Manuel Augusto Araújo |
AbrilAbril | opinião
Já chegaram a Portugal os
Capacetes Brancos, com ecos fortes na comunicação social, como seria
expectável. São suportados por uma poderosa máquina de propaganda financiada
pelo sólido apoio dos wahabitas da Arábia Saudita, de que um dos mais activos é
o bilionário Hani Farsi, financiador de um documentário sobre a ONG inventada e
organizada em 2013 por James Le Mesurier, especialista em segurança e
«ex»-agente secreto militar britânico com um largo historial em alguns dos mais
controversos teatros de intervenção da NATO, Bósnia, Kosovo, Iraque, Líbano e
Palestina.
Le Mesurier é um produto da elite
britânica da Academia Militar Real em Sandhurst, e foi também integrado numa
série de missões de alto nível das Nações Unidas, da União Europeia e do
Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido.
Sigam o dinheiro
Os primeiros grande financiadores
foram os sauditas, logo secundados pelas fundações de Georges Soros e pelos
governos dos EUA e da Grã-Bretanha e de outros países ocidentais, mais as
dádivas feitas através de angariações que são migalhas mas compõem a fotografia.
Em 2016, algumas fontes estimam que esse «grupo de voluntários» recebeu cerca
de 300 milhões de dólares.
Nem todo o apoio é visível, como
o da USAID, bem conhecida pelas suas ligações à CIA na reconversão ou tentativa
de reconversão de regimes que se escapam à esfera hegemónica dos EUA na América
do Sul, Ucrânia e Médio Oriente. No seu relatório de Julho de 2015 estão inscritos mais de 16
milhões de dólares remetidos aos Capacetes Brancos.
Conhecidos os mecenas dessa
trupe, o jornal londrino The Telegragh procurou minimizar os balanços
negativos dessas revelações destacando o «papel humanitário dos Capacetes
Brancos na Síria», reconhecendo no entanto o que antes, com grande veemência,
os governos ocidentais e a rede dos media que lhes é afecta negavam: o dos
Capacetes Brancos estarem integrados no ISIS e na Al-Qaeda, facto ilustrado por uma foto de um mercenário do ISIS de guarda a um armazém dos
Capacetes Brancos onde estava arvorada uma bandeira do Estado Islâmico. Na
realidade são uma fachada para branquear os terroristas da Al-Qaeda e seus
heterónimos. São eles que compõem a face humana do terrorismo.
Propaganda de guerra para
corações ternos
Os Capacetes Brancos têm o apoio
de um grupo de peritos em propaganda. Uma máquina bem montada que fabrica
vídeos para comover os corações moles de muita gente de boa vontade, inocente e
verdadeiramente preocupada com as vítimas de uma guerra brutal que nunca foi uma
guerra civil – outra grande falsificação.
Fazem parte da girândola de ONG
que trabalham activamente para cumprirem os objectivos das agendas secretas dos
EUA e dos seus variados serviços de informação. A sua grande eficácia é
misturarem-se com as ONG que fazem louvável trabalho humanitário. Conseguem
mesmo angariar pessoas honestas em seu apoio e para as suas fileiras, como tem
acontecido com outras ONG. Algumas apercebem-se dos seus verdadeiros objectivos
quando, na ânsia de obterem rapidamente resultados, os mandantes emitem ordens
que contrariam os fins dessas organizações. Isso tem acontecido em várias
partes do mundo onde actuaram e actuam: Jugoslávia, Líbia, Tunísia, Sudão.
Agora onde estão mais activos na Síria e Iraque.
A «defesa civil» do Estado Islâmico
Quando surgiram os Capacetes
Brancos, quem os comandava estava tão confiante no avanço no terreno da
Al-Qaeda e do Estado Islâmico que não se eximiam a publicar vídeos das
confraternizações conjuntas celebrandovitórias. Ainda se encontram
alguns desses vídeos no You Tube, embora a maioria tenha sido apagada e
não se encontrem uns tantos em que apareciam nas sessões de decapitação
misturados com os algozes, numa altura em que esse horror era muito popular. Na
realidade os Capacetes Brancos funcionam como a Defesa Civil do Estado Islâmico
e da Al-Qaeda, a prioridade da sua actividade humanitária foram sempre os
terroristas. Eram e são os seus paramédicos.
Passado o tempo das euforias, surgiram os vídeos a salvar
civis dos escombros. A excitação dos dias sangrentos em que o Isis e a
Al-Qaeda ocupavam uma grande parte do território sírio estava a acabar e era
urgente mudar a imagem. Agora multiplicavam-se os vídeos com essa nova face, a
partir de Aleppo e em Ghouta, para pressionar a opinião pública na iminência de
os terroristas serem derrotados – como veio a suceder.
Luzes, acção, corta!
Muitos desses vídeos eram
encenações, como foi demonstrado. Se dúvidas houvesse, foram os próprios
«rebeldes» das Forças Revolucionárias Sírias (RFS na sigla em inglês) que
retiraram da internet vídeos de salvamentos realizados pelos Capacetes Brancos,
depois de muitos dos seus seguidores se insurgirem contra a clara falsificação
das filmagens.
Ficaram célebres as imagens de
uma menina que foi resgatada em três locais diferentes com quilómetros de
distância, a de um homem a ser salvo das ruínas de um edifício bombardeado que
se libertava das mãos dos seus dois salvadores sem problemas e cheio de vida,
certamente por incúria no corte do filme ou por estarem tão confiantes no seu
poder de convencer que pensavam que ninguém daria nota. Num outro ainda mais
descarado tentavam reanimar um manequim, fazendo-o passar por uma vitima. A
evidência não resistia ao olhar mais distraído e as RFS desculparam-se com uma retórica tão ridícula que só não
rasga um riso pela gravidade da situação que vive no terreno.
A propaganda a que Portugal não
escapa
Uma bem oleada máquina de
propaganda, de que faz parte a sua vinda a Portugal, a promovê-los como a ONG
apolítica que nunca foram. Conseguiram mesmo que fosse realizado um
documentário, pago por dinheiro saudita, sobre a sua acção no terreno, onde é
ocultada a sua verdadeira essência e colocado em relevo o seu trabalho
humanitário. Documentário que foi candidato aos Óscares e obteve alguns
galardões internacionais.
O cinema e o vídeo são uma
poderosa engrenagem de propaganda e falsificação. Se alguém tem dúvidas
vejam-se todos os filmes sobre a guerra do Vietnam. Os de Coppola, Apocalipse
Now, Kubrik, Nascido para Matar, Oliver Stone, Platoon ou O Caçador de Michael
Cimino – haverá mais uns seis –, que dão um retrato brutal da guerra, só pela
excelência da sua qualidade não ficam soterrados na outra quase centena em que
os heróis preferidos são Stallone e Chuck Norris, muito mais difundidos na
televisão, em que até parece que os EUA ganharam a guerra do Vietnam, facto que
os vietnamitas obviamente desconhecem.
A propaganda dos Capacetes
Brancos é tão eficaz que alguns tentaram que fossem candidatos ao Prémio Nobel
da Paz, o que aliviaria o esforço financeiro de quem os subsidia e os colocaria
numa galeria ao lado de Obama, o Nobel da Paz que lançou 100 000 bombas e
mísseis em sete países, colocou as forças militares norte-americanas em 138
países – estavam em 60 ao tempo de Georges W. Bush –, fez crescer dez vezes a
utilização de drones, atingindo toda a espécie de alvos civis e militares,
aumentou as despesas militares em 18,7 mil milhões de dólares. Não ficavam mal
acompanhados e ilustrariam essa galeria em que a paz é um buraco negro.
Um parêntese para as «falsas
notícias»
A guerra na Síria é, desde que
foi desencadeada, uma enorme mistificação, como José Goulão, no AbrilAbril, cabalmente demonstrou. Os
Capacetes Brancos, desde o seu aparecimento, são uma peça importante nessa
engrenagem e trabalham afanosamente – para isso são pagos – para o
branqueamento das forças terroristas. Mascarados com a capa humanitária, são a
principal fonte de informação e difusão de «falsas notícias», fazendo um ataque
cerrado aos avanços no terreno do regime de Assad. Os seus informes espalham-se
como um vírus pelas redes sociais, independentemente de serem verdadeiros ou
falsos. São destros e experientes em fabricarem sucessos para fazerem sangrar
as almas piedosas de todo o mundo e fornecerem meios de prova que não precisam
de outra contradita para os EUA e os seus aliados desencadearem acções contra o
governo sírio e seus aliados. A última grande encenação foi em Ghouta, como já tinham feito em Aleppo. Tinha um objectivo
irrefutável, tentar no mínimo atrasar os ataques do exército sírio para os
terroristas se recomporem, se rearmarem e, se possível, não serem derrotados.
São dos agentes mais activos para que o horror da guerra se prolongue. São
parte inteira e activa desse horror sobre o qual a reportagem de Robert Fisk para o The Independent, em
Douma, é esclarecedora.
Regressando a Portugal
Agora essa «organização
humanitária» está por cá, em Fafe, a convite da Terra Justa e a ser alvo de
várias acções de angariação de fundos. É mais uma das suas muitas acções de
propaganda e relações públicas que organizam com reconhecida eficiência nos
países ocidentais, aproveitando-se da conivência da comunicação social ao
serviço das oligarquias. Por cá, têm tido uma cobertura mediática com grande
impacto com a particularidade de nenhuma falhar em etiquetar os terroristas de
rebeldes, um delicioso eufemismo.
Comparem-na com a que foi
concedida a Maria de Guadalupe, a freira missionária argentina que esteve
em Portugal a relatar a sua experiência na guerra da Síria. Enquanto os
Capacetes Brancos, os paramédicos dos terroristas do Isis, da Al-Qaeda e seus
heterónimos, são multiplamente incensados e propagandeados, Maria de Guadalupe
quase não teve tempo de antena e, apesar da sua distanciação em relação ao
conflito, até chegou a ser apelidada de freira diabólica. Mais um episódio da
danação dos tempos que vivemos e da enorme manipulação que nos cerca.
Na foto: O Oscar foi dado a uma
organização terrorista: Capacetes Brancos
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