João
Luz | Hoje Macau | opinião
Matéria,
energia, pessoas e corpos celestes seguem um percurso que os impele a volver.
Seja de uma forma cíclica ou esporádica, o retorno é quase uma inevitabilidade
de tudo o que é dinâmico, de tudo o que vive. Regressar a Portugal pela
primeira vez foi uma das viagens mais densas em termos emocionais e
psicológicos que fiz, como se tivesse condensado um ano em três semanas de
nostalgia fresca.
Macau
adicionou um factor de distorção temporal e significado à minha vida, ao ponto
de achar ser possível ter saudades do que nunca vi e de sentir familiaridade
esvair-se de uma ferida conhecida.
Rumei
para a Ásia há pouco tempo, mas parece que sempre estive cá. Por outro lado, o
retorno a Lisboa trouxe reflexões novas. Talvez seja pensamento em excesso,
algo curável com um trabalho braçal que não implique reflexão. O facto é que
cidade onde morei nas últimas duas décadas continuava lá, alva e suja em simultâneo,
paradoxal como sempre. O Largo da Severa, o Vale do Silêncio, a Almirante Reis,
o Tejo a anunciar a margem sul. Mesmo o uterino Alentejo adquiriu um travo de
irrealismo banhado a luz intensa.
Pode
uma pessoa perder-se em lugares que conhece? Onde está o meu torrão, a minha
quota-parte de terra? Nenhum pedaço de planeta é meu, porém, até a Marte me
arrogo. Sou um “cosmofundiário”, tudo me pertence em parceria com todos, ao
mesmo tempo que não sou dono de absolutamente nada. Vistas bem as coisas, vivemos
todos este socialismo de alma territorial alargado às estrelas, tornando as
fronteiras em conceitos aberrantes e contranatura, imbecilidades que ignoram a
força do grande íman que nos puxa e repele.
Portugal
é agora um sonho, uma terra quimérica onde a realidade se vestiu com trajes
oníricos, uma colectânea de déjà-vus com origem definida, onde cada novo
detalhe se agiganta e se transforma num factor de mudança de paradigmas. Aquilo
que sempre conheci, as ruas que parecem ter nascido comigo, a língua falada com
rispidez, o queixume que condimenta a psique nacional, tudo se tornou exótico.
No fundo todos os pormenores que conheço intimamente tornaram-me num
estrangeiro na minha própria casa.
O
Oriente tem essa capacidade de transformar o que é familiar e íntimo numa
projecção de sonho, como se estivéssemos a passear por uma outra vida dirigida
por Wong Kar-wai. Por outro lado, a estranheza enigmática e incompreensível
desta terra transmite um conforto indefinível, excepto talvez pela mais
inspirada poesia.
A
lógica de pertença esgueira-se para um local onde as pessoas são a única
verdadeira âncora, indiferentes a tempo e espaço, cristalizando gargalhadas,
banalidades e coisas profundas em momentos eternos.
Agora
regresso para Macau, seguindo como um louco a agulha que aponta para Oriente e
cumprindo o básico desígnio de regressar. Reconheço a fatal realidade e obedeço
ao imperativo das leis naturais que regem coisas, bichos e o mundo invisível da
física e química. É assim que funcionamos. Vamos, até onde houver mar, para
onde o vento nos levar, ir é o nosso destino, ir para regressar. Vir traz o
clímax de nos fazermos de novo, da reconstrução orgásmica noutra longitude, num
meridiano sonhado de olhos abertos.
Quando
começou este vaivém? Talvez quando o Universo iniciou a grande expansão, quando
da energia se fez matéria. Quando uma estrela se esgota e colapsa, explode e
cria energia, dispersa matéria, vai e retorna a aglomerar-se numa valsa
desordenada de detritos do passado que formam o futuro. Assim opera o espírito
humano, com revoluções e contra-revoluções, acção e reacção, buscando
equilíbrio nas antípodas, tudo polarizando para encontrar o cerne, o ponto
óptimo, a paz que alvejamos. Vivemos para morrer da mesma forma que partimos
para regressar.
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