os seus sabe o quanto a dor corrói e esvazia por dentro. Viver sem medo da vida é um desafio pessoal constante. Na vida pública, é um imperativo. A melhor homenagem às vítimas será decidir, sem hesitações, sobre o que falta na defesa da floresta e das populações. E sabermos cuidar uns dos outros, cada um à altura das suas responsabilidades.

Foto Rui Oliveira/global Imagens

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