terça-feira, 28 de agosto de 2018

“Trabalho Sexual”, “Indústria do Sexo” e “Trabalhadoras do Sexo”


Quando falamos de «trabalho sexual», «indústria do sexo» e «trabalhadoras do sexo», não é de trabalho que falamos porque não é de trabalho que se trata. Falamos de exploração, opressão e violência!

Helena Silva | AbrilAbril | opinião

Mantém-se a centralidade de posições político-partidárias que insistem na regulamentação da prostituição como uma «causa estruturante ainda por resolver» e que «trabalho sexual é trabalho, e os direitos dos trabalhadores do sexo são direitos humanos. Regulamentar a prostituição é a melhor opção para proteger estes cidadãos e salvaguardar os seus direitos», apresentando estas soluções como um meio de prevenção da criminalidade, da proteção social das mulheres prostituídas e da saúde publica.

Um argumentário falacioso que procura ocultar a clara aceitação e resignação face às causas estruturais da prostituição, a completa demissão das suas responsabilidades na Assembleia da República e dos governos na adopção de políticas de prevenção e combate a este flagelo social. Afirmando não ser possível erradicar a prostituição, dão o passo de pretender legalizar uma prática que representa um grave violência ao invés de fomentarem políticas económicas e sociais que assegurem a todas as mulheres o direito a um projecto de vida, assente na defesa dos seus direitos e da sua dignidade.
 
De facto, os argumentos usados por estas forças políticas e partidárias são profundamente demagógicos e em nada, absolutamente nada, contribuem para a melhoria da dignidade dos seres humanos, no caso, das pessoas prostituídas. É caso para dizer que «O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções.» – Karl Marx

Presentemente, o caminho que é preciso trilhar é o da criação de condições económicas e sociais que impeçam que mais mulheres sejam arrastadas para a prostituição e, por outro lado, que as que estão na prostituição, dela possam sair.

Regulamentar a prostituição como um trabalho não é mais do que pôr em prática a arte de «varrer para debaixo do tapete» e passar airosamente ao lado do problema, fazendo de conta que o resolve. Mas não. Porque não é de trabalho que falamos. É de violência e opressão sobre as pessoas prostituídas!

Com a regulamentação da prostituição, a violência física e psicológica que a acompanha naturalmente aumentará, porque é legitimada pela «actividade regulamentada» que dará continuidade ao exercício da violência sobre estas pessoas e favorecerá o tráfico de seres humanos para fins sexuais. 

Uma perversidade claramente confirmada nos países que legalizaram esta forma de violência. Também os novos «empresários do sexo» veriam legitimados os seus sórdidos negócios ao mesmo tempo que se abriria uma «nova janela de oportunidade» para mais facilmente ocultar os crimes de tráfico de seres humanos para a prostituição.

São vários os estudos e artigos que afirmam que os países onde a prostituição foi regulamentada/legalizada passaram a ser os principais destinos do tráfico, de que o exemplo mais falado é o da Alemanha, e a grande maioria das mulheres vítimas de tráfico e que se prostituem são provenientes de países pobres, dos chamados países do Terceiro Mundo ou da Europa de Leste.

Isto só pode significar, por um lado, que a regulamentação da prostituição não protege nem defende as pessoas prostituídas, na sua esmagadora maioria, mulheres, antes as torna alvos ainda mais fáceis das redes «legais» de exploração para a prostituição e, por outro lado, incrementa as redes «ilegais», como já se disse, o tráfico de seres humanos e o branqueamento de capitais associados a outros tráficos.

Se cheira a lucro, o capital crava as garras e não larga

A prostituição não é uma escolha livre. Com isto, não se pode concluir outra coisa senão que a prostituição não é uma opção para as mulheres. É verdadeiramente uma relação de domínio, na qual um sujeito subjuga outro à sua vontade. Dotada da inexistência de uma efetiva igualdade de direitos, é cruamente uma relação na qual um sujeito usa e abusa de um objeto.

A prostituição é uma violência e um atentado aos direitos e dignidade das mulheres. Portanto, é falsa a suposta coexistência entre uma «prostituição forçada» e uma «prostituição por opção». 

A utilização aparentemente distinta das duas expressões, duas realidades, insere-se numa ofensiva ideológica mais vasta de promoção do obscurantismo, dos valores antidemocráticos e reacionários, nos falsos caminhos de promoção da igualdade entre mulheres e homens.

É como afirmar que existe uma prostituição boa e uma prostituição má. A prostituição é má em toda a sua essência; a prostituição estilhaça brutalmente a integridade física e moral de um ser humano; a prostituição oprime reduzindo uma pessoa a uma coisa; a prostituição explora, suga a dignidade, a felicidade, a vida.

É, portanto, absurdo o «conto de fadas» que se criou, fazendo crer que existe um submundo da prostituição, onde vivem os marginais e um mundo cor-de-rosa, onde vivem as «bonecas de luxo».

Exemplo paradigmático o da Alemanha, cuja prostituição foi regulamentada em 2002. Neste caso, estima-se que serão cerca de 400 mil as pessoas prostituídas e apenas 44 se registaram como «trabalhadores individuais do sexo».

E porquê um número tão baixo? Porque afinal os direitos e deveres constantes num «contrato de trabalho» assumem uma dimensão ignóbil e intolerável já que o «instrumento de trabalho» é o corpo de uma pessoa, a sua sexualidade, bem diferente da força de trabalho.

E porque as pessoas prostituídas, na maioria mulheres, não têm qualquer pretensão em tornar a prostituição uma atividade duradoura, nem tão pouco assumi-la como experiência profissional adquirida em futuras oportunidades de emprego.

E isto só reforça que a prostituição não é voluntária, nem uma opção. Desenganem-se pois aqueles que pensam que a prostituição é uma opção voluntária. O que leva uma pessoa a prostituir-se é a fome, a toxicodependência, um passado de abusos e um meio familiar destruído. É a ausência total de apoios sociais, o desemprego, a pobreza e a emigração, entre tantas outras causas ligadas à miséria.

Regulamentar a prostituição é legitimar a violação de direitos humanos

A argumentação pró-regulamentação da prostituição é a de a pretender tornar uma atividade legítima e «normal», invocando a autonomia pessoal e a liberdade de escolha, na qual integra as escolhas profissionais de qualquer um, com direito a proteção social, na saúde e no trabalho.

Esta argumentação é falaciosa, porque a tutela da liberdade do ser humano assenta na sua dignidade, sendo que o trabalho em condições degradantes e desumanas não é legitimado apenas pelo facto de ter sido consentido. Além do mais, não parece credível que esta «saída profissional» faça parte dos sonhos dos pais para os seus filhos ou dos próprios.

E é sob a égide da «mais velha profissão do mundo», a par da escravatura diga-se, que se pretende nada mais do que regulamentar e legitimar a violência, a exploração e opressão sobre seres humanos, tornando-os mercantilizáveis. 

Diga-se também, que, tão ou mais velha que a prostituição é o proxenetismo. Esta é uma relação que tem séculos de história, na qual a pessoa prostituída é totalmente dominada pelo proxeneta, que a vende para satisfação dos «prazeres da carne» por quem pague o preço.

É nada mais nada menos que uma transação, reduzindo um ser humano a um corpo que deixa de fazer parte da sua composição natural e passa a ser um objeto, uma coisa, a qual se pode «usar e deitar fora».

Considerando a grave evolução da prostituição em Portugal, e no mundo, torna-se  necessário que façamos uma profunda reflexão, tomando como exemplo os países em que a prostituição foi regulamentada de modo a se aferir das consequências da regulamentação da prostituição para as mulheres prostituídas, para que se apresentem soluções de combate e prevenção do gravíssimo flagelo que, a nível mundial, escraviza, aprisiona e explora muitos milhões de pessoas.

Em primeiro lugar e atendendo aos critérios legais, importa reforçar que em Portugal a prostituição não é ilegal.

A pessoa que se prostitui não é perseguida nem criminalizada, nem quem a procura. O que é criminalizada é a exploração da atividade da prostituição: o proxenetismo.

O artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal pune, com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de prostituição por outra pessoa.

A moldura penal é agravada para uma pena de prisão de um a oito anos, se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil, manobra fraudulenta, de abuso de autoridade resultante de uma dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima ou de qualquer outra situação de especial vulnerabilidade.

Assim, é inevitável que se faça a seguinte pergunta: não sendo a prostituição ilegal, deve a mesma ser regulamentada como uma atividade laboral?

Em primeiro lugar, à palavra «trabalho» são apresentados significados como «ato ou efeito de trabalhar»; «exercício de atividade humana, manual ou intelectual, produtiva»; «esforço necessário para que uma tarefa seja realizada»; «labor»; «produção»; «atividade profissional remunerada; emprego; profissão», e a noção de contrato de trabalho, prevista pelo artigo 11.º do Código do Trabalho é «(...) aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas».

Parece que a prostituição ao ter cabimento nesta definição, ou ainda que fosse desenvolvida através de uma atividade «supostamente» independente, obrigaria a que o proxenetismo ou lenocínio fosse descriminalizado e estes sujeitos deixariam de ser criminosos, para passarem a ser os «empresários», os «patrões» ou os «agentes». E ainda que houvesse consentimento por parte das pessoas prostituídas, estar-se-ia a legitimar a exploração ignóbil a que são sujeitas pelo proxenetismo, o tráfico existente e a violência exercida, e uma autêntica violação dos direitos humanos.

Considerar a prostituição como «trabalho sexual», despenalizar a «indústria do sexo» e o lenocínio não constitui uma solução para proteger as pessoas prostituídas, maioritariamente (como já se afirmou) mulheres e raparigas menores vulneráveis, da violência e da exploração, antes as expõe a um nível brutal de violência, ao mesmo tempo que promove o crescimento dos mercados da prostituição e do tráfico de seres humanos.

Com isto, torna-se necessário esclarecer que as expressões «Trabalho Sexual», «Indústria do Sexo» e «Trabalhadores(as) do Sexo» não constituem um problema de semântica, mas muito mais do que isso. Utilizar estas expressões e pô-las em prática através da regulamentação da prostituição é legitimar e normalizar a violência que sobre as pessoas prostituídas é exercida.

Importa reflectir, porque teimam algumas forças políticas e partidárias a não assumirem as suas responsabilidades na Assembleia da República e no Governo, para que se cumpra a legislação portuguesa que determina que a exploração para a prostituição – o proxenetismo – é crime.
Acresce o facto de o Estado Português estar obrigado a respeitar a Constituição da República que, logo no seu artigo 1.º, determina que «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana (...)» prevendo-se nos seus artigos 25.º e 26.º que a lei deve estabelecer garantias efetivas da dignidade pessoal de cada ser humano.

Para além da legislação penal e da Constituição da República, Portugal é parte em Convenções Internacionais às quais deve efetiva observância e respeito, nomeadamente, a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e de Exploração da Prostituição de Outrem, ratificada pelo Estado Português em 1991, que começa logo por afirmar nos seus considerandos que «a prostituição (...) e o tráfico de pessoas com vista à prostituição, são incompatíveis com a dignidade e valor da pessoa humana e põem em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade (...)», ficando previsto que os Estados partes da Convenção «(...) convencionam punir toda a pessoa que, para satisfazer as paixões de outrem: 1) Alicie, atraia ou desvie com vista à prostituição uma outra pessoa, mesmo com o acordo desta; 2) Explore a prostituição de uma outra pessoa, mesmo com o seu consentimento», assim como «(...) convencionam igualmente punir toda a pessoa que: 1) Detenha, dirija ou conscientemente financie ou contribua para o financiamento de uma casa de prostituição; 2) Dê ou tome conscientemente em locação, no todo ou em parte, um imóvel ou um outro local com a finalidade de prostituição de outrem.»

O Estado Português está ainda obrigado ao respeito pelos instrumentos comunitários, chamando à colação a Resolução do Parlamento Europeu de 26 de fevereiro de 2014, sobre a exploração sexual e a prostituição e o seu impacto na igualdade dos géneros, na qual se salienta que as pessoas que se prostituem são particularmente vulneráveis a nível económico, social, físico, psicológico, emocional e familiar e correm um maior risco de violência e danos, mais do que em qualquer outra atividade, colocando a tónica nos planos de combate e na necessária assistência às pessoas prostituídas.

Os defensores da legalização da prostituição alimentam uma falsa dicotomia; ou a regulamentação da exploração da prostituição ou o «vazio» na defesa das mulheres prostituídas. 

Trata-se de uma falsidade!

A verdade é que se mantém na gaveta a elaboração de um Plano de Combate à Exploração na prostituição aprovado na Assembleia da República.

Partindo da iniciativa do PCP, mas devendo ser um compromisso a ser levado a cabo pelo Governo, este Plano visa garantir: «(...) o acesso imediato das pessoas prostituídas a um conjunto de apoios que lhes permitam a reinserção social e profissional, designadamente através de um acesso privilegiado a mecanismos de proteção social (rendimento social de inserção, apoio à habitação, à saúde, elevação da sua escolarização e acesso à formação profissional), bem como à garantia de acesso privilegiado dos seus filhos aos equipamentos sociais.» Esta Resolução, aprovada em 8 de março de 2013, até aos dias de hoje não saiu do papel.

Foi rejeitada na Assembleia da República uma iniciativa do PCP que recomendava ao Governo o reforço de medidas de combate ao tráfico de seres humanos e à exploração na prostituição. Uma iniciativa que foi rejeitada, pelo que a ausência de um plano de combate efetivo à prostituição como uma forma de violência e exploração sobre as pessoas prostituídas é justificada pela postura da maioria dos partidos políticos e os sucessivos governos que adotam a tese da coexistência de uma prostituição «forçada» e «uma prostituição voluntária», e a propagandeiam, afastando a necessidade da sua prevenção, do adequado acompanhamento e proteção das mulheres prostituídas, bem como as condições para se libertarem da exploração ignóbil a que são sujeitas pelo proxenetismo.

A verdade é que há forças políticas e partidárias que se recusam a adoptar medidas que assumam a prostituição como uma grave dimensão da violência sobre as mulheres, que deveriam ter e não têm, a mesma centralidade que justamente tem vindo a ser dada nos últimos anos à produção de medidas de combate à violência doméstica, à mutilação genital feminina, ao assédio moral no trabalho.  
  
Pelo que, não é demais reforçar que a prostituição é um problema social, um atentado aos direitos e à dignidade das mulheres prostituídas, mas igualmente de todas as mulheres, e uma negação dos direitos humanos. Trata-se de uma forma de exploração e violência incompatível com a dignidade do ser humano, com o exercício de direitos fundamentais e que exige do Estado um compromisso para lhe dar combate efetivo.

Um problema social que integra naturalmente o quadro do capitalismo, estimando-se que envolve cerca de 40 a 42 milhões de pessoas em todo o mundo. Um flagelo social com um forte aumento em contextos de crise, de agudização das desigualdades e da pobreza, uma autêntica violação dos direitos humanos e um agravamento do estatuto das mulheres para o exercício dos direitos e a concretização da igualdade na lei e na vida.

Ainda que os vários ordenamentos jurídicos tenham diferentes visões e enquadramentos do problema e tentem mesmo branquear a realidade, a verdade é que a prostituição funciona como um negócio e cria um mercado com diferentes personagens, por um lado os proxenetas que planeiam e atuam com o objetivo máximo de aumentar o mercado e engordar os seus lucros e, por outro, os compradores de sexo, na sua maioria homens, que sustentam este mercado através da manutenção da procura.

Um ato de intimidade que se transforma num valor meramente comercial e a pessoa prostituída numa mercadoria como «carne para canhão».

Este é o reflexo e expressão da crise estrutural do sistema capitalista, agravada por uma extraordinária concentração e centralização do capital e da riqueza nos exploradores, fundada a partir de uma organização social dominada por relações de poder sobre as classes exploradas, onde impera a lei do mais forte sobre o mais fraco.

O combate necessário é pôr um travão à centralidade mediática e ao entusiasmo  desmesurado que tem sido dado às vozes que defendem a regulamentação da prostituição em Portugal.

Bom seria que fosse dada voz e centralidade mediática aos argumentos das forças sociais e políticas e personalidades que intervêm em diferentes domínios da sociedade e que se opõem à regulamentação da prostituição, porque a mesma representa um retrocesso legislativo e uma inaceitável legitimação de um caminho de perpetuação dos mecanismos de exploração e violência.

Neste combate estão organizações sociais como a Associação O Ninho, o MDM, a Plataforma pelos Direitos das Mulheres entre outras organizações sociais e personalidades que intervêm em diversos domínios. São portadoras de propostas muito concretas centradas nas pessoas prostituídas, na sua maioria mulheres, assentes na concretização do direito das pessoas prostituídas exercerem os seus direitos em plena igualdade.

Uma acção a prosseguir que reúna todas as forças, de todas as mulheres e homens, pela eliminação de todas as formas de dominação, exploração e violência. Só assim é possível retirar do papel, concretizar e pôr em prática políticas concretas que eliminem a pobreza e melhorem a proteção social, assim como as medidas que condenem os que exploram este negócio sórdido, intolerável, vergonhoso e desumano.

A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990

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