Jornal
de Notícias, editorial
Quando
a tragédia se agiganta a cabeça tende a perder-se em porquês. E, no entanto,
ainda não é tempo de entender. Esse será o depois. O agora é duro e o combate
dos bombeiros, cada vez mais extenuados e dispersos, é crucial para travar as
chamas. Há ainda muitas pessoas, demasiadas, aflitas a cuidar do que têm.
Será
preciso rigor técnico e meses para apurar as causas, reconstituir os movimentos
do fogo e perceber o que falhou. Porque falhou, e admiti-lo será o único
caminho para evitar que o inferno volte a repetir-se. O inquérito terá de
responder a todas as dúvidas: do socorro aos meios disponíveis, dos mecanismos
de alerta ao comportamento da população.
A
origem da ignição está identificada e fenómenos naturais extremos criaram
condições para que o fogo alastrasse com uma violência rara e que ninguém
conseguiria suster. Mas na evolução do fogo concorrem muitos fatores. Seja as
estratégias de combate ou as condições de vegetação. As condições naturais não
explicam tudo. E quem conhece o estado em que está aquela que já foi
orgulhosamente classificada como a maior mancha contínua de pinheiro bravo da
Europa não pode fingir que não vê o risco.
A
dispersão da propriedade, a cada vez menor produtividade da floresta, a total
ausência de investimento, tudo contribui para um abandono perigoso. E, lá está
mais uma vez o nosso desequilíbrio, uma larga faixa do país despovoado que
corta raízes com a ruralidade. A floresta é cada vez menos rentável. Sendo cada
vez menos rentável, cada vez se cuida menos dela. Está instalado o ciclo
vicioso.
De
tempos a tempos, os responsáveis políticos prometem fazer tudo o que nunca foi
feito. Reformas sucessivamente adiadas. Não adianta apontar dedos e nenhum
partido político poderá cair no erro da demagogia. Por razões orçamentais ou
por dificuldade em entrar num domínio que mexe com a propriedade privada, não
fomos capazes. Essa é a única verdade que dói.
O
pior que podemos fazer, ao tocar a morte, é temer a vida. Cada um dos 61 mortos
tem uma história. E só quem perdeu os seus sabe o quanto a dor corrói e esvazia
por dentro. Viver sem medo da vida é um desafio pessoal constante. Na vida
pública, é um imperativo. A melhor homenagem às vítimas será decidir, sem
hesitações, sobre o que falta na defesa da floresta e das populações. E
sabermos cuidar uns dos outros, cada um à altura das suas responsabilidades.
Foto Rui
Oliveira/global Imagens
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